“ A Frelimo vai mandar golpear qualquer governo eleito no ano em que perder eleições”, alerta Afonso Dhlakama, que pede uma reflexão profunda em torno deste assunto.
Volvidos 18 anos após a assinatura do acordo geral de paz, o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, um dos signatários do mesmo, disse, em entrevista à nossa reportagem, que a paz trouxe benefícios imensuráveis para a pátria e para o povo moçambicano. No entanto, diz que a partidarização do exército por parte da Frelimo, em violação ao acordo assinado em Roma, que previa a criação de um exército nacional apartidário, a paz moçambicana está ameaçada. Por outro lado, refere que no dia em que o partido Frelimo perder eleições, vai mandar os seus comandos promovidos por confiança política golpearem o governo que tiver sido eleito. Acompanhe a entrevista.
O país está em festa. celebra-se, hoje, o dia 04 de Outubro. Que significado tem esta data para si, particularmente, e para o povo moçambicano?
04 de Outubro é o dia da democracia. Muitos dizem que é o dia da paz, mas, para nós, é o dia da democracia, porque é o dia em que o governo moçambicano, representado pelo Presidente Joaquim Chissano, e a Renamo, por mim representada, assinámos o acordo geral da Paz que pôs fim a uma guerra que lutava pela democracia. O 04 de Outubro significa, também, o reencontro de famílias que estavam separadas durante 16 anos. Significa uma mudança de regime para o multipartidarismo. Por isso, 04 de Outubro é tudo para a vida dos moçambicanos.
Nestes dezoito anos, qual a retrospectiva que faz? Sente que valeu a pena assinar o acordo?
Apesar de tudo, eu penso que sim, sobretudo no calar das armas. já não há disparos directos entre a Frelimo e a Renamo, embora a paz íntima, o sofrimento, a pobreza, a falta de justiça, de liberdades, de desenvolvimento, de emprego ainda se façam sentir no país. Os moçambicanos sentem que a paz íntima, verdadeira, ainda não chegou, embora a paz do calar das armas entre a Renamo e Frelimo seja uma realidade. A outra coisa que é verdade é que a paz trouxe investimentos. não existiam investimentos naquela altura, porque a economia era estatal; era a própria Frelimo a fazer tudo. Com a paz, apesar da má governação, corrupção, já existem investimentos estrangeiros no país. Valeu a pena!
Há algum segredo em torno do acordo que não foi revelado?
Por aquilo que eu saiba, não estou a ver nada. Eu é que assinei o acordo. é claro que cada lado tinha o seu grupo de negociações, os quais recebiam ordens dos seus chefes - o da Renamo de mim e o da Frelimo do ex-presidente Joaquim Chissano. Durante as negociações, verificados todos os protocolos, compromissos que os lados tinham que aceitar para o fim da guerra, chegámos à conclusão de que devíamos assinar. Não houve negociações ou acordos secretos que não foram revelados.
As contrapartidas foram todas cumpridas?
Nem todas. A Frelimo está a violar muita coisa. A paz existe em Moçambique porque eu sou paciente e não quero voltar atrás no meu compromisso, apesar da Frelimo não respeitar muitos pontos do acordo.
Como, por exemplo...
Quando assinámos o acordo geral de Paz, acordámos que devia formar-se um exército nacional de trinta mil homens: quinze mil da Renamo e igual número da Frelimo. Só que, depois do acordo, a Frelimo começou a recuar, dizendo que não tinha dinheiro para formar um exército de trinta mil homens, e formou-se um exército muito pequeno. mesmo esse, muito pequeno, passando alguns anos, a Frelimo começou a desmobilizar e retirar os quadros superiores que vinham da Renamo, inclusive majores-generais, tenentes, coronéis e praças foram desmobilizados. Os poucos, oriundos da Renamo, que ficaram passam como moleques dos comandos que vieram do lado da Frelimo. Exceptuado um e outro, os restantes estão como trabalhadores dos comandantes vindos da Frelimo, e não sabem sequer o que se passa no exército.
Por que isso acontece?
É má-fé da Frelimo; é aquilo que tenho dito: a Frelimo não respeita a democracia, não respeita o Dhlakama; diz que Dhlakama não é nada. Como é que hoje não sou nada, eu que assinei o acordo geral de Paz, numa guerra em que a Frelimo já tinha perdido; eu, Dhlakama, que posso parar o país em cinco minutos, como não sou nada? estão a abusar da minha paciência.
Para além do exército, há algum outro ponto do acordo que não está a ser cumprido?
Há mais coisas. Mas esta situação do exército é extremamente perigosa, é a parte em que todos temos que nos concentrar para corrigir. As guerras em África, os conflitos, os golpes, são feitos pelos exércitos. Quando o exército é influenciado pelo partido no poder, quando esse partido, por alguma razão, deve abandonar o poder, automaticamente ordena os seus comandos a atacarem o governo eleito democraticamente. Em África, há golpes porque os exércitos não são profissionais, são apartidários. É isso que a Frelimo está a fazer. Hoje, no exército moçambicano, para se ser comandante, é preciso ser da Frelimo. Este partido está a destruir as bases da democracia e da consolidação da paz. Neste momento, a grande ameaça à paz é esta situação do exército. No dia em que tiver que sair do poder, a Frelimo vai mandar golpear. Isso é perigoso para o futuro de Moçambique. Esta não pode ser vista como preocupação de Dhlakama. temos que pensar todos nós que tipo de exército o país terá daqui a trinta anos. temos que pensar no futuro deste país. A Polícia de Intervenção rápida é outra coisa que a Frelimo criou violando o acordo geral de Paz.
Há quem diga que a Renamo, inicialmente, foi um movimento de banditismo que, sob comando de alguns portugueses descontentes com a independência, entre outras entidades, era financiada para desestabilizar a recém-nascida pátria moçambicana, e que esse discurso de luta pela democracia foi um arranjo de percurso para justificar a luta na mesa de negociações. O que tem a dizer sobre isso?
Há acreditar assim. Seria acreditar que Nyerere criou a Frelimo para desestabilizar os portugueses. Não foram os portugueses que obrigaram a Frelimo a negar a democracia, depois da Independência; não foram os portugueses que obrigaram a Frelimo a criar a pena de morte. Todos os governos justificam as lutas dos seus povos como orientações externas. Se a nossa causa de luta não fosse aceite pelo povo moçambicano, não teríamos ganho a guerra.
Ganharam?
Sim. quando um governo negoceia depois de travar uma grande luta, significa que perdeu. Se o povo não aceitasse, seria o próprio povo que teria acabado com a Renamo. quem fez a guerra da Renamo foi o povo. não veio zimbabweano, não veio tanzaniano nem português lutar, foi o povo moçambicano que lutou pela democracia. O resto é invenção.
Quando se fala do Acordo Geral de Paz, há figuras incontornáveis. Refiro-me ao presidente Armando Guebuza e Raul Domingos. Quais foram as razões do seu afastamento da Renamo?
Acho que está a fugir do tema da entrevista. Eu não tenho nada que dizer... Raul saiu da Renamo em 1999; já criou o seu partido e perdeu eleições duas vezes. não será hoje que vou justificar por que ele saiu da Renamo. Não vamos perder tempo a falar do Raul.
Mas ele fez revelações recentes em torno da sua saída.
Meu amigo, eu já disse que não quero trocar mensagens através do seu jornal com Raul Domingos. eu sou um líder, falo de assuntos de líderes, não falo de coisas pequenas. Não quero falar de Raul Domingos, e não insista. Vamos falar do 04 de Outubro.
Depois do acordo Geral de Paz, como foi o seu relacionamento com o presidente Chissano, e como tem sido com Guebuza?
É diferente. Porque com o ex-Presidente Chissano, não porque foi meu amigo, mas é compreensível, é a pessoa que assinou e implementou o acordo comigo. Nos primeiros anos do acordo, sempre nos encontrávamos no seu gabinete de trabalho, para endireitaremos muita confusão. O carácter dele ajudou muito para manter a paz em Moçambique, porque havia muita confusão e resolvíamos. Não estou contra Armando Guebuza, mas não estou em contacto com Guebuza desde 2004. Pior neste segundo mandato, que nem sequer o reconheço como presidente.
Os dezoito anos da assinatura do acordo geral de Paz assinalam-se numa altura em que está há um ano aqui em Nampula, longe da família, aparentemente isolado, nem sequer sai de casa. O que se passa?
Estou a trabalhar. Estrategicamente, decide vir ficar aqui em Nampula, porque desde a assinatura do acordo geral de Paz sempre fiquei em Maputo. agora, decidi ficar aqui, para estar perto do meu eleitorado. É uma questão estratégica.
Desculpe o senhor foi o segundo candidato mas votado a presidente da República, alias diz que ganhou eleições e foi roubado. Compreenda que o que pode parecer vida privada é do interesse público pela sua dimensão política. Esta aqui em Nampula há um ano a sua esposa, que seria a primeira-dama deste país se tivesse sido eleito nunca esteve aqui em sua casa, nem os seus filhos …
Fonte: O País online - 04.10.2010
8 comentários:
Alguém ainda acredita em Dhlakama?
Zicomo
Alguma razao para nao acreditar nele?
Alguma razao para nao acreditar nele?
No dia em que tiver que sair do poder, a Frelimo vai mandar golpear. Isso é perigoso para o futuro de Moçambique
Até agui penso eu que ele tem razao
Marvin
De facto, Afonso Dhlakama foi aqui preciso, conciso e coerente quanto à ameaça à paz e estabilidade em Mocambique. Em debate, durante a campanha eleitoral de 2009, alguém, quem não quero mencionar aqui, mas ele não é pequeno no governo da Frelimo, escreveu publicamente que Daviz Simango não estava à altura de governar mesmo que ganhasse, porque não teria apoio das forcas de defesa e seguranca. Questionei-lhe sobre esse conceito num Estado de Direito Democrático.
Por outro lado, há que lembrarmo-nos que o impasse do Zimbabwe deve-se precisamente à partidarizacão das forcas armadas. Isso é reconhecido pelo governo moçambicano e o Ministro dos Negócios Estrangeiros já fez declarações em torno disso numa entrevista ao O País.
Contraste:
Dhlakama disse que o exercito está partidarizado e o Raul Domingos diz que o exercito é um exemplo em termos de independencia política e queria o mesmo para a policia e sise
Anónimo,
Pode ser que haja contraste na percepção dos dois como pode haver contraste entre ti e os dois ou com demais. O mais interessante não dizer ou pensar em contrastes, mas reflectir sobre o assunto todo - Partidarizacão vs Despartidarizacão e as suas consequências.
Na minha percepção Raúl Domingos fala de um momento histórico e até ele precisa as datas. E quando Dhlakama fala do exército não oculta a paridade no início, também um momento histórico. Com certeza com o passar do tempo essa paridade já não existe e até pode ter fundamentos lógicos. Aliás, estamos todos conscientes que a tal paridade não pode continuar e nem a Polícia e o SISE passará por paridade. Neste momento a discussão é ou devia ser APARTIDARIZACÃO do exército e as forcas de ordem e seguranca. Só que no país onde tudo o que é do Estado é partidarizado, podemos nos questionar se as forcas armadas não estão também.
Sabemos que vão desmentindo como sempre o fizeram. Talvez a única a coisa que se devia fazer agora é tanto os partidos políticos como a sociedade civil investigar profundamente para apurar-se se o exército está ou não sendo partidarizado. Quando à Polícia não há dúvidas que é usada pela Frelimo.
Penso que o ministro da Defesa e o chefe EMG-FADM, gen Macarinque, deveria defender o repto em jornais e telejornais.
Se não houve resposta a opinião do PR da Renamo, gen. Afonso Macacho, é porque ela é verdadeira, e indiciante de que futuras convulsões podem estar eminentes no País, e são o "princípio" de mais "nichos de criminalidade", porque estes irão desafiar as autoridades do Estado.
Situação complicada para quem queira INVESTIR, e mais -mais desemprego..
Pode-se chamar como mais um erro político dos eleitos do povo, para gerir o Estado...porque o povo pobre foi sempre desconfiado.
Desconfiança gera SEMPRE VIOLÊNCIA.
Razão simples
...onde estão os generais da Renamo, dos 16 batalhões de Outubro de 1992?Alguns morreram, o Brás, Nota Franque,Vareia...e os outros?
ZA
Enviar um comentário