quarta-feira, julho 11, 2012

Sobre Provedor de Justiça e ética de governação (1)

Por João Baptista André Castande

Combater a arrogância e denunciar ilegalidades e arbitrariedades praticadas na Administração Pública contra as liberdades e os direitos fundamentais dos cidadãos deveriam constituir tarefas prioritárias para os governantes em especial e para todos os cidadãos em geral.

É tarefa dos governantes, precisamente porque é ao Governo que compete garantir o gozo dos direitos e liberdades dos cidadãos, de conformidade com a determinação expressa da alínea a) do número 1 do artigo 204 da Constituição da República de Moçambique (CRM).


Aos cidadãos em geral compete exercer vigilância cerrada no sentido de verificar permanentemente se os seus direitos e as suas liberdades estão a ser escrupulosamente respeitados pelo Governo, através da Administração Pública, de conformidade com o princípio fundamental consagrado no número 1 do artigo 249 da CRM, segundo o qual “A Administração Pública serve o interesse público e na sua actuação respeita os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.”

Portanto, perante a violação dos seus direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados – artigo 253 da CRM - os cidadãos não devem nunca manter-se passivos. Antes pelo contrário, devem reunir coragem suficiente para denunciar prontamente as violações ou preterições ocorridas, que amiúde resultam da ignorância, da arrogância, do abuso de poder e do arbítrio, praticados contra eles por certos dirigentes que trabalham mecanicamente, isto é, não lêem e por conseguinte mal conhecem a CRM e as demais leis vigentes relativas ao funcionamento da Administração Pública.

Em suma, denunciar a arrogância, as ilegalidades, as arbitrariedades e os abusos de poder, praticados pelos órgãos da Administração Pública, é dever e direito de todos os cidadãos, pelo que neste contexto não pode haver vacilação e muito menos medo de nada!

“Os actos ilegais praticados por funcionários e administradores públicos devem ser denunciados de forma a ser restabelecida a legalidade, seja a favor do Estado ou benefício de qualquer cidadão”, assim reza o segundo parágrafo do artigo 4 das Normas Éticas e Deontológicas Para o Funcionário Público, aprovadas pela Resolução número 10/97, de 29 de Julho, do já extinto Conselho Nacional da Função Pública.

Ora, inspirados nas acções claras de Samora, julgo que todos os dirigentes do Estado aos vários níveis deviam, nas suas intervenções públicas, prestar contas sobre a forma como nos respectivos sectores vêm sendo observados os princípios da legalidade, da justiça, da celeridade dos procedimentos administrativos, entre outros, em prol dos direitos e das liberdades fundamentais dos cidadãos governados, porquanto impõe o número 8 do artigo 39 do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (EGFAE) o dever de “prestar contas do seu trabalho, analisando-o criticamente e desenvolver a crítica e a autocrítica.”

Portanto, a excessiva aversão à crítica por alguns dos actuais dirigentes do Estado a todos os níveis territoriais não prestigia os cargos que ocupam e nem tão pouco dignifica o Estado. É bastante sintomático e deveras triste ver dirigentes que dos seus subordinados só aceitam louvores, esquecendo que nenhum ser humano consegue perfeição em tudo o que faz.

Outrossim, aos dirigentes dos órgãos do Estado incumbe o dever de “assegurar que os actos praticados pelos funcionários subordinados estejam de acordo com a lei e com os direitos e liberdades dos cidadãos”, isto nos termos da alínea j) do número 2 do artigo 41 do citado EGFAE.

Nesta ordem de ideias, foi bastante gratificante ouvir as críticas recentemente tecidas pelo Digníssimo Procurador-Geral da República, Augusto Paulino (vide semanário “MAGAZINE” de 3-7-2012), dirigidas contra procedimentos profissionais indignos e antiéticos de alguns subordinados seus. Igual sentido e impacto teve a intervenção pública do meritíssimo Juiz-Conselheiro do Conselho Constitucional, José Norberto Carrilho, que teve a rara coragem de afirmar que “há juízes sem preparação técnica nos tribunais superiores e escolhidos por critérios políticos”, segundo veiculou o jornal “O País” de 24-5-2012.

Acontece, porém, que actualmente muitos dirigentes do Estado esqueceram­-se ou fazem-se de esquecidos dos compromissos colectivamente assumidos no dia 28-10-1986, perante o corpo inerte de Samora, de que saberíamos impor o respeito da legalidade, combateríamos a arrogância, a arbitrariedade; saberíamos apontar as armas também para dentro e saberíamos neutralizar aqueles que enriquecem com a miséria dos outros.

Fonte: Jornal Notícias – 10.07.2012

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