Por João Baptista André Castande
Em intervenções públicas e ressalvadas raríssimas excepções, hoje em dia
muitos dirigentes só sabem “publicitar” maravilhas decorrentes nos respectivos
sectores quando, no fundo e na verdade, escondem ou escamoteiam ilegalidades e
graves problemas profundamente preocupantes na gestão da coisa pública. Fica-se
com a impressão de que estamos diante duma traição colectiva à memória de
Samora!
Os nossos dirigentes deviam ter sempre presente que uma análise honesta e
crítica do trabalho realizado, contribui sobremaneira para a elevação da
confiança dos cidadãos na Administração Pública e na sua justiça, legalidade e
imparcialidade.
Já agora, recordo-me que no momento da investidura como Presidente da
República de Moçambique, no dia 2-2-2005, Armando Emílio Guebuza disse que “o Governo vai
exigir dos funcionários públicos uma melhoria da sua postura e atitude perante
o trabalho” visto que, na sua óptica, “a dinâmica que se pretende empreender na
prestação dos serviços públicos ao cidadão não se compadece com o burocratismo
e o espírito de deixa-andar que caracteriza a atitude e postura de alguns
funcionários do Estado.”
Ainda segundo Guebuza, “não estamos a exigir nada de novo. No passado, os nossos funcionários
públicos conseguiram garantir um serviço exemplar para os cidadãos, apesar dos
constrangimentos profissionais e materiais então prevalecentes.”
Compatriota Guebuza, no passado aos funcionários públicos exigia-se a
experiência e a competência técnico-profissionais, observância escrupulosa da
ética e deontologia profissionais, o saber fazer e trabalhavam sempre
inspirados nos ricos ensinamentos de Samora e dos demais altos dirigentes de então,
enquanto hoje exige-se-lhes em primeiro lugar o diploma académico, que na minha
opinião é exageradamente sobrevalorizado.
E o resultado dessa prática é o que está à vista de todos nós e só não vê
quem não quer ver. Reuniões, reuniões e mais reuniões, nepotismo, compadrio,
proliferação de postos de direcção e chefia, ladroagem, etc., etc., em prejuízo
do trabalho, da produção e da produtividade, o que não significa que nada mudou
na nossa Administração Pública!...
Todavia, este parece ser o momento certo para organizar simpósio em que,
tal como os combatentes da luta de libertação nacional, os funcionários
públicos de então teriam a oportunidade de narrar os seus feitos que permitiram
que, muito embora semianalfabetos e profissionalmente mal formados, conseguissem
garantir um serviço exemplar para os cidadãos.
Antes de terminar, apenas dizer que são os seguintes os instrumentos de
garantia dos direitos e das liberdades fundamentais que o número 1 do artigo 18
da Lei 14/2011, de 10 de Agosto, põe à disposição das pessoas singulares ou
colectivas: 1) O requerimento; 2) A reclamação; 3) O recurso hierárquico; 4) O
recurso hierárquico impróprio; 5) O recurso tutelar; 6) O recurso de revisão;
7) A queixa; 8) A denúncia; 9) A petição, queixa ou reclamação ao Provedor de
Justiça; e 10) O recurso contencioso.
Quer dizer, quando o cidadão tenha feito uso de qualquer dos instrumentos
legais acima elencados, em defesa dos seus direitos e liberdades violados ou
preteridos, a nenhum dirigente assiste o direito de o molestar, sob que
pretexto for, posto que ser dirigente do Estado não é ser “dono” do ESTADO!!!
Ora, existindo no ordenamento jurídico moçambicano leis que protegem o
queixoso ou denunciante, de modo que este não seja sujeito a medida disciplinar
ou prejudicado na sua carreira profissional ou, por qualquer forma, ser
perseguido em virtude da queixa ou denúncia, conclui-se que só um dirigente
absolutamente desconhecedor desta realidade é que pode ser tentado pela
veleidade de ridicularizar o cidadão denunciante ou queixoso, apenas porque
exerceu, de boa-fé, o direito e o dever de cidadania em defesa dos seus
legítimos direitos e liberdades, do interesse geral e da Pátria.
Ressalva-se que também existem leis pertinentes que estabelecem as formas e
os processos de responsabilização dos cidadãos nos casos em que as denúncias ou
queixas apresentadas o sejam de má fé.
Por todas as razões acima expostas, julgo que é dever patriótico de todos
os cidadãos em geral e da juventude em especial, repudiar veementemente uma Administração
Pública em que impera a lei da selva ou a boçalidade, que alguns concidadãos
supostamente “poderosos” tentam impor a todo o povo moçambicano, em pleno
terceiro milénio!!!
Não foi por mero acaso que o artigo 256 da CRM de 16 de Novembro de 2004 criou a figura de Provedor de Justiça, cuja função é
garantir os direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na
actuação da Administração Pública.
Há cidadãos que acreditam que as recomendações do Provedor de Justiça e a
promoção por este da divulgação da legislação relativa aos direitos, deveres e
liberdades fundamentais dos cidadãos, nos termos das alíneas a) e e) do número
1 do artigo 15 da Lei 7/2006, de 16 de Agosto, podem contribuir imenso para a
melhoria de prestação da Administração Pública.
Então, a LUTA CONTINUA pela criação duma Administração Pública cuja
actuação obedeça à Constituição e à lei e com estrito respeito aos princípios
da igualdade, da imparcialidade, da ética e da justiça, firmemente convictos de
que a prepotência ou arrogância, o arbítrio e os abusos de poder hoje
prevalecentes, não se combatem com boçalidade, mas sim com a aplicação correcta
e oportuna dos ditames da CRM e
das demais leis avulsas.
Fonte: Jornal Notícias – 10.07.2012
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