Passaram-se mais de quarenta anos desde o dia em que uma bomba, preparada
na Beira pelo sinistro inspector da PIDE, Casimiro Monteiro, assassinou
Eduardo Chivambo Mondlane, Presidente da FRELIMO. Muito do que descrevo já o
Presidente Chissano declarou na Assembleia da República, contudo, pareceu-me
útil, no meu exercício de memória, pôr
os pontos nos is, para ajudar o fim da especulação
com boa ou má-fé. A essência dos dados, incluindo a origem da bomba, na época,
a INTERPOL, a pedido do governo tanzaniano investigou e difundiu.
Não
se tratou de um caso único, infelizmente, o assassinato de Mondlane pelos
colonialistas. Os assassinatos de Mondlane e Amílcar Cabral respectivamente em
1969 e 1973, o ataque à República da Guiné em 1970 ocorreram durante o consulado
de Marcelo Caetano. Dificilmente se pode aceitar que o Presidente do Conselho
de Ministros ignorasse estas acções e não as houvesse caucionado antes, ou
depois. Já em 1965
a PIDE assassinara em Espanha o general
Humberto Delgado.
Casimiro
Monteiro, de origem goesa, preparou na Beira um livro armadilhado com uma
bomba, numa obra do marxista Plekhanov. Antigos colegas da PIDE de Casimiro
Monteiro, incluindo Rosa Casaco, reconheceram esta acção. Rosa Casaco afirma
ainda que este seu colega disparou, mortalmente, contra o general Delgado. Ignora-se
quem instruiu Casimiro Monteiro para preparar a armadilha contra Mondlane, se
um membro do governo central ou da colónia, se o comando das forças armadas em
Moçambique, ou da PIDE, ou se tudo se reduziu a uma conjura local com Jardim e
Cristina.
No Malawi, no consulado português em
Blantyre, dirigido por Jaime Pombeiro de Sousa, um associado de Jorge Jardim
que lá se encontrava, por acaso ou deliberadamente, Orlando Cristina, entregou
um pacote a um sacerdote belga, o padre Pollet, que missionara muitos anos em
Sofala e aí travara amizade com o padre Mateus Pinho Gwenjere. Orlando Cristina
pediu ao padre Pollet, que ia para a Tanzânia, que levasse o embrulho para a
fronteira e aí buscasse alguém da FRELIMO, para que o remetesse a Silvério
Nhungu ou a Urias Timóteo Simango em Dar-es-Salaam. Assim fez o sacerdote e,
encontrando na fronteira de Songea Samuel Rodrigues Dhlakhama, que já conhecia,
solicitou-lhe que entregasse o volume a Simango ou a Nhungu.
De
nenhum modo se pode afirmar que o padre Pollet, com quem ainda falei depois do
assassinato de Mondlane, conhecesse o conteúdo e o objectivo do embrulho. Ele
mencionou-me que Cristina lho entregara e o remetera a Samuel Rodrigues
Dhlakhama, que encontrara por acaso. Igualmente, nunca se encontraram quaisquer
dados sobre o envolvimento do cônsul Jaime Pombeiro de Sousa, que dirigia o
consulado em Blantyre. O padre Pollet disse-me que após os eventos as
circunstâncias lhe criaram suspeição, encontro no consulado português e a
entrega do embrulho por Cristina, conhecido como agente português. Ele, como
missionário na região de Sena, necessitava de estar em contacto com as
autoridades e sempre que ia a Blantyre cumprimentava o cônsul ou outro
representante do consulado. Se revoltado pela sua instrumentalização, se pela
idade ou saúde, o padre Pollet retirou-se de Moçambique.
Chegado
a Dar-es-Salaam, Samuel Rodrigues Dhlakhama telefonou a Nhungu, que lhe marcou
um encontro num quarto de hotel (não me recordo do nome), que ficava junto à
representação do MPLA em Dar-es-Salaam. Dhlakhama entregou o embrulho a Nhungu,
que estava acompanhado por Simango. Num dos dias seguintes, quando o Presidente
Mondlane estava a sair do escritório, dirigindo-se para Oyster Bay, para a casa
de Betty King onde trabalhava muitas vezes na ausência dela e do marido, o
escritor Willy Sunderland, Nhungu voltou-se para uma camarada, a Rosaria, que
estava afecta à nossa representação na capital tanzaniana e disse: Corre para o carro do Presidente e entrega-lhe este
embrulho. Esqueci-me de lho dar, Tratava-se de um volume, com a
forma de um livro, embrulhado sob a forma de vim pacote postal, com selos
soviéticos e tanzanianos, e endereçado a Mondlane. Ao abrir o pacote a
armadilha funcionou, matando instantaneamente o Presidente, a bomba
dilacerou-lhe o ventre e o tórax, segundo me narraram.
Dhlakhama,
quando transportou o embrulho, este estava dirigido a Nhungu e não se
assemelhava a um objecto chegado via correio, segundo declarou à comissão de
inquérito. A Rosaria, segundo também declarou à mesma comissão, lembra-se de
que recebeu um pacote, com a aparência de que vindo através dos correios, com
selos e carimbos, endereçado a Mondlane e que Nhungu lhe entregara para remeter
ao Presidente. Samuel Dhlakhama sempre insistiu nos seus depoimentos de que o
pacote entregue a Nhungu lhe parecia muito maior do que a dum simples livro,
ainda que volumoso. Pessoalmente, Samuel Dhlakhama e Rosaria, além de outras
pessoas, confirmaram vários destes factos e a comissão de inquérito, que eu
dirigi, constatou, por unanimidade, não haver qualquer indício que apontasse
para o facto de eles não haverem agido de boa fé ou conhecessem o conteúdo do
pacote antes do desfecho fatal, embora houvessem transmitido, depois dos
eventos, suspeitas sobre o acontecido. A comissão considerou-os livres de
qualquer suspeita e inocentes.
Simango
reconheceu os factos, embora declarasse ao CC, em Abril de 1969, que ignorava o
conteúdo do embrulho entregue a Silvério Nhungu, na sua presença, no hotel.
Lázaro
Nkavandame afirmou a amigos e correligionários em Mtwara, a 1 de Fevereiro de
1969, que havia recebido um telefonema de Simango, para estarem atentos e fazerem uma festa
quando recebessem boas notícias. Fizeram a festa a 3 de Fevereiro depois
de receberem um telefonema de Dar-es-Salaam! Quando procurado pela polícia
tanzaniana, Lázaro atravessou a fronteira e entregou-se às forças armadas
coloniais com alguns dos seus colegas, iniciando, então, uma actividade colaboracionista
com o inimigo, indicando a este onde bombardear aldeias, escolas, hospitais e
fazendo apelos à deserção através da rádio e gravações difundidas por
altifalantes nos aviões.
No
dia 3 de
Fevereiro, Samora estava em Moçambique e tomou conhecimento da tragédia pelos
noticiários da rádio tanzaniana. Marcelino acabava de chegar de Moçambique, e
não se deslocara ainda ao escritório.
Espero
que os factos, que se podem verificar, ajudem a separar o trigo do joio e
contribuam para pôr termo aos mitos de heroicidade de traidores e de satanismo
de inocentes.
Retirado do Moçambique para todos (14.08.2012)
Nota: Siga o link para ler a réplica de Barnabé Ncomo, autor do livro Uria Simango: Um homen, Uma causa