Por Salomão Moyana(*)
Volta e meia as autoridades de Lei e Ordem são desestabilizadas, e o País fica em alvoroço porque o chefe do grupo dos assassinos do jornalista Carlos Cardoso está a evadir-se, mais uma vez, da sua residência habitual, a cadeia.
Volta e meia, polícias e outros responsáveis do Ministério do Interior são suspeitos e despromovidos, por serem acusados de cumplicidade com mais uma tentativa de evasão do criminoso mais badalado de Moçambique.
Quando a maioria do povo moçambicano recordava o quadragésimo segundo aniversário do desencadeamento da Luta Armada de Libertação Nacional, quando os moçambicanos das zonas urbanas brincavam com telemóveis enviando-se mensagens do tipo “Não importa que tenhas sido combatente da Renamo na Base de Maríngwè ou soldado dos Naparamas em Mazua, o certo é que és antigo combatente. Feliz 25 de Setembro!”, enquanto isso, Anibalzinho concluía, no Comando da PRM da Cidade de Maputo, o derrube de uma parte da parede da cela onde se encontra encarcerado e emergia no pátio do Comando, demandando o muro que, uma vez saltado, o poria na Avenida Ho Chi Min, em frente da Direcção Nacional da Migração, donde, como pessoa “livre”, viajaria para onde os seus mandantes sempre o levam, em passeatas demonstrativas da impunidade de que gozam junto da superstrutura jurídico-política do País.
Assim, ia, no último Sábado, escapar, mais uma vez, o criminoso mais bem protegido de Moçambique! Iria escapar para onde? Provavelmente, para o mesmo destino aonde se dirigia quando, há dois anos, foi interceptado no Aeroporto Internacional de Toronto, no Canadá. Tudo indica que, há dois anos, ele se dirigia ao Brasil e tudo indica que, desta feita, também o destino era Brasil, aonde, inclusivamente, consta que um membro da sua família acaba de lá voltar.
Em nosso modesto entender, o “fenómeno Anibalzinho” foi a pior vergonha do Estado moçambicano nos últimos 30 anos, a pior fragilidade da autoridade de um Estado perante o crime organizado, a demonstração clara e pública da promiscuidade entre assuntos de Estado e negócios obscuros particulares; o “fenómeno Anibalzinho” é o símbolo nacional da impunidade do crime organizado em Moçambique, e a sua persistência demonstra que os seus promotores não terminaram a sua acção, com a mudança da liderança do País a sua persistência demonstra que os mandantes de Anibalzinho ainda possuem bastante espaço de manobra, para continuarem a fazer viajar o seu pupilo por voos internacionais caros, numa arrogante ostentação do poder da sua influência junto dos órgãos de soberania nacional, o que é, simplesmente, inaceitável.
Anibalzinho não trabalha, mas come o que o povo produz; Anibalzinho não contribui com nenhuma ideia para o desenvolvimento do País, mas assassina os que têm ideias e projectos para desenvolver Moçambique; Anibalzinho fugiu duas vezes da cadeia mas, no seu regresso, ninguém lhe perguntou quem organizou e financiou as suas viagens internacionais; Anibalzinho esteve mais de quinze dias em audiência de julgamento, onde nada adiantou para o esclarecimento dos crimes de que era pronunciado; Anibalzinho, após o julgamento, terá convocado o Ministério Público para, na cela, informar que tudo o que disse no julgamento era mentira, pois os seus chefes o mandaram mentir, em troca de uma evasão prematura da cadeia e de condições de vida excelentes num país estrangeiro seguro, o que, aparentemente, não se estava a concretizar.
Tudo indica que, em reacção ao encontro Anibalzinho-Ministério Público, os mandantes acordaram sobressaltados e accionaram os seus mecanismos habituais e, eis que, no último Sábado, as promessas feitas antes do julgamento iam começar a materializar-se.
Aliás, o mais estranho, de facto, é o silêncio que envolve o Ministério Público, desde que, há meia dúzia de meses atrás, parecia ter nova energia para esclarecer o tabu.
Para nós, a questão recorrente é esta: qual é a utilidade social de Anibalzinho neste País? Que compromissos o Estado moçambicano pode ter tido com um criminoso, a ponto de as autoridades policiais e judiciais serem sempre tão brandas no seu relacionamento para com ele? Que poder têm, ou ainda têm, os criadores e promotores de Anibalzinho no seio do actual Executivo moçambicano?
É que a PRM já baleou diversos cidadãos inocentes, confundindo-os com criminosos em fuga, mas, curiosamente, nunca se enganou baleandoAnibalzinho que, efectivamente, é criminoso e já esteve em fuga e já foi apanhado pela PRM em fuga, como se ilustra deste último caso.
Quer dizer, quando não se é criminoso, o risco de se ser baleado pela PRM é maior do que quando se é Anibalzinho, indivíduo confirmado como criminoso por duas sentenças judiciais! Que caricatura de Estado de Direito é que estamos aqui a mostrar ao mundo?
Somos de opinião que o Governo de Moçambique deve posicionar-se inequívoca e claramente face ao “fenómeno Anibalzinho”, sob pena de o mesmo ser tido pela opinião pública como um fenómeno do qual o governo extrai algum dividendo, político ou económico, porque conivente. O governo deve distanciar-se e encorajar os órgãos de justiça a irem até as últimas consequências na identificação e punição dos verdadeiros patrões de Anibalzinho, acabando com este fenómeno desprestigiante para um governo democrático, de uma vez por todas.
Nós não conseguimos enxergar nenhuma utilidade social ao Senhor Anibalzinho em Moçambique. Antes, pelo contrário, a sua existência, neste País, é algo que gera uma insegurança social generalizada, e cristaliza a percepção pública de que, se ele continua arrogante e a tentar sempre fugir das celas, sem nenhumas consequências para si, é porque os seus patrões são pessoas poderosas e bastante influentes junto dos principais decisores do sistema político e judicial do País.
Essa percepção, em nosso modesto entender, apenas será afastada por uma acção judicial persistente, séria e diligente, no sentido de esclarecer publicamente os colaterais do “fenómeno Anibalzinho”, cujos dados essenciais estão na mesa e nas gavetas dos magistrados e inspectores da PIC que sempre trabalharam no processo.
É que o que nos dizem, informalmente, as fontes próximas do processo, não coincide com o que, formal e oficialmente, as mesmas fontes escrevem nos processos a serem submetidos a juízo. Deve haver uma mão invisível e estranha a comandar a consciência e acção dos nossos magistrados e investigadores criminais. É preciso parar-se com essa mão invisível e estranha, e responsabilizar as pessoas pelos seus actos. Ser magistrado é uma enorme responsabilidade, que exige, acima de tudo, coragem e seriedade no tratamento de assuntos sérios.
Não se pode deixar que se manche a imagem de um país por compromissos pessoais e falta de coragem de meia dúzia de magistrados, comprometidos com interesses estranhos à justiça. Sentimos que algo deve acontecer com urgência neste sector!
(*)Director do Zambeze