Erick Charas explode em Grande Entrevista:
“O colono apenas mudou de raça! Os colonos brancos também diziam que queriam combater a pobreza absoluta.” – Erick Charas
“É sentimento geral de que há necessidade de nos libertarmos dos nossos libertadores. Estão há muito tempo no poder e não representam a ninguém”— Erick Charas
“A Frelimo, com aqueles que a estão a liderar hoje já caducou” – Erick Charas
Maputo (Canalmoz) – Num País onde os que pensam diferente e dizem o que lhes vai na alma recebem, regra geral, adjectivos pouco simpáticos – embora alguns delirem com isso – não sabemos qual será o adjectivo que será atribuído ao entrevistado do Canalmoz – Diário Digital e Canal de Moçambique – Semanário Impresso, depois da presente entrevista. A nós cabe dizer que se chama Erick Charas, é patrão do grupo Charas, proprietário do único jornal impresso e de distribuição gratuita em Moçambique. A certa altura da entrevista diz ser membro do partido Frelimo. Diz ter ambiciosos projectos sociais destacando-se o “Casa Jovem”, na cidade de Maputo, de 120 milhões de dólares (construção de 26 prédios) que visa criar habitação para a juventude a preços bonificados.
Usámos seus projectos como pretexto para o entrevistar e acabámos por falar de assuntos polémicos como aquilo a que chamou de “necessidade de os jovens se revoltarem perante a falta de oportunidades e pobreza”.
Charas dá respostas longas e pelo meio faz perguntas ao entrevistador. Ou seja, quer ser ele o jornalista no meio da entrevista. Em certos casos tivemos que o interromper para lhe colocarmos as nossas questões. Disse durante a entrevista que “o País está a ser Governado por pessoas com ideias velhas” e, na sua opinião, “é por isso que continuamos pobres”. Disse-nos que ficou muito feliz com o que aconteceu em certos países quando viu movimentos de libertação que se achavam donos das pessoas a serem derrubados por jovens. Aliás disse que as manifestações de 01 e 02 de Setembro, em Maputo e algumas cidades do País, foram um grande aviso de que os jovens podem tomar o poder a qualquer altura e mudar a história.
“É sentimento geral de que há necessidade de nos libertarmos dos nossos libertadores. Estão há muito tempo no poder e não representam a ninguém”, disse Charas a certa altura.
Para deixar as conclusões ao critério do leitor optámos por publicar a entrevista no clássico pergunta-resposta.
Siga a entrevista que não perderá o seu tempo:
Canalmoz/ Canal de Moçambique (Canal): Quando foi criado o Jornal “A Verdade”, houve muito cepticismo em relação ao projecto, principalmente em relação ao título gratuito. Porquê um jornal gratuito? Qual é o móbil do jornal?
Erick Charas (Erick): O jornal A verdade é gratuito fundamentalmente, porque surgiu depois de ter sido feito um estudo, um plano de negócios e traçados os respectivos objectivos. Surgiu como melhor alternativa e opção para levar a informação ao povo. Depois dos estudos e pesquisas que fizemos tinha-se chegado à conclusão de que se a intenção é massificar o acesso à informação, há que tomar em consideração aquilo que o povo tem. Não estamos a falar de um grupo de privilegiados que tem capacidade. Estamos a falar da maioria que pode parecer que tem dinheiro para gastar, mas tem milhares de opções para gastar o seu dinheiro. Portanto a ideia fundamental foi observar esse respeito de direito que o povo tem de estar informado. Pensamos que a informação é um direito para nós nos constituirmos como cidadãos.
Canal: Há jornais que devido à sua génese em termos de proveniência de fundos tinham que ter a tarefa do jornal A verdade: advogar a informação junto do povo.
Erick: Olha, o jornal Notícias é considerado jornal do Estado, mas é um jornal privado. Mas os accionistas deixam muito a desejar porque tem o Banco de Moçambique. E tu vais dizer que o Banco de Moçambique é o meu banco institucional. Como é que o accionista de um jornal que é meu concorrente é o banco central? Nalgum momento a coisa não fica bem. Mas o pior de tudo é que mesmo depois disso, de sabermos que é um jornal privilegiado com fundos indirectos do Estado, e é para lá onde o Estado sem concurso manda os seus anúncios, com isso tudo, esse jornal é que tinha a obrigação de pensar todos os dias como vai chegar mais ao povo. Mas o jornal que tem a maior ligação com o Estado não pensa nisso e faz uma ninharia de cópias. Faz um esforço mínimo para replicar a sua ligação com o Estado em termos de informação e alcance.
Canal: Por falar em jornal Notícias que no nosso caso é considerado jornal do Estado embora seja de uma SARL… Primeiro pelos próprios administradores da máquina Estado e depois na esfera pública em geral, há uma percepção deturpada em relação ao anúncio e principalmente ao anúncio do Estado, publicidade do Estado. Como olha para esta questão?
Erick: (Risos) … Olha, eu vou usar uma palavra para classificar isso e eu não sei como depois vais usar. Eu acho que é um processo pornográfico. Três anos depois de estar na imprensa e é preciso ver, eu não sou jornalista, não fiz formação em jornalismo, Nunca escrevi e nunca escrevi matéria jornalística – pergunte aqui no jornal, nunca escrevi nenhum texto para o jornal – a estou agora a lutar há semanas para ver se escrevo o meu primeiro texto para o jornal (risos)… especificamente para o leitor. Então eu não sabia nada o que era isso de imprensa. A única conclusão a que eu tinha chegado é que se achava que a informação era deficitária. Repara que não estou a falar da qualidade de informação, estou a falar do alcance, onde esta informação chega. Depois de analisar chego à conclusão de que estamos num mercado que não segue nenhuma regra: implícita ou explícita. Se calhar as coisas vão mudar e começarão a mudar daqui para a frente. Mas, neste momento, o anúncio é usado como, nem diria moeda de troca, mas como uma pistola, como uma arma violenta. Tu tens um anunciante que é uma empresa de telecomunicações que usa o poder de compra do anúncio para determinar e forçar aquele meio para dizer e fazer o que eles querem. E no primeiro dia em que não fazes, ou não te pagam ou deixam de fazer o anúncio. Quer dizer, é tudo pornográfico, e não há nada que regule isso. Tu passas para as agências, que unilateralmente decidem para aonde é que vai o anúncio. Não tem nada a ver com o que lê, para quem é dirigido o anúncio, o público-alvo, ou seja conceitos básicos e fundamentais de marketing. Estou ainda a falar do sector privado. Ainda não cheguei no sector público… As pessoas que determinam isso estão a pensar em anunciar onde vão ganhar mais comissão e não necessariamente onde vai dar resultados. O anúncio é usado como uma forma de repressão. É usado para fazer exactamente aquilo que a lei de imprensa não permite fazer numa sociedade democrática. E no contexto do Estado não é diferente. O Estado usa o poder de compra que tem que é no anúncio das suas informações e concursos públicos, e se fores analisar, porque as contas não são públicas o Estado deve gastar por aí 10 milhões de dólares em anúncios, mas determinam unilateralmente onde vão gastar num único jornal. Não manda para nenhum jornal privado, e não venham dizer que não sabem. Nós neste momento falamos formalmente e informalmente com o Estado. Já se falou com o Banco de Moçambique. Há questões muito implícitas que acabas de ter as empresas privadas até forçadas a anunciar num jornal como o Notícias enquanto as empresas não querem. Mas como o accionista do Notícias é o Banco Central, qualquer banco que tem que publicar o seu relatório de contas tem, é obrigado a pôr no Notícias. Mas como estamos no país em que estamos, optam por passar por cima dos outros. Quando eu levantei estas questões, de várias formas, é sempre respondido “porque o nosso governo é fantástico e tal”, a tentarem descredibilizar o assunto. Dizem que as pessoas é que querem ganhar muito dinheiro. Que é preciso notar que a lei de procurement determina que o anúncio público deve ser feito no jornal de maior tiragem e circulação. Isso pressupõe que tem que haver uma contagem independente. Mas aí tu te perguntas tens um GABINFO, Conselho Superior de Comunicação Social para quê? Tens estes todos órgãos que são tutelados pelo Estado e que não estão nem preocupados se a informação que a gente publica na nota editorial é idónea ou não. Se estas instituições funcionassem iam permitir que as coisas também funcionassem como deve ser. Portanto, logo à partida está tudo definhado. Tu tens o dinheiro que vai para o orçamento de Estado para o procurement. Porque o dinheiro é doado e nós subscrevemos como país, as regras de transparência que apresentamos a eles são as nossas leis de como vamos gastar o dinheiro. A primeira diz que todas as compras serão por concurso público, sendo o concurso público através de anúncio no jornal de maior tiragem e circulação.
Canal: Onde o Governo busca informação sobre circulação dos jornais?
Erick: Ora, o Governo é o primeiro a falhar nisso e ninguém quer saber. O governo decide unilateralmente que o Notícias é o mais lido. Não estou a falar nem que a publicidade tinha de vir para o A Verdade ou qualquer outro jornal. O que eu pretendo é questionar aonde foram buscar esta informação, de que o Notícias é o jornal mais lido? Tu acabas por ter um jornal que pelo benefício desta desorganização e falta de cumprimento da Lei acaba por encontrar a sua sustentabilidade por garantir visibilidade àquele que o deixa comer. Então é óbvio que toda gente considera que o Notícias é o jornal do Estado, um jornal que é obrigatório existir em todas as instituições do Estado. Então vamos perguntar: o Estado subscreve o Notícias? Paga? Porque não subscreve o Canal de Moçambique, o Savana exactamente em todos os jornais. Aí vão te dizer que ah não, nós subscrevemos em alguns sítios. Mas eu te posso garantir que há sítios que subscrevem o Notícias mas são obrigados a não subscrever o Canal de Moçambique. Veja que estamos a falar simplesmente de subscrever. Já que o Estado não está a par das tiragens tinha é que subscrever todos os jornais. Se não tinham que instituir um sistema formal de contagem e auditoria em que no resto do mundo chama-se Bureaux de Auditoria de Circulação. Aí a pessoa que faz o jornal, fica valorizada, o Estado e suas instituições credibilizados.
Canal: O Jornal a Verdade não se interessava com os assuntos que constituía digamos a agenda setting do debate moçambicano, mas ultimamente virou quase que radicalmente de abordagem. Qual é a ideia?
Erick: Eu acho que é uma viragem na percepção e esta é a melhor parte. Em três anos, bem ou mal muita gente lê o jornal A Verdade mais e mais. Da mesma forma que começámos isto a pensar que havia muito cepticismo por aí fora, quando lançámos o projecto, o cepticismo era encaminhado directo a mim. Houve gente que disse que o A verdade não podia durar três meses. Esquecem-se que uma pessoa faz um plano de negócios. Se não durasse é porque o plano de negócio iria falhar, não é? É porque a gente faz coisas sérias neste país. O que acontece é que de repente tinhas muitas pessoas, particularmente aqui na cidade de Maputo que não tinha acesso a informação. Acordou, com muita sorte não choveu e sei lá quantos, ou foi trabalhar ou foi para o dumba-nengue ou foi à procura de emprego, e tinha a informação em conversa com os amigos ou passou pela zona privilegiada onde tinha um aparelho de TV. O ponto é que as pessoas não tinham acesso constante a informação. E nós temos visto regularmente, todas as semanas, as pessoas a correrem atrás do jornal. Em função disso, as pessoas que não liam estão a tornar-se elucidadas. Estão a saber mais, estão a dizer mais. E há os que viram este jornal como social e para pobres. O facto é que nós desconsideramos o pobre neste país. Há quem pense que o pobre não pensa, o pobre não tem acção, o pobre não faz. Mas se esquecem que foi o povo que nos deu a voz. Quando eu digo pobre, me refiro àquele que foi desconsiderado no contexto da informação.
A grande verdade é que o jornal é lido por aquelas pessoas que quero que leiam. Chegamos ao contexto nas redes sociais e foram esses leitores que nos seguiram e nos ligam. Em função disso fez com que as pessoas começassem a ver mais o jornal. E aí começou a vir uma questão de percepção. Se calhar no contexto na abordagem, falo especificamente dos editoriais que definem o posicionamento do jornal, mas é preciso perceber que as coisas são evolutivas. Para eu manter o jornal, é preciso escrever aquilo que o leitor quer ver e saber no jornal. O que nós fizemos por exemplo nas eleições intercalares foi mais visto, porque estamos a ser muito lidos. Mas em termos de cobertura não foi muito diferente do que fizemos nas eleições de 2009 nem nas outras eleições. Se a gente for buscar o histórico, nós fizemos o suplemento de eleições tal como havíamos feito no passado. Desta vez introduzimos coisas novas como a cobertura pelas redes sociais. Mas eu não ia dizer necessariamente que viramos para um contexto mais político. Muito pelo contrário. A admiração continua a ser pelo povo. Se o povo disser que nos quer mais agressivos nós nos tornaremos mais agressivos, porque a nossa força está no povo. Pensamos que já há jornais muito bons na praça que tratam bem os assuntos políticos.
“Os que estão no poder pensam que estão lá como direito vitalício”
Canal - O debate nacional gira agora em torno de uma alegada marginalização da juventude: pobreza versus oportunidades. Como é que olha para esta questão? A juventude moçambicana tem esperança?
Erick: (Risos) Esperança…qual é? Eu acho que é uma pergunta para a própria juventude, porque se calhar já não sou tão jovem assim. Mas no fundo eu acho… (pausa)… Não queria ser muito drástico. Mas temos que em primeiro lugar acreditar no País. Acontece que nem tudo que está a ser feito no país hoje a gente vai ter o efeito e consequência hoje. E acho que a juventude tem que estar e tem que se preocupar muito com o que vem no futuro. Isso porque não é fundamentalmente no contexto de oportunidades por aquilo que está a surgir por aí fora. Isso surge mais à frente, mas é pelas bases da construção disto hoje que virá o futuro. Estamos a falar de questões que não são tangíveis: moral, valores, ética. O pior está a ser feito hoje em função de acordos mal feitos, em função do que o Governo tem fundamentalmente no seu interesse próprio em primeiro lugar. Estou a falar das pessoas que estão no poder que levam os grandes temas como a juventude para o último ponto da agenda. A juventude está a ser sistematicamente usada como elemento de eleição.
A juventude é usada, ponto de exclamação.
Canal: Como assim?
Erick: A juventude não é parte de um plano. Eu arrisco-me a dizer que a juventude, onde está tem que ter muita esperança em si própria, porque o que está a ser feito não lhe considera muito. Não há, a nível do Governo, nenhum programa credível para a juventude. Não há um programa que seja concebido pensando que isto é para servir a nossa juventude. A juventude está cada vez mais mal formada. No tempo em que a gente andou na escola, não só a qualidade de ensino, que aliás era muito voluntária, era melhor. Eu tive professores que foram forçados a serem professores. Eram pessoas que saíam da nona classe para dar a sétima e davam com vontade e afinco como não acontece hoje. Não estou de jeito algum a desqualificar os professores. Estou a falar que na conjuntura do país que temos hoje: que vontade, que paixão, que motivação tem o professor para ensinar e construir um País, quando ele vê o que a gente vê todos os dias, aquilo que são os nossos governantes? Então é uma pergunta difícil de responder. Mas há factores que tentam levar a dizer que a juventude não pode ter esperança. A juventude tem que sempre acreditar em si: somos o futuro deste país. Mas a juventude deve deixar de pensar que há alguém que está no Governo a tomar conta dos nossos interesses. A juventude que está na escola tem que pensar que daqui a cinco ou sete anos, estas todas oportunidades que estão a aparecer nenhuma delas o vai contratar, porque a qualidade de ensino está muito má. E a culpa não é da juventude. É de quem administra o sistema de ensino. É daquele que determina aquilo de deve ser ensinado. A juventude tem que pensar assim: dizer olha: se eu não vou, o sistema não está a criar emprego para a massa juvenil. O governo sempre vai dizer que vocês são impacientes, mas yah, somos impacientes. É para esperar mais 50 anos? Em cinquenta anos uma pessoa morre. As coisas estão mais difíceis. Quando a gente senta e ouve aqueles relatórios do Banco de Moçambique, não fazemos ideia do que aquilo quer dizer. Subiu 15 porcento, baixou 15 porcento, a realidade continua a ser a mesma, tu continuas a não conseguir comprar tomate. E o preço de tomate não baixa porque vem do Botswana. Tu encontras as alfândegas que estão mais preocupadas em tirar o pouco que compraste na África do Sul de peúgas: até disso querem te tirar os direitos. E a coisa não pára por aí: no tomate, cebola, alho, querem tirar ganhos. Ao invés de ir contra os verdadeiros contrabandistas que temos tantos neste País que trazem televisores com outras coisas lá dentro…
Estas coisas que estão por detrás, a juventude não deixa passar despercebidas. Porque tu tens uma pessoa que senta e olha o mais velho a fazer, é muito provável que seja aquilo que possa vir a fazer quando um dia estiver no Governo. Em termos de esperança de pacote que está a ser montado para a juventude não é grande coisa. Agora a juventude tem que acreditar em si mesma.
A juventude tem que aprender a batalhar pelos seus direitos. É um direito seu que está em causa. A gente não pode ficar de braços cruzados porque o meu voto não vale nada e aquela gente ganha sempre. Yah concordo, mas um dia vai deixar de ganhar sempre e tu podes fazê-los perder sempre. E uma coisa é ganhar com cem porcento e outra coisa é ganhar com 99 porcento, porque aqui, pelo um falou. E a gente está a aprender isso todos os dias do poder da juventude no mundo.
No 1 e 2 de Setembro de 2010
Acima de tudo ficou escrito que nós podemos
Canal: Acontecimentos de 01 e 02 de Setembro de 2010…
Erick: Em Moçambique, por exemplo, há um grupo de gente que desqualifica, a começar pelo Presidente e os outros, o que aconteceu em 1 e 2 de Setembro de 2010 em Maputo. É completamente desqualificado. Mas aquilo aconteceu dois ou três meses antes de o fogo pegar no norte de África. Usamos aqui toda a tecnologia que o mundo usou. Pior: aqueles passos que foram usados pela máquina de repressão cá, foram os mesmos que foram usados nos países do norte de África. Então nós fomos os primeiros a explodir. Infelizmente explodimos sem vitórias. Mas eu digo que ganhou-se e muito: fomos à estrada e ficou recordado. Ficou lá escrito que as pessoas não gostam e não estão a favor da forma como o País está a ser Governado. E acima de tudo ficou escrito que nós podemos. Há quem discuta a forma etc. e tal, mas veja a Tunísia, veja o Egipto, veja tudo o que se está a passar a volta. Veja uma prestigiada revista como a Times declarar que a figura do ano foi o protestante. Tudo isso é obra da juventude. Portanto a esperança para a juventude está na nossa força. Temos que aprender a dizer não, a reclamar pelos nossos direitos e ninguém vai determinar o nosso futuro melhor do que nós.
A pessoas andam insatisfeitas com o nível de Governação que temos hoje
Canal: Há uma actualização que fez na sua página do Facebook em que dizia que era urgente que os moçambicanos se libertassem dos seus libertadores. A que libertadores se refere? E porquê? Qual seria a via, na sua opinião, para a tal libertação?
Erick: Yah. Isto é uma daquelas coisas que para já não é, e não pode ser atribuída a uma única pessoa. É uma conversa comum e é o sentimento que anda dentro de cada um que desde a independência continua a viver a mesma miséria. A maior parte das pessoas andam insatisfeitas com o nível de Governação que temos hoje. Diz isso. Diz que eu estou a ser gerido hoje pelos que já estão no Governo há trinta anos. Estávamos a falar da juventude há pouco tempo. Tu tens pessoas hoje, que são mais jovens e votam e determinam o futuro do País, que são mais novos em relação ao período em que as mesmas pessoas estão no poder e nada muda. E já falamos aqui 50 vezes que Graça Machel entrou para o Governo com 28 anos. Então nós continuamos a ser governados com ideias velhas. Não é possível quem nos Governa hoje, criar políticas e programas para aquilo que a gente tem hoje como necessidade. As regras que mandam viver de acordo com elas são antigas. Só contextualizar: tu olhas para outros lados e vês que os movimentos de libertação estão a cair. As pessoas não estão a lutar contra Governos que existem há dois ou três anos. As pessoas estão a lutar contra governos velhos com ideias velhas.
Canal: E no nosso caso qual será o móbil do protestante?
Erick: O protestante no mundo está a lutar hoje, contra duas coisas: a primeira é o sistema bancário que nos empobrece e a outra é aqueles que acham que é direito deles estar no poder. As pessoas hoje não sabem que aquele que está no poder, aquele que passa com carros de luxo e gasta como quer o Orçamento do Estado, é um representante meu. A pergunta mais interessante em termos de conversa que estava a ter muito recentemente com um jovem na flor da idade é essa. Ele virou-se e disse-me assim: mas olha lá, porque é que eu tenho de me levantar quando entra o presidente, ministro ou coisa parecida? No fundo no fundo ele é que deve vir até a mim dizer olá como estás? Porque ele trabalha para mim. Fui eu que o elegi.
Não estamos num País de reis. O nosso sistema foi constituído para dizer que aqueles que estão no poder, estão lá como direito deles. Mas não é! Aqueles que estão no poder, estão lá para fazer o melhor que podem para ternos uma vida condigna e não para eles se beneficiarem a eles próprios. E se não o fizerem é nosso direito escolher outro. Agora as falcatruas por trás não é comigo. A frase “temos que nos libertar dos nosso libertadores” quer dizer isso. A opressão colonial já foi com o colono. Acabou! Lutaram e também acabou, não podemos viver do passado. É o que vemos em Moçambique, Zimbabwe, era na Líbia, é na África do Sul. Soa todos brothers. Aqueles que lutaram contra o sistema representam exactamente o sistema contra o qual lutaram. O colono apenas mudou de raça, cor e etnia. A desconsideração pelo povo continua a mesma. O sistema colonial não trabalhava para o povo e tinha o povo como força de trabalho. Vais me dizer que o Governo hoje trabalha para o povo?
Esse partido que nos libertou…
Quem são essas pessoas hoje? É direito deles ficar no poder até morrerem?
Canal: Erick. O que os dirigentes da Frelimo representam para si como membro da Frelimo?
Erick: Até que ponto o sistema em Moçambique quer melhorar a vida povo? Veja o discurso de combate à pobreza. Qualquer sistema colonial podia dizer que também queria combater a pobreza. Portanto temos que analisar o que é hoje esse partido que nos libertou. Quem são essas pessoas hoje? É direito deles ficar no poder até morrerem? Se é que façam por escrito em forma de Lei e todos nós aceitamos. Porque olha, há países no mundo que dizem assim: este país tem Rei e quem sucede o Rei é o filho e depois vem o sobrinho e por aí em diante e ninguém discute. Então vamos dizer também que Moçambique tem donos e quem sucede os donos são os filhos dos donos e por aí fora. Mas que esteja escrito em forma de Lei (risos). Eles têm capacidade para fazer isso!? O parlamento é controlado por eles. Eles podem fazer isso. Ficamos uma espécie de Correia do Norte e a partir daí ninguém vai incomodar nenhum Governante e ficamos todos conformados sem protestos nem manifestantes. O que não podemos fazer é fingir que este País tem alicerces em conceitos democráticos. Porque não é verdade. Olha para uma coisa: tu vês o gás, o carvão a ser extraído. Existe alguma política por detrás disso para o bem comum? Não! Primeiro que tudo está o interesse pessoal desta gente.
Canal: Certa vez, um jornal o chamou ainda que de forma muito camuflada e recorrendo a recursos estilísticos de desencantado com a Frelimo? Erick Charas está desencantado com a Frelimo?
Erick: (Risos)…Para já não conheço esse jornal. Mas olha, isso depende do que é estar desencantado ou até mesmo encantado com a Frelimo. Praticamente se calhar estou a chegar a um ponto de dizer assim: a Frelimo, com aqueles que estão a liderar a ela hoje, já caducou. Precisa de novos líderes. Precisa de novo pensamento. Precisa de ser a representação do povo. É preciso ver que quando a Frelimo foi criada foi como uma representação da vontade de todo um povo de Rovuma ao Maputo, pobres e indigentes. O povo queria libertar-se de um sistema. Hoje a Frelimo representa o quê? Hoje os líderes da Frelimo representam a vontade de o povo sair da pobreza? Quando houve a guerra de libertação, os líderes da Frelimo estavam no mato. Rastejavam com o povo. O povo recebia-lhes na palhota e agradeciam. Hoje os líderes da Frelimo vão à palhota do povo com água mineral. Recusam-se a beber a água do povo. Então, desencantado não é um caso pessoal. Não é desencanto contra a Frelimo. Não. Que fique claro: eu sou membro da Frelimo e quando uma pessoa acredita em algo é em função dos seus ideais. Não estamos aqui a falar de sorvete. É em função daquilo que está escrito na constituição do partido. Agora eu pergunto: aquilo que está escrito na constituição do partido é aquilo que seus actuais líderes advogam? Não sei. Agora um jornal que vem chamar de desencantado, eu na verdade estou desencantado com muita coisa e em primeiro lugar com esse jornal que é um jornal engraxador. Eu até nem li isso. Porque no fundo um jornal não é para andar a engraxar. É para informar as pessoas.
“A nossa polícia está para lutar contra o seu povo”
Canal: Moçambique foi recentemente catalogado com uma classificação pouco simpática: quarto País mais pobre do mundo. Sente-se a viver num País pior que a Guiné Bissau?
Erick: (Risos)…Sabe duma cena? Em termos de catalogação, é um pouco como os Governantes deste País pensam. Pensam assim: ser quarto é melhor que ser último (gargalhadas). Temos feriados até dizer chega. Bebemos e engrossamo-nos até dizer chega. E no fundo no fundo enquanto nos mantemos alegres e espantamos com as nossas tristezas, pensamos que estamos muitíssimo bem. E na mesma condição viemos dizer que os cálculos foram mal feitos. Vieram dizer que não somos o quarto pior país do mundo mas o vigésimo. Mas tudo é mau. E aprendemos que mau é mau. É zero. Não há como minimizar o mau. Eu e infelizmente a maior parte do grupo que nos rodeia somos uns privilegiados, porque nos damos até o luxo de discutir qual é o nosso tipo de mau. Aposto contigo que 90 porcento da população moçambicana no nível de pobreza que vive não se dá se quer ao luxo de pensar que há pessoas que vivem pior do que eles. É a esses que tínhamos de perguntar em que nível é que estamos em termos de pobreza. Esses se calhar não terão dúvidas em te dizer que estamos no nível menos 50.
Canal: Nível menos 50, Charas?
Erick: Isso mesmo. Nível menos 50 de pobreza. Não vamos falar de quarto que até é uma classificação que os poupa.
Canal: Mas o Presidente da República esteve recentemente no parlamento e concluiu que o País está a progredir e que cada moçambicano tem contribuído para tal progresso?
Erick: Não estamos a progredir coisa nenhuma! Sabes, nós os privilegiados não temos o direito de olhar as coisas em sentido comum. Se os nossos governantes gerirem este País sem senso comum e não analisarem concretamente na base de indicadores credíveis; não olharem para a verdadeira realidade do País e chegarem à conclusão que aquele indicador não representa claramente aquela realidade, estamos a fazer zero serviço para este país. Se saíres para aí fora olhar para cada buraco, para cada pessoa sem problemas mentais e que come na lixeira, olhar para cada chapa cheio, para carrinhas transportando pessoas como animais, é nossa obrigação sermos no mínimo verdadeiros. E é preciso termos coragem e humildade suficiente para olharmos para o sofrimento das pessoas e dizer que efectivamente o País não está a crescer. Nós temos potencial para crescer. Estão a ser descobertos jazigos disto e aquilo, mas infelizmente não estamos se quer a traçar políticas claras e transparentes de como aproveitar esses recursos para acabar com a pobreza da maioria dos moçambicanos. Estamos a traçar muito bem políticas de benefício pessoal, principalmente se temos acesso às malhas do poder. E em compensação estamos a ensinar o povo a não contestar porque quando contesta mandamos a Força de Intervenção Rápida (FIR) para dar porrada ao povo. Uma polícia que luta contra o seu povo. Que crescimento é esse? Estamos a falar a verdade ou estamos a mentir? É vergonhoso estarmos num País onde as pessoas continuam a morrer por falta de medicamentos. Mas isso é um processo que passa primeiro pela declaração dos bens dos Governantes. Talvez a resposta esteja aí. Porque os seus filhos estudam fora do País? E quando ficam doentes onde são tratados? Chefe, eu estudei no ensino público deste País e na altura os filhos dos Governantes estavam aí a estudar comigo, porque os governantes daquela altura acreditavam no sistema de ensino do seu próprio país. Agora é o contrário. É vergonhoso que os filhos dos nossos governantes quando não estudam fora, estão em escolas privadas com sistema estrangeiro: estão na escola portuguesa, americana, francesa e por aí fora. Diz-me se o povo está diferente do que estava aquando da guerra?
Casa Jovem: um projecto social que ao invés de ajuda só recebe barreiras do Governo
Canal: O grupo Charas em parceria com seus aliados lançou um projecto ambicioso denominado casa “Casa Jovem” que para além de ser um negócio visa contribuir para aliviar a problemática de habitação na camada jovem. A quantas anda?
Erick: O projecto está em curso e a nos motivar cada vez mais. Aliás, a melhor notícia que tive hoje (quarta-feira antepassada), é que depois da chuva que deixou toda a capital do País alagada, a zona do Casa Jovem está brilhantemente aterrada. As nossas valas estão a drenar as águas como deve ser. Neste momento avançamos com a fundação de 15 prédios dos 26 que vamos fazer inicialmente. Está tudo em curso. Este ano prevemos começar com a entrega das casas àqueles que estão em frente. Infelizmente podia andar melhor, não sob ponto de vista de compradores ou construção. Falo necessariamente da questão do apoio. Estamos a falar de um projecto que fundamentalmente é para jovens. E que fique bem claro que aquele projecto podia ser vendido e podia ser implementado mais tarde. Eu sou o implementador do projecto no contexto do Casa Jovem em que teoricamente é para alguém. Fizemos uma parceria, no sentido de sermos contratados para desenvolver um projecto, a resposta que dei e que me faz ser convidado para várias parte do mundo e de Moçambique, é que as minhas intervenções devem ser de caris social. Eu disse que o projecto que se encaixa naquela terra, é o jovem. Há uma estrutura que detém a propriedade daquilo. Mas o que era importante dizer é para isso desenvolver e pela sua natureza o Governo tinha que estar envolvido como parte da sua responsabilidade em providenciar habitação. Numa primeira fase vamos entregar por aí 150 casas. É o que está escrito no contrato. Em prazos globais temos três anos. Mas nem tudo é em prazos globais. Tu tens pessoas que compram neste ano, têm um prazo, e as que compram no próximo ano, têm outro prazo. Mas posso te garantir uma coisa, as pessoas que entrarem para o projecto hoje, só terão as casas daqui a dois anos. Não há como. Neste momento temos acima de 400 pessoas que já compraram e estão à espera de receber as casas. E as pessoas que pagam são parte fundamental do financiamento. Na fase em que está o projecto já investimos perto de 30 milhões de dólares.
O Governo está a vender ao dobro, casas subsidiadas
Canal: Mas então qual é o investimento global?
Erick: Estamos a falar de um investimento de perto de 120 milhões de dólares. Esse investimento tem zero de privilégios do Governo. Eu já fui falar com o Primeiro-ministro, já entreguei os documentos a assessores de todos os governantes e até hoje, o projecto que é para beneficiar os jovens tem zero input do Governo. Não tem uma isenção se quer. Mas neste País isentam televisores e geleiras, centros comerciais e casas para jovens não tem sequer uma isenção. Achas que estamos num País normal mesmo? Mas nós vamos e estamos a fazer. Porque acreditamos em nós próprios.
Quais são os critérios para candidatar-se às casas? São dois. Primeiro tem que ter menos de 40 anos. A razão disso é porque eu determinei. E a ideia é ter menos de 40 anos no contexto da propriedade da casa. Em outras partes do mundo é feito assim. Eu quero que a propriedade seja de um jovem que tem menos de 40 anos. Segundo é teres capacidade de pagar. São critérios simples. E aqui está subdividido. Uma é em função do rendimento e agregado familiar a sua capacidade de endividamento nos bancos. Outra é tu sentares, como a maior parte dos nossos clientes fez e dizer: bem, quanto é que tenho de pagar em cada fase e ir trabalhar para conseguir o valor. Porque, por exemplo, o Governo está a vender ao dobro, as casas subsidiadas e porque é que eu serei o Robin Woods? E quando eu tiver casas aí vou vender a preço de mercado e neste ano tens casas Casa Jovem aí.
Canal: Consta-nos que o Casa Jovem foi exigido um estudo de impacto ambiental de primeira linha, enquanto naquela zona tem outros projectos de grande envergadura a quem não foi exigido o mesmo. O que está a acontecer?
Erick: Eu não. Vai perguntar isso ao Ministério da Acção Ambiental ou à própria ministra, o que eu posso te dizer é que não só fomos obrigados a fazer um estudo ambiental de classe A, que é o mesmo tipo de qualidade de estudo que fazem mega-projectos como a Mozal, a Vale, assim como os prazos previstos para aprovação e o seguimento do próprio estudo de impacto ambiental, nunca foram seguidos pela parte do Governo.
Canal: O que está a querer dizer?
Erick: Nós contratámos uma empresa. Contratámos a Impacto. Sem isso não teríamos licença de construção. Nos foi dito claramente. Os termos de referência do estudo de impacto ambiental que fundamentalmente a lei diz que o Estado, no caso o MICOA, tem três semanas para aprovar, levou cinco meses sem ser aprovado.
Canal: É complicado, quando o próprio Estado pontapeia a Lei…
Erick: Complicadíssimo meu caro. A pergunta que eu te faço é: o que é que um cidadão faz quando o Governo não cumpre a Lei? Vou aonde neste nosso País? Faço o quê? A ministra levou 5 meses para aprovar os termos de referência. Não estou a falar do estudo, dos custos que isto tudo implica. Veja que parte do que a gente fez em termos de drenagem resolveu o problema da zona toda, o que era tarefa do Governo. Eu estou a drenar coisas que vem das Mahotas, o que devia ser da responsabilidade do Estado. Para o bem do projecto fizemos uma vala de drenagem de 30 metros de largura (risos). Mais grave ainda veio o Conselho Municipal decretar que a estrada principal tem que ter 30 metros de largura e 5 metros de passeio, num projecto privado.
(Matias Guente / Canalmoz / Canal de Moçambique)