Chaúque leva segredos para o túmulo
Por Raul Senda e Salane Muchanga
Sob um manto de dúvidas sobre as circunstâncias da morte, foram a enterrar, na tarde desta quarta-feira, no cemitério de Lhanguene, os restos mortais de Agostinho Chaúque, o esposo, pai, amigo generoso, chefão, mas também perigoso criminoso para a Polícia moçambicana e não só. A família desembolsou 12.500 meticais para pagar os serviços prestados para agência funerária Pfunani. A cerimónia foi normal, mas pouco concorrida.
Há muito procurado pela Polícia, Chaúque foi encontrado morto com um tiro na nuca na noite de Domingo último, numa viatura Toyota Runx abandonada na EN4, próximo ao supermercado Shoprite da cidade de Matola.
Logo pela manhã de segunda-feira, a Polícia informou à imprensa sobre o sucedido, ao mesmo tempo que reivindicava que o malogrado fora baleado por agentes seus numa troca de tiros com a sua quadrilha em frente do Jardim dos Professores, na cidade de Maputo. O tiroteio, segundo a PRM, terá sido iniciado pelo suposto grupo de criminosos de que fazia parte Chaúque, que na altura tentava arrancar uma luxuosa viatura, um Jeep Cheroquee, das mãos de um cidadão português em frente da Escola Secundária Josina Machel. Ao aperceber-se da presença de agentes de patrulha, o grupo começou a disparar. Foi nessa troca de tiros que Chaúque terá sido atingido na nuca e arrastado pelos colegas para a viatura usada na fuga.
Mas a versão familiar, ela também inacabada, indica que Chaúque terá sido morto não pela Polícia, mas por amigos revoltados. Aliás, Zaina Ossufo, a esposa, disse ao SAVANA que seu marido terá sido morto pelos “seus comparsas” num negócio mal fechado de contrabando de cigarros do Zimbabwe para a África do Sul e de bebidas alcoólicas da vizinha África do Sul para Moçambique.
O funeral
Além do pagamento dos serviços no valor de 12.500 meticais, a família do finado solicitou à mesma agência serviços de ornamentação da residência da mãe na Matola, onde continuaria a cerimónia depois dos familiares abandonarem o cemitério.
O pedido da família de ornamentar a residência não foi aceite devido à carga de trabalho da agência em causa.
Na cerimónia fúnebre de Chaúque estiveram presentes quatro esposas e meia dezena de filhos. Consta-nos que Agostinho Chaúque tinha cerca de duas dezenas de filhos.
Estiveram os irmãos, mãe, familiares, amigos e amigas que em vida terão mantido relações íntimas com o finado.
Embora disfarçada, a polícia também esteve presente em número assinalável.
A parte religiosa foi dirigida por um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, e quase que não se apresentou nenhuma mensagem fúnebre, senão um pequeno discurso de um dos irmãos.
Embora seja considerado grande bandido pela polícia, Agostinho Chaúque foi presenteado por serviços funerários acima dos que normalmente são prestados a um funeral de uma família sem muitas posses.
A urna de Agostinho Chaúque foi transportada num carro de luxo e no cemitério teve o privilégio do tapete vermelho.
Da pouca gente que esteve no funeral era notável a presença de muitas mulheres.
Soubemos que além das quatro mulheres oficialmente conhecidas, Agostinho Chaúque coleccionava um conjunto de outras mulheres em quase todos os bairros das cidades de Maputo e Matola.
Em vida, Chaúque não consumia bebidas alcoólicas, não fumava e não usava drogas. Era uma pessoa simples e nas suas cavalgadas com amigos e amigas de infância ou ocasionais não dava sinais de se tratar de um criminoso.
O grande vício que Chaúque tinha era para com as mulheres, aliás, dizem as pessoas próximas dele que o finado não tinha problema de dar dinheiro, viaturas e arrendar casas luxuosas para as suas amantes.
Nas zonas da Mafalala e Alto Maé, Chaúque era conhecido por esse seu lado bom de quase que nenhuma mulher resistia à tentação.
De tanto ser cobiçado pelas mulheres, Agostinho Chaúque foi capaz de manter uma relação amorosa com duas irmãs no Bairro da Mafalala.
Dessa relação resultou o nascimento de duas crianças. As duas irmãs, que estiveram no funeral, deram luz no mesmo mês.
No cemitério da Lhanguene conversámos com uma cidadã que se diz ser próxima da família, mas que não quis se identificar.
Contou-nos que as autoridades policiais distanciaram-se das despesas fúnebres e tudo foi por conta da família.
Soubemos ainda que a polícia só entregou o corpo à família na tarde de segunda-feira, depois de muita insistência.
Esta cidadã, que diz que admirava muito a bondade de Chaúque, referiu que a morte deste vai deixar muita gente na desgraça.
“Te garanto que muita gente que está aqui, sobretudo as moças, não vem pelos sentimentos mas, para confirmar de que se trata de Agostinho, visto que com o seu assassinato vão ficar na desgraça. São pessoas que sempre recebiam dinheiro de Chaúque”, disse.
Avançou referindo que há raparigas que já tinham abandonado as residências dos pais, nos bairros suburbanos, para ir viver no centro da cidade em apartamentos cuja renda era paga por Chaúque.
Disse que além de pagar rendas, Chaúque dava altas mesadas e viaturas de luxo.
Testemunho da esposa
De tantas mulheres que participaram no funeral de Chaúque, algumas tinham relações de intimidade com o finando. Mas a única que se identificou como esposa é Zaina Ossufo, 34 anos. Na conversa com o SAVANA, Zaina contou que a relação entre os dois iniciou em 1992. Fruto dessa relação, nasceram Mayzel, 15 anos, e Yuran, 13 anos. O primeiro frequenta a 7ª classe e o último 6ª classe.
Na altura em que “mana Zaina” – como é tratada pelos próximos, conheceu Chaúque, este trabalhava na África do Sul como montador de tijoleiras. “A nossa relação estava bem. Ele era muito carinhoso e íntimo”, lembra.
Porém, em 2005, tudo muda. “Foi nessa altura que acompanhei na imprensa que ele era acusado de vários crimes”, conta, acrescentando que, em sequência disso, Chaúque desapareceu de casa.
Nas poucas visitas que efectuava, Zaina interpelou o marido, pedindo um esclarecimento sobre as acusações que pesavam sobre si.
“Mana Zaina, nem eu sei, a Polícia está à minha procura. Mas não sei o que fiz”, lembra a resposta que teve do marido.
Ao SAVANA, a interlocutora repetiu várias vezes que não sabia que o marido era um suposto bandido. Aponta a Polícia e a imprensa como suas fontes de informação sobre a vida do marido nos últimos anos.
Detenção
Entre 2006 e 2007, Zaina ficou detida aproximadamente um ano supostamente para revelar o paradeiro do marido. Essa era a alegação da Polícia, mas do juiz Zaina soube que era acusada de tentativa de homicídio, crime que nega ter cometido. Das celas do Comando da Cidade de Maputo foi transferida para a cadeia feminina de Ndlavela. Mas não foi julgada. As razões, ela mesma ignora.
“Sofri muitas perseguições policiais e por várias vezes a minha residência foi invadida e vandalizada pelos agentes da PIC (a actual SICRIM)”, disse.
Durante o período de reclusão, acusa, a Polícia apoderou-se de alguns bens que nunca chegou a devolver. Dentre eles, Zaina sublinha a viatura de marca VW Polo.
“Quando saí da cadeia não mais voltei a ver o meu marido. Os meus filhos é que me diziam que viram o pai na rua, mas este nunca se comunicava com eles”.
Com o desaparecimento do esposo, Zaina teve que “arregaçar as mangas” e iniciou um negócio.
“Como vê, tenho em frente da casa a minha barraca. Compro roupas na África do Sul para revender em Moçambique”, contou.
Sobre as despesas do funeral, ela apontou que foram suportadas pela família e “outras mulheres”.
“Sou a primeira mulher dele. Aliás, pensei que fosse a única, mas depois da morte surgiram duas e dizem que há outras, mas não as conheço”, desabafou.
Agostinho Chaúque, o generoso!
Certamente que o criminoso Agostinho Chaúque que a Polícia moçambicana reclama ter abatido não é o mesmo miúdo que nasceu em 1972 e deu os primeiros passos em Chicualacuala, um distrito do norte da província de Gaza. O Chaúque que foi a enterrar esta quarta-feira em Lhanguene é o “chefão” da Mafalala, o bairro da capital para onde se transferiu com a mãe ainda na tenra idade.
Sem nenhuma educação formal, seu nome começa a ser associado aos crimes na década de 90. Aliás, foi naquele período que ele terá assistido à morte violenta do seu irmão mais velho, Cândido Ruben Chaúque. Os relatos indicam que Cândido teria sido linchado no bairro 25 de Junho quando tentava roubar um televisor numa residência.
Pessoas que lhe eram próximas consideram-no um homem generoso, mas algumas sublinham que sempre praticava crimes (assaltos à mão armada) sob protecção de altas patentes da Polícia.
Quem não via nenhum pendor criminoso em Chaúque é Neto Matusse, vizinho e amigo de infância. Em declarações ao SAVANA, Matusse disse que o malogrado não consumia bebidas alcoólicas, “mas gostava de pagar aos amigos”. “Era uma pessoa que aparentava não temer nada, mas não ficava muito tempo no mesmo sítio. Mesmo em casa das amantes onde pagava rendas”, anotou. Matusse lembrou que a última vez que viu Chaúque foi em inícios de 2007, poucos dias antes da morte de Mário Mandonga.
Fascinado por carros de alta cilindrada, o finado era conhecido como alguém que não poupava esforços em matar a quem quisesse atrapalhar o seu trabalho. Versões policiais apresentavam-no como “líder” de assaltos à mão armada em bancos, estabelecimentos comerciais e em viaturas.
Em 2007, Chaúque teria sido detido e mantido em prisão secreta pelo SISE (Serviços de Informação e Segurança do Estado), uma semana antes da morte de Mário Mandonga. Lembre que Mandonga morreu a 17 de Fevereiro de 2007 depois de ter sido atingido por balas disparadas pela Polícia, numa aparatosa operação travada em frente à sua residência na Matola. Mandonga era dado pela PRM como um comparsa de Chaúque.
Já nas mãos da Polícia, o finado teria se escapulido em circunstâncias até aqui não clarificadas. Desde então, as autoridades policiais não descansavam na perseguição de Chaúque, sobre quem recai a autoria material pela morte de agentes policiais afectos à Brigada Mambas.
O estilo de vida quase nómada – arrendar e abandonar residências sucessivamente, baralhava os esquemas de busca e captura que a Polícia planificava. Abortavam ainda os planos as sistemáticas fugas de informação sobre os planos de captura. Sobre isso, a Polícia queixava-se da existência de polícias que colaboravam com o então “criminoso mais procurado do momento”.
Bens
As autoridades policiais dizem que os bens do malogrado poderão reverter a favor do Estado ou ainda colocados à venda em hasta pública.
Também, conforme soubemos, uma parte dos bens poderão ser vendidos e indemnizar todos os que em sede de justiça ganharem as causas.
Até aqui, apontam-se como bens do finado, vivendas e viaturas de luxo.
Contudo, juristas ouvidos pelo SAVANA são da opinião de que os bens de Chaúque não podem reverter a favor do Estado na medida em que este já não pertence ao mundo dos vivos.
Cintando o estabelecido no número 1 do artigo 125º do Código Penal, estes referem que no procedimento criminal, as penas e as medidas de segurança acabam pela morte do criminoso.
Acrescentam referindo que não é a polícia que decide se os bens revertem ou não a favor do Estado, mas sim os tribunais. Ademais, a morte do criminoso não prejudica a acção civil pelos danos causados, segundo o estabelecido no parágrafo 1º do nº 8 do artigo 125º do Código Penal.
Para as nossas fontes, o que o Estado pode fazer é intentar, em pé de igualdade, com sujeitos ofendidos pelo finado, uma acção para a reparação dos danos provocados.
Outra questão levantada pelos nossos entrevistados é de que a Polícia não tem legitimidade para chamar Agostinho Chaúque de criminoso na medida em que nenhum tribunal já o julgou e o condenou, com sentença transitado em julgado.
Para os nossos interlocutores, Chaúque foi assassinado ainda presumivelmente inocente.
“Até porque os arguidos gozam da presunção de inocência até decisão judicial definitiva, conforme estabelece o nº 2 do artigo 59º da Constituição da República”.
Fonte: Savana - 28.05.2010