“Eleição indirecta é uma subversão à democracia”
Por Armando Nhantumbo
Académico
emprestado à política, Manuel de Araú- jo, uma das mais críticas vozes à
governação da Frelimo e à liderança do seu próprio partido, o MDM, disseca no
SAVANA sobre o recente acordo para a descentralização no país. Para o autarca
de Quelimane, eleger pessoas através de listas, para depois serem os líderes
dos partidos a escolherem, a dedo, quem deve dirigir, é aldrabar o povo. Diz
que esse é um recuo nas conquistas democráticas que os moçambicanos não devem
aceitar, sob pena de estarem a trair aqueles que deram o seu sangue e vidas
pela democracia em Moçambique. Igual a si mesmo, Araújo volta a tecer pesadas
críticas contra a liderança do seu partido. Esforça-se em não mencionar o nome
do presidente, mas diz que há pessoas no MDM que gostariam que o partido fosse
um regulado, pessoas conservadoras que são avessas à democracia e ao debate
interno, numa clara alusão a Daviz Simango, até que, a dado passo, dispara: “o
grande problema em África é que quem está no poder não gosta de ser
fiscalizado”. Não tem a mínima dúvida de que a derrota nas intercalares de
Nampula é o preço que, mais uma vez, o MDM pagou pela sua arrogância e
acrescenta que, se a liderança do partido soubesse ouvir, Mahamudo Amurane, o
edil assassinado a 4 de Outubro de 2017 em meio a desinteligências com o MDM,
estaria vivo até hoje. Mais recados na entrevista que se segue no clássico
pergunta/resposta.
Qual é o seu parecer sobre o pacote de
descentralização resultante das conversações entre o presidente da República e
o presidente da Renamo?
Em primeiro
lugar, nós moçambicanos temos de saudar este acordo e a postura do presidente
da Renamo e do presidente Nyusi por terem chegado a um acordo porque podiam não
ter chegado. Agora, quanto ao conteúdo do acordo, há pontos de avanço e de
retrocesso.
Quais são esses pontos?
Por exemplo,
a eleição dos governadores provinciais é um avanço, apesar da modalidade não
ser a melhor porque, da mesma maneira que o presidente da República e do
município são eleitos por voto directo, não faz sentido que o governador seja
indicado pela bancada maioritária. É assim, há várias matrizes políticas, se
nós queremos um sistema parlamentarista ou presidencialista, temos de ser
claros e vamos colocar a nossa Constituição da República de acordo com esse
sistema e não tentar fazer um arranjo, um casamento de dois sistemas, o que nos
pode trazer graves problemas no futuro em termos de gestão ou de implementação
prática.
Está a opor-se à eleição indirecta, pois
não!
É que eleger
pessoas, via lista, que tu nem sabes quem são, para depois chegar alguém dizer,
por exemplo, que “eu vou escolher o último da lista para ser o presidente do
município”, é aldrabar o povo. É uma subversão do propósito do legislador
porque a ideia da legislação é descentralizar e descentralizar significa
devolver o poder ao dono original que, em democracia, é o povo. Mas o
presidente da República e o presidente da Renamo dizem que foi o acordo
possível. Eu concordo porque o presidente da Renamo está no mato. Nós estamos
aqui a conversar, com ar condicionado, mas ele está na floresta, com todos os
riscos de ser picado por uma cobra, ser engolido por um leão ou receber um tiro
e, nessa condição, é extremamente difícil negociar.
A Frelimo está a ser um partido
retrógrado
Afonso
Dhlakama explica que a Renamo sempre defendeu voto directo para governadores,
administradores e presidentes de municí- pios, mas a Frelimo bateu com o pé,
insistindo nas eleições indirectas.
Cabe ao
presidente Nyusi e à Frelimo explicarem ao povo moçambicano por que eles não
querem que os edis sejam eleitos directamente. Porquê a Frelimo não confia no
povo? O presidente da Renamo já fez a sua parte, ao trazer estes consensos e
esta parte positiva dos governadores. Agora, cabe a nós, sociedade civil e
outros partidos, parlamentares ou extra-parlamentares, aos universitários e até
a vocês jornalistas, levarmos esta luta donde o líder da Renamo conseguiu levar
e avançarmos até aquilo que queremos. Por exemplo, existe a questão do
referendo. O número 5 do Artigo 136 da Constituição da República de Moçambique
diz que o referendo não pode ser feito num ano eleitoral, então, a partir de
Abril deste ano, altura que se pensa que o presidente determine a data das
próximas eleições, materialmente, já não é possível haver referendo, mas a
eleição do presidente do município é uma questão que deve ir a referendo, e não
acho que o presidente da Renamo tenha de defender aqueles pontos do acordo com
que ele não concorda, ele tem de defender são os pontos do acordo que são
originais da sua parte e o que a Renamo colocou na mesa, em termos de
descentralização, é aquilo que a sociedade civil e o povo moçambicano querem e
é aquilo que representaria aprofundamento da democracia em Moçambique. Estamos
a ver que, se colocarmos na balança a Renamo e a Frelimo, o partido com
perspectivas de evolução democrata é a Renamo. A Frelimo está a ser um partido
retrógrado, no sentido de que quertirar os direitos adquiridos ao povo
moçambicano, ao propor, propor não, eu corrijo, ao impor dois passos atrás, que
é a retirada ao povo do direito que tinha de eleger o seu pró- prio líder ao
nível local. Este é um recuo democrático e não devemos permitir, e se
necessário, vamos marchar e fazer manifestações para que a democracia se
mantenha.
Este é um acordo que, a passar nos actuais
moldes, irá penalizar candidatos como Manuel de Araújo, que tinham como seu
maior trunfo o seu próprio capital político e não, necessariamente, o seu
partido. Ou não? Eu não me quero ver como vítima ou ganhador porque o povo
moçambicano é que deve ganhar.
O problema
para mim não é do Araújo, o problema é um direito adquirido. Eu posso não
concorrer nas próximas eleições, a minha vida continua, tenho formação
suficiente para ter emprego em qualquer parte do mundo. O problema está num
direito fundamental estatuído na Constituição que está a ser retirado ao povo
moçambicano, foi um ganho que nós tivemos e, para termos esse ganho, morreram
pessoas e nós não podemos trair esses jovens que foram ao mato durante 16 anos
para termos democracia. Houve jovens que sacrificaram suas vidas, sua juventude
e morreram sem ter o privilégio que nós temos hoje de estar aqui a conversar,
acreditaram numa causa e lutaram por ela, outros estão mutilados hoje e nem
tomamos conta deles. Por isso que digo que o presidente da Renamo já fez a sua
parte e é triste que, neste país, para termos democracia, alguém teve de ir ao
mato, senão o senhor não estaria aqui a falar comigo nem estaria a trabalhar
num Jornal independente, foi graças à luta que este senhor que estamos a
condenar hoje fez no mato. E para conseguirmos o reconhecimento da figura de
líder da oposição, foi preciso que alguém voltasse ao mato, agora para termos
governadores eleitos, alguém teve de ir ao mato. Eu acho que alguma coisa está
errada neste país, em que todos os ganhos democráticos pressupõem a ida de
alguém ao mato. É o momento de o país parar e reflectir, temos de ter
mecanismos na nossa Constituição que nos permitam fazer mudanças e darmos
passos qualitativos sem termos de ir ao mato porque senão eu também vou começar
a preparar o meu filho para ser guerrilheiro para poder manter os direitos
democráticos que conquistamos e acho que a lógica não deve ser essa.
Esta é uma descentralização política que
não é acompanhada pela descentralização de recursos. Esse modelo é sustentável?
Eu não
concordo que a parte financeira fique com o secretário de Estado, aliás, acho
desnecessária a existência de secretário de Estado. Nos Estados Unidos há
eleição de governador, mas não há secretário de Estado lá. Donde é que vem esta
ideia de que aquele que foi eleito pelo povo não defende o Estado, que me
parece ser esse o conceito da Frelimo?
E mais,
porquê precisamos de um secretário de Estado se já temos secretário Permanente?
Afinal, qual é a função de secretário permanente? Esse é que é o problema, há
um erro conceptual e eu compreendo que o presidente Nyusi não entenda porque
ele é engenheiro, mas os assessores dele deveriam tê-lo explicado que a
soberania reside no povo.
Não será essa figura de secretário de
Estado uma força de bloqueio ao governador, sobretudo, nas províncias onde,
eventualmente, a oposição ganhe?
É um
bloqueio por baixo, através do secretário Permanente e um bloqueio por cima, pelo
secretário de Estado, e o governador fica no meio sem poder se movimentar. Se o
nosso país é pobre, porquê vamos multiplicar postos, tachos?
O PR já depositou o acordo no Parlamento.
Qual deve ser o papel da Assembleia da República face às lacunas do pacote?
Eu fui
deputado e sei qual é a função do deputado. A história de que o deputado não
pode discutir é subverter a democracia porque ele foi eleito para discutir leis
e emendas à Constituição. O deputado tem o dever e o direito de discutir e
melhorar qualquer proposta, venha donde vier. Os deputados têm de melhorar esta
lei. Se não discutirem e se coarctarem de o fazer, estarão a trair o povo
moçambicano.
Com todo o respeito mas, em matérias deste
género, o Parlamento moçambicano não nos habituou a debates e melhorias,
habituou-nos mas é aprovar ou chumbar as propostas consoante as conveniências
políticas, uma espécie de um notá- rio onde se dá ou não autenticidade aos
documentos.
Foi por isso
que não concorri mais para o Parlamento porque, infelizmente, fiquei
decepcionado porque não era o que esperava, que era um Parlamento democrático
onde se discutissem ideias. Mas infelizmente neste Parlamento não se discutem
ideias. Mas havendo vontade, é possível que este assunto seja discutido e
espero que aqueles que eu elegi para estarem no Parlamento vão discutir, senão
vou estar muito decepcionado com eles. Tem de se discutir e se melhorar este
pacote porque tem lacunas.
Na hipótese de passar com essas lacunas,
quem serão os seus maiores beneficiários?
Eu não diria
a quem mais beneficia, prefiro ver no ângulo de que prejudica ao povo
moçambicano e a democracia, esses são os maiores perdedores.
Como é que olha o futuro do MDM neste novo
figurino?
O futuro do
MDM depende dos membros e da liderança do partido. A liderança do MDM deve tomar
medidas sérias e estratégicas e tem de mudar o seu modus pensante e modus
operandi porque, caso contrário, vai ser muito difícil manter os ganhos ou
melhorar os ganhos que já teve. Já era um desafio, mas já é um desafio
acrescido.
A
que se refere?
A questão da
imperiosidade do debate interno da democracia interna.
Há sectores que argumentam que, apesar de
tudo, o MDM passa a ter um papel decisivo para a formação das maiorias nas
Assembleias. Como
é que vê esse debate sobre as coligações?
Se esta
proposta estivesse em vigor, o candidato da Renamo, [nas intercalares] em
Nampula, negociando com o MDM, já poderia ser presidente. Não tínhamos que ir
para a segunda volta. Portanto, o MDM teria este papel de charneira, de quem
decide, então, o seu papel está lá, reservado e até pode sair reforçado, mas
depende da liderança do partido, nomeadamente, como é que o partido sabe jogar,
ler e interpretar as situações.
Mahamudo Amurane estaria vivo
Falemos das eleições intercalares de
Nampula, em que o MDM foi o grande derrotado. Acha que o partido pagou pela
forma desastrosa como geriu o caso Amurane?
Não tenho
dúvidas quanto a isso. Desde logo eu distanciei-me da estratégia que a
liderança do partido estava a adoptar, na altura, e está claro que o MDM pagou
a factura e a liderança do partido tem de reconhecer que geriu mal o dossier
para poder corrigir porque se uma pessoa não reconhece o erro que cometeu,
dificilmente, vai corrigir. Reconhecer o erro faz parte do processo de
crescimento e é reconhecendo o erro que as pessoas podem avançar, caso
contrário, vai ser um desastre.
Entretanto, o partido diz que foi tudo,
minuciosamente, preparado para prejudicá-lo
Também não
há dúvidas. Eu conheço muito bem o Felisberto Naife, que é director do STAE,
mas digo com todo o respeito que o STAE pecou e cometeu vários erros, de
propósito, para prejudicar também o candidato do MDM, mas o MDM não perdeu por
causa disso, perdeu por si pró- prio, pelos erros que cometeu da forma como
geriu o dossier Amurane.
Numa entrevista ao SAVANA, logo depois das
eleições de 2014, em que o MDM também saiu de mãos a abanar, dizia que o
partido devia assumir as suas culpas, porque ficou arrogante e o povo penalizou
essa arrogância. Podemos dizer que a história repetiu-se em Nampula e que o partido
não deixou de ser arrogante?
A história
repetiu-se e se nós tivéssemos sido menos arrogantes e se tivessem ouvido o
nosso conselho, nem teríamos eleições intercalares em Nampula e Mahamudo
Amurane estaria vivo e, portanto, teríamos evitado este cenário todo, mas há
pessoas que não sabem ouvir e quando as pessoas não sabem ouvir, depois há uma
factura.
Agora,
depois não podem negar essa factura porque toda a decisão que um Homem toma na
vida tem um preço.
Quem são essas pessoas que não sabem ouvir
num partido que se diz democrático?
Bom, o senhor
jornalista não é burro, sabe a quem me estou a referir.
Por falar
das intercalares de Nampula, foi bastante criticado por mobilizar equipamento
de Quelimane para fazer limpeza no município de Nampula em plena campanha
eleitoral. Na altura justificou-se em como não podia deixar um município irmão
debaixo da imundície, mas a questão é…
É, assim, eu sou cristão… Mas a pergunta é
porquê essa ajuda tinha de ser, justamente, em plena campanha eleitoral, se os
problemas de lixo já se arrastavam há bastante tempo, desde o assassinato de
Mahamudo Amurane?
Eu recebi
uma carta do presidente interino do município de Nampula a pedir equipamento e
não podia tomar uma decisão de um dia para o outro, mas quando fui à Nampula,
vi a situação, havia cinco ruas com mais de três quilómetros de lixo de um
metro de altura, eu não acreditei. E quando estava em Nampula começou a chover,
aquilo era uma receita para a eclosão da cólera. Eu não tinha outra solução,
tendo recebido um pedido e tendo visto a situação.
O MDM está refém
de pessoas que não pensam.
Como é que viu as mexidas na delegação
política de Nampula, imediatamente, a seguir ao descalabro que foram
intercalares para o MDM?
Só pecaram
por terem sido tardias. Aquelas mexidas deviam ter acontecido há muito tempo. Aliás,
as mexidas não são só aquele nível, tem de haver mexidas ao nível do
Secretariado Nacional porque é inoperante, tem de haver mexidas ao nível da
Comissão Política porque não está a conseguir andar à velocidade do país. E o
partido está refém porque tem uma Comissão Política inoperante, que não pensa,
que não reage e não se pode ter a Comissão Política de um partido que não
pensa, não pode, resultado é aquilo que aconteceu. A Comissão Política devia
ter se antecipado a esses conflitos todos. Tem de haver uma nova Comissão
Política, um novo Secretariado e um novo secretário-geral do partido, uma
pessoa que corre, que anda, que pensa.
O que proíbe essas pessoas, dentre elas
académicos, de pensarem?
O que proíbe
as pessoas de pensar é algo de que me tenho batido desde o primeiro Congresso.
No primeiro Congresso, fui a pessoa que disse, na Beira, que a Comissão
Política tem de ser eleita e não nomeada e a única pessoa que me apoiou foi o
senhor Armando Cuna. Todo o Congresso não me apoiou, claro que a democracia é o
poder da maioria, mas costuma-se dizer que nem sempre a maioria está certa e,
neste caso, provou-se que a maioria está errada porque quando tu não eleges a
Comissão Política, tu subordinas o órgão à pessoa que nomeia [que é o
presidente do partido], logo, os membros da Comissão Política têm medo de dizer
a sua verdadeira opinião, senão vão ser retirados, como houve pessoas que
deixaram de ser membros da Comissão Política porque disseram a verdade. Então,
não pode, é preciso libertar a Comissão Política para poder pensar de forma
independente, mas se não pensa de forma independente, então, vais ter um
regulado. Ora, não se pode ter um regulado dentro de um partido.
Há regulado no MDM?
Bom, se não
percebeu a lógica do meu pensamento, posso falar de novo.
Numa entrevista ao SAVANA, nas vésperas do
II Congresso do MDM, ano passado, dizia que se o partido não saísse mais
democratizado da magna reunião de Nampula seria uma frustração para si, para os
membros e para o povo moçambicano que tem esperança no MDM. Como é que foi o Congresso de Nampula?
Eu dividiria
o Congresso em duas partes. Os primeiros dois dias foram os mais democráticos
que eu vi, mas quando chegou a altura das eleições, foram os dias mais
ditatoriais que eu vi. A minha candidatura foi combatida pela direcção do
partido, mas mesmo assim nós conseguimos pôr os nossos pontos de vista, mas não
foram bem recebidos pela direcção do partido. Apresentei de novo, neste II
Congresso, que a Comissão Política deveria ser eleita e não nomeada pelo presidente.
É verdade que a minha posição não passou, e respeito o poder da maioria, mas
continuo a dizer que a maioria está errada e um dia vão me dar razão. Se for a
ver até hoje, o MDM não tem Comissão Política, não tem Secretariado desde o fim
do Congresso porque os órgãos cessam no Congresso e não foram nomeadas novas
pessoas, portanto, neste momento, o presidente Daviz acumula tudo, é presidente
do partido, é Comissão Política e é Secretariado até à realização do próximo
Conselho Nacional.
Isso não é incoerente com os princípios de
um MDM mais democrático que, supostamente, defende a descentralização?
Daí a nossa
luta. É por isso que lutamos por uma maior democratização interna do partido.
Está a ser fácil essa luta que já vai
longa?
Não é fácil
e quando eu entrei nessa luta sabia que não seria fácil, mas vamos lutar até ao
fim para uma maior democratização dentro do partido e uma maior democratização
para o país.
Disse que a sua candidatura à presidência
de mesa do Conselho Nacional foi combatida pela direcção do partido. Qual era a
sua motivação e porquê diz que foi combatido?
Democracia é
a possibilidade de nós apresentarmos a nossa maneira de pensar e havia um grupo
de pessoas, na sua maioria da liderança do partido, que não concordavam com a
minha candidatura, o que democraticamente é aceitável. A minha motivação
fundava-se na necessidade duma maior democratização porque o Conselho Nacional
é um órgão vital para um partido. Se o anterior Conselho Nacional estivesse a
funcionar, nós não teríamos o caso Amurane, não teríamos eleições intercalares
em Nampula e o MDM hoje estaria muito bem, quer na Assembleia da República,
quer no país, pois teríamos tido mais Municípios e mais deputados na
Assembleia, mas a inoperância do Conselho Nacional, para mim, é a chave dos
insucessos relativo do MDM.
Há correntes
que dizem que a eleição de Manuel de Araújo para a presidência da mesa do
Conselho Nacional não era do interesse da presidência do partido devido à sua
frontalidade na abordagem dos assuntos internos do MDM. Comentários?
Há correntes que dizem que a eleição de
Manuel de Araújo para a presidência da mesa do Conselho Nacional não era do
interesse da presidência do partido devido à sua frontalidade na abordagem dos
assuntos internos do MDM. Comentários?
O grande
problema em África é que quem está no poder não gosta de ser fiscalizado. Essa
é uma doença que existe, mesmo em Moçambique, é o tal regulado porque ninguém
fiscaliza o régulo. O conceito de poder que nós temos é um poder de régulo.
Quer dizer
que também não gosta de ser fiscalizado enquanto edil de Quelimane?
Eu sou uma
das poucas excepções à regra.
No seu discurso inaugural do II Congresso,
o presidente do partido disse que a família MDM não pode tolerar predadores.
Não se sentiu tocado pelo discurso, já que parecia um recado para os críticos
de dentro?
Não, nunca
fui predador e nunca me vi como predador, então, esse discurso, com certeza,
não era para mim.
Aliado a esse discurso do presidente do
partido, há quadros seniores do MDM como o deputado e porta-voz da bancada
parlamentar do MDM, na Assembleia da República, que defendem que o partido
devia apertar cada vez mais a questão da disciplina interna, alegadamente,
porque falar da vida do partido fora dos órgãos é indisciplina que deve ser,
exemplarmente, punida. Como classifica esse tipo de discursos?
O primeiro a
ser disciplinado deveria ser esse porta-voz. Sabe, um partido tem de ter uma
ala crítica porque, caso contrário, deixa de ser um partido e passa a ser um
regulado e eu sou contra partidos que são regulados.
É citado pelo Magazine Independente a dizer
que há duas alas no MDM. Quer
aprofundar sobre isso?
Há uma ala
conservadora e outra modernizadora. Mas em democracia é assim porque se não há
ideias divergentes então não é democracia. A ala conservadora é aquela que, por
exemplo, não quer que os membros da Comissão Política, o secretário-geral, os
delegados provinciais, distritais e municipais sejam eleitos, que é,
justamente, o que defende a ala modernizadora. Há essas duas alas e isso
reflectiu-se lá no Congresso, é verdade que a modernizadora não conseguiu
vencer, mas é um processo. Como disse, no primeiro, éramos duas pessoas que
defendíamos esses princípios, mas já no II Congresso, quase a metade e, se não
fosse por medo, muito mais pessoas já defendem esta ala, mas democracia como
disse é respeitar o voto da maioria. No terceiro congresso voltarei à carga, se
estiver vivo.
A última pergunta tem que ver com o pacote
de descentralização e, propositadamente, deixamo-la para o fim. Até que ponto é
que a eleição indirecta pode vir a silenciar vozes críticas, nos partidos, como
Manuel de Araújo, que passam a necessitar da confiança dos líderes partidários
para ascender à presidência, seja do município, distrito ou província.
Qualquer
líder de qualquer partido gostaria de ser ele a indicar todos. Seja da Frelimo,
do MDM, aliás, no MDM houve um debate e uma ala que prefere este modelo, mas
essas pessoas não têm coragem de sair à rua vir dizer. Nós conhecemos essas
pessoas porque estivemos no debate interno e elas sabem que nós as conhecemos e
a ideia delas era que fosse o partido a indicar os edis porque aí eles podiam
indicar marionetes. Ora, democracia não se compadece com marionetes. A
democracia não é para marionetes, é para o exercício do poder em nome do
soberano, que é o povo.
In SAVANA (16.02.2018)