EDITORIAL do SAVANA
O que menos se espera acontece. É o que nos revela o relatório do MISA-Moçambique num estudo recentemente divulgado sobre o nível de abertura das instituições ao público. Era menos de esperar que a Assembleia da República, um órgão directamente eleito pelo povo, fosse considerada a instituição pública mais secretiva e menos transparente.
Em qualquer parte do mundo o parlamento, juntamente com os tribunais, são as instituições mais abertas, e de certo modo até mais fáceis de se sujeitar ao escrutínio público. Isso deve-se ao facto das suas sessões serem conduzidas em público, com as devidas transcrições abertas à consulta por qualquer pessoa que esteja interessada.
A questão do secretismo da Assembleia da República levanta um ponto que é crítico no nosso sistema de governação. A de que os governantes entendem que o são por mérito próprio, não devendo, por isso, serem sujeitos ao controlo e questionamento públicos. Assim, na estrutura mental dos nossos parlamentares, eles devem obediência ao Presidente do partido pelo qual militam, não necessariamente aos eleitores que desafiaram madrugadas, sol e chuva para os colocarem na casa que pertence ao povo.
Por isso não existe no nosso sistema parlamentar um mecanismo de consulta quer individual quer colectivamente entre, por um lado, os eleitores de um determinado círculo eleitoral, e os seus supostos representantes na Assembleia da República, por outro. As viagens que membros do parlamento realizam aos seus círculos eleitorais durante o período de defeso poderiam ser consideradas como parte desse processo de consulta, mas muitas vezes elas acabam por proporcionar aos parlamentares uma oportunidade para se interligarem com os membros do seu respectivo partido, deixando ordens sobre o que deve ser feito para a consolidação da posição do partido numa determinada região.
Os nossos deputados não têm que necessariamente residir nos círculos eleitorais que representam, o que não lhes possibilita o contacto directo com os seus eleitores, e muito menos estarem devidamente informados dos desenvolvimentos nos seus círculos eleitorais. Não constituem surpresa, por isso, as insípidas intervenções que se fazem no nosso parlamento no período “Antes da Ordem do Dia”, onde parlamentares insignificantes têm a oportunidade de exibir melhor a sua insignificância.
Mas tudo isto tem as suas causas. De facto, o nosso parlamento está a ser vítima do sistema de representação proporcional que a nossa Constituição preconiza, e com base no qual os parlamentares são eleitos através de uma lista submetida aos órgãos de administração eleitoral pelo partido no qual militam. Efectivamente, o que os eleitores elegem é o partido, não o seu representante no parlamento. A representação proporcional pode ter a vantagem de tentar ser o mais inclusiva possível, mas tem a desvantagem de que o eleitor é obrigado a votar para seus representantes, indivíduos sobre quem não reconhece capacidades de o representar fiel e condignamente, bastando
para tal que sejam apenas membros do partido da sua preferência.
Neste momento que se fala da revisão da Constituição, talvez se abra uma janela de oportunidade para avaliar se este sistema ainda nos serve ou se devemos optar por outras alternativas que conseguem trazer o deputado mais próximo do seu eleitor.
Fonte: SAVANA -08.10.10 in Diário de um sociólogo
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