Por
Alfredo Manhiça
O
subterfúgio que consiste em desviar a opinião pública do debate dos problemas
reais que dificultam a convivência pacífica dos moçambicanos, recorrendo à
atribuição da paternidade das reivindicações dos partidos de oposição à “mão
externa invisível” – que até bem pouco tempo era uma característica singular do
Coronel Sérgio Vieira – está a ganhar terreno no seio do partido Frelimo e dos seus exponentes académicos.
A seguir
às acusações de ingratidão pela hospitalidade e de conspiração contra a
soberania nacional, feitas ao Professor Gilles Cistac, pelo secretário para a
mobilização e propaganda e porta-voz do partido Frelimo, Damião José,
autores “anónimos”, sobejamente conhecidos, começaram a infestar as redes
sociais com mensagens que atribuem a
paternidade das reivindicações de Afonso Dhlakama e da Renamo ao
Embaixador dos Estados Unidos de América (EUA), Douglas Griffths, em conivência
com as diplomacias alemã, britânica, italiana, francesa e portuguesa.
Antecipando
a proposta de Anteprojeto de Lei sobre as Regiões (ou Províncias) Autónomas, a
ser apresentada pela Renamo na Assembleia da República (AR) – conforme o
acordado no histórico encontro entre o Presidente da República, Filipe Nyusi, e
o líder da Renamo - os propagandistas ao serviço do partido no governo,
em vez de animar o debate sobre a pertinência ou impertinência das tais reivindicações,
mostram-se preocupados em desacreditar a Renamo e Afonso Dhlakama,
apresentando-os como “cavalos de troia” dos interesses económicos dos
americanos e dos europeus.
Agindo
desde modo, revelam-se propagandistas da segunda classe. Ainda não descobriram que,
para não soar absurda, a construção duma mentira deve conter uma certa dose de
verdade. Esta propaganda nem sequer qualifica para ser considerada uma mentira
porque é absurda. Basta notar que, contrariamente aos princípios básicos da
ética política vigentes na União Europeia (UE) e nos EUA, em todos os cinco
pleitos eleitorais realizados na história da democracia moçambicana, as Missões
de Observação Eleitoral (MOE) daquelas potências ocidentais foram repetidamente
constrangidos a declarar que as eleições tinham sido justas e transparentes, e
que as irregularidades não tinham determinado o resultado final, tudo isso
porque precisavam de tutelar os próprios interesses económicos garantidos, não
pelas leis moçambicanas, mas pela continuidade da governação da Frelimo.
Julgando
a partir deste posicionamento, pode-se concluir que enquanto a prioridade da
política externa dos países ocidentais, em Moçambique (e em muitos outros
países do continente africano), continuar a priorizar o controlo privilegiado das
reservas de matéria prima para o aprovisionamento das próprias indústrias e,
tal garantia depender, não das leis mas dos acordos celebrados com a elite do
partido no poder, com as empresas controladas pela elite ou pelos membros das
suas famílias, é improvável que um
diplomata ocidental possa conceber qualquer projecto ou lobbying capaz de potenciar o capital político dos partidos da
oposição.
A UE e
os EUA precisam da Renamo e dos restantes partidos de oposição só para
garantir a regularidade da realização da farsa teatral das eleições. Mas quando
chega o momento das negociações e conjugações do capital monetário ocidental
com o capital político local, em vista das concessões e apropriações dos
jazigos de rubi, das areias pesadas, de carvão mineral ou do grande negocio de
gás natural, ou das terras aráveis, a oposição, a Renamo em particular,
e o resto dos moçambicanos, não servem para nada e nem devem ser informados de
todos os contornos dos acordos celebrados. Os únicos que servem são os vértices
do partido no poder. De facto, a expropriação de cerca de 1,5 milhões de
hectares, a cerca de 4,5 milhões de camponeses, no corredor de Nacala, feita a
favor das empresas portuguesas como o Grupo Amorim, a Rio Forte, a Miguel Pais
de Amaral, não foi concordada com a Renamo
e os parceiros beneficiários (a Mozaco,
a Agro Alfa, o Moza Banco, o Banco Único, a AgroMoz, o Corredor Agrom, etc.) são
empresas controladas, não pelos membros da Renamo,
mas pelo presidente e outros altos dirigentes do partido Frelimo, ou pelos membros das suas famílias.
O mesmo
se pode dizer do escandaloso negocio sobre EMATUM que o governo francês não precisou
da Renamo para obtê-lo e,
se se considera que esta empresa foi avalizada positivamente pelo Estado
moçambicano um crédito internacional de 850 milhões de Euros, sem sede, sem
direcção e sem infraestruturas, torna-se evidente que o único garante da dívida
contraída, quer nos EUA como na UE, é a continuidade do governo da Frelimo.
E, para
sacrificar o interesse nacional, construindo uma plataforma flutuante de gás
natural liquefeito (LNG) no Rovuma, contra a óbvia necessidade de construí-la
em terra, para favorecer a sua ligação com a economia moçambicana, o governo
italiano e o grupo petrolífera ENI não precisaram de negociar com Afonso
Dhlakama. Negociaram com o presidente do partido no poder e é a ele que, em
gesto de reconhecimento pelos "serviços" prestados, cederam parte dos
seus interesses nos novos blocos de petróleo.
O mau e
empobrecedor vício de evitar debater questões pertinentes, privilegiando os
sofismas está a tomar de assalto a nossa classe intelectual. Por conseguinte, alguns
acadêmicos e analistas políticos acabam de lançar, por exemplo, uma nova cruzada
que, ignorando as razões pelas quais o líder da Renamo percorre o País
fazendo comícios, concentram as suas atenções na mera justificação do
desdobramento dos quadros seniores da Frelimo pelas províncias, apresentando-o
como exercício do direito da liberdade de expressão, à semelhança do que faz
Afonso Dhlakama. Facto está que o périplo do líder da Renamo pelas
províncias de Centro e Norte não tem como objetivo o exercício do direito de
liberdade de expressão, é um protesto contra as irregularidades que
caraterizaram as eleições de 15 de Outubro de 2014. Por uma questão de
coerência intelectual é obrigatório partir deste dado, passando pelo encontro
realizado entre o Presidente Nyusi e o líder da Renamo, para avaliar a legitimidade ou ilegitimidade do
desdobramento dos quadros seniores da Frelimo pelas províncias, negando publicamente a “governação autónoma”, exigida
pela Renamo.
Há três
semanas atrás publiquei, neste mesmo espaço, ed. 290, de 04 de Fevereiro de
2015, um outro artigo no qual - contrariamente
à propaganda pontificada pelos dirigentes do partido Frelimo e
difundida pela imprensa controlada pelo mesmo partido - mostrava a falsidade e
a hipocrisia das acusações que se fazem pesar sobre o líder da Renamo,
Afonso Dhlakama, segundo as quais as sua reivindicações atentam contra a
Constituição da República de Moçambique e incitam a divisão do País. Observando
que as reivindicações de Dhlakama não podiam, de forma alguma, incitar a
divisão do País - porque ele foi já dividido pela desastrosa governação da Frelimo
- mostrei também que a divisão real não era entre o Sul e o Centro-Norte mas
entre os incluídos e os excluídos.
O
objetivo do presente artigo é de salientar o erro de cálculo dos
"feiticeiros", mostrando que o seu "feitiço" não só se
volta contra eles mesmos, mas também os priva da capacidade de distinguir os
amigos dos inimigos e torna-os semelhantes a dementes de armas em punho,
decididos a disparar
indiscriminadamente, atingindo, em primeiro lugar, os próprios aliados.
A
epopeia das Eleições Gerais de 15 de Outubro de 2014, que parecia ter terminado
com a atribuição da vitória (não confirmada pelos respectivos editais) ao
partido Frelimo e o seu candidato, Felipe Nyusi, na verdade ainda não
teve o seu desfecho. O fantasma de fraude eleitoral continua a atormentar o Presidente
proclamado, Felipe Nyusi, e faz com que a sua prioridade seja a conquista da legitimação
que não conseguiu obter das urnas. O vencedor real das eleições fraudulentas de
15 de Outubro não foi Nyusi. Foram todos aqueles que se desdobraram para forjar
aquela vitória, contra a vontade explícita dos eleitores. Nyusi só viria a
começar a sua batalha depois da sua tomada de posse.
Embora
no primeiro momento parecesse que o interesse dos mentores da fraude
coincidisse com os interesses de Nyusi, em breve tempo começou a manifestar-se o erro do cálculo: enquanto,
para Nyusi, é imperativo negociar com as forças de oposição (é a condição sine qua non) para legitimar-se, a
agenda dos que o colocaram na presidência da República é contrária a qualquer
tipo de entendimento com a oposição ou de reforma de administração pública; ela
privilegia o aniquilamento de todas as forças políticas de oposição e o
controlo de tipo neopatrimonial das instituições públicas, para garantir a
impune delapidação do erário público. Daí o desencontro (destinado a
agravar-se) entre os caminhos percorridos por Nyusi e os percorridos pela CP do
partido.
Tenho
impressão que o erro foi de base: os “libertadores” da nossa “pátria amada”
concentraram todas a suas energias e forças na libertação da nação e
esqueceram-se de libertarem-se, eles mesmos, do jugo colonial. De facto, a economia
colonial tinha sido pensada e estruturada em função da exploração da mão de
obra e dos recursos existentes, para o enriquecimento da metrópole. Os
libertadores de Moçambique esqueceram-se de se libertar desta lógica. Em
parceria com os mesmos europeus e americanos que hoje os acusam de incitar
Dhlakama a rebelião, adoptaram os mesmos esquemas da economia colonial, em
função do próprio enriquecimento. É
evidente, portanto, que não há nenhuma “mão externa” na questão política
moçambicana. As mesmas razões que levaram os libertadores a combater o
colonialismo português são as mesmas que levam os partidos de oposição a protestar
contra a governação da Frelimo.
Alfredo
Manhiça