EDITORIAL
Vinte e quatro anos após o acidente de aviação que levou a vida do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel, e de outras 33 pessoas, mantém-se o mutismo do governo sobre as causas do sinistro, para além das mais óbvias expressões de ter sido uma conspiração engendrada pelo regime do apartheid que na altura governava a África do Sul.
Os que repetem indefinidamente esta expressão demagógica nem sequer se dão ao trabalho de questionar as razões porque, sendo o regime sul africano de então abertamente hostil a Moçambique, porque é que as autoridades de segurança deste país poderiam autorizar que o seu Chefe de Estado sobrevoasse um território hostil, e ainda por cima à noite, quando havia muitas outras rotas alternativas.
Este ponto crucial é convenientemente posto de lado, porque é mais fácil atribuir culpas a um regime sobejamente odiado pela comunidade internacional, e que até já deixou de existir para se defender. Que o regime do apartheid não morria de carinhos por Samora Machel e seu governo é tão óbvio que ninguém precisa de ser convencido que se o pudesse fazer, não hesitaria em matá-lo.
Para a morte de Samora Machel o regime do apartheid provavelmente tivesse outros métodos de executar o seu plano, e obviamente teria muito pouco interesse em que tal acontecesse no seu próprio território, precisamente para não alimentar a teoria do seu envolvimento.
Mas isto são apenas observações que nos devem obrigar a pensar um pouco melhor, e abandonar a lógica de que o povo aceitará qualquer explicação meia cozida.
O que mais nos deve deixar preocupados é o facto de durante todo este tempo o governo moçambicano ter assumido e continuar a assumir uma atitude de aparente despreocupação, sem uma acção de investigação que convença haver interesse no esclarecimento das circunstâncias em que se deu aquele trágico acidente.
Um Estado de “auto-estima”, como tanto não se cansam de nos fazer lembrar que devemos ser, não se pode permitir afundar para tão baixo nível, ao ponto de negligenciar fazer o que é da sua responsabilidade perante o seu próprio fundador. Independentemente das querelas que em vida Samora Machel possa ter tido com os seus correligionários, o que se não lhe pode retirar é o facto de a 25 de Junho de 1975 ter proclamado a independência deste país, e se tornado no seu primeiro Presidente.
Só esse facto é um estatuto pelo qual ele deve merecer muito mais do que meras declarações de retórica, desenhadas apenas para desviar as atenções do menos dados a um pensamento crítico.
Não é apenas Samora Machel que merece o melhor, apesar de ele ser a figura mais destacada da lista de nomes que figuram no monumento de Mbuzini, o qual continua a brilhar e a ser ponto de referência mais pelo empenho das autoridades sul africanas do que propriamente como resultado de uma decisão política consciente, alicerçada na necessidade de valorização dos nossos heróis e símbolos nacionais.
As almas das pessoas que acompanharam Samora Machel na sua viagem sem retorno, bem como os seus familiares, merecem muito mais do que meros actos de reconhecimento cínico, como temos até aqui estado a testemunhar.
O Estado moçambicano deve assumir as suas responsabilidades legais neste assunto, levando a cabo uma investigação mais profunda, se for necessário na forma de um inquérito judicial público, onde todos tenham a oportunidade de saber o que realmente, e como aconteceu. O inquérito deve incluir todos os aspectos de lapso nas medidas de segurança tomadas (ou não tomadas), incluindo o facto do Presidente ter sido autorizado a viajar à noite, e em território hostil. É assim como as coisas funcionam num Estado de Direito, muito mais quando a “auto estima” é a palavra de ordem do dia.
Fonte: Savana (22.10.2010) in Diário de um sociólogo
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