EDITORIAL do SAVANA
Mais uma vez sob pressão, o presidente Armando Emílio Guebuza foi forçado a mexer no Executivo escolhido por ele próprio, e para um segundo mandato, há pouco mais de nove meses.
Os violentos protestos populares no início de Setembro e os resultados devastadores dos índices da pobreza no país nos últimos seis anos ditaram a queda de várias cabeças, tal como tinha acontecido após o 5 de Fevereiro de 2008.
A repetição dos motins este ano, mostram um deficit de reflexão sobre os acontecimentos de 2008, uma incapacidade de análise em profundidade sobre as políticas que lhe são subadjacentes, uma grande incompetência na gestão dos acontecimentos e um não menos problemático controlo de danos.
Se os titulares do Interior e da Indústria e Comércio configuram facilmente a imagem de bodes expiatórios do 1-2 de Setembro, Guebuza aproveitou a ocasião para se livrar de mais dois incómodos: do mais incompetente dos seus ministros que, em primeira instância nunca deveria ter sido nomeado para a pasta da Agricultura e do mais popular titular sectorial, mas que estava à beira de deixar a Saúde a pão e água, tal a grandeza dos conflitos que criou com as agências doadoras e o nicho mais elitista dos profissionais da área, a classe dos médicos.
Mais do que as asneiras e insuficiências dos titulares exonerados, onde não se pode esquecer o ministro-ladrão que ocupava a pasta dos Transportes à altura do 5 de Fevereiro, Guebuza só se pode queixar da sua própria teimosia ao acreditar piamente que a militância e o cumprimento de metas e objectivos seriam lenitivos suficientes para conduzir a sua equipa a bom porto. Desde 2005 que é evidente a falta de competência e massa crítica no topo do Aparelho de Estado. Esta característica, aliada a um culto esclerosado de personalidade têm vindo paulatinamente a limitar outros contributos para o desenvolvimento do país, a começar pelo próprio partido Frelimo, onde se continuam a equacionar e estrategizar as principais políticas para o país.
A globalização, uma terrível crise económica e financeira não menos global, não podem ser iludidos ou trapaceados com índices de crescimento de um país que renasceu das cinzas em 1992. As estatísticas resultantes do inquérito aos agregados familiares (IOF) para os últimos seis anos mostram crescimento da pobreza para um período que, as metas governamentais tinham fixado nove pontos abaixo, ou seja nos 45%. Isto é particularmente penalizador para um governo que fez do combate à pobreza o seu principal estribilho. Não menos penalizador, um governo que assenta a sua estratégia de crescimento na injecção maciça de fundos externos para o desenvolvimento de infra-estruturas e apoio aos seus programas sociais, não se pode envolver em erros políticos de palmatória que ditaram o embargo dos doadores no princípio do ano e a subsequente queda a pique do metical.
Tal como explicou com rara oportunidade o economista Castel-Branco na última edição do SAVANA, o país precisa com urgência de mudar alguns paradigmas fundamentais de desenvolvimento e crescimento nomeadamente para criar receita fiscal sustentável, gerar recursos para a produção doméstica, sobretudo no sector agrário, aumentar as exportações e estabelecer um novo pacto social em que todos os moçambicanos se sintam filhos do mesmo Deus.
Para isso não são apenas necessários ministros competentes. São necessárias políticas de ruptura que ponham em causa a captura do Estado por um punhado de barões acantonados à sombra do partido-poder, o mesmo punhado que ganha invariavelmente todos os concursos, que disputa ferozmente as comissões decorrentes do investimento externo, que desbarata sem pudor os recursos naturais, que se senta preguiçosamente sobre terra arável improdutiva à espera de um potencial negócio especulativo, enquanto vocifera slogans em defesa da terra como propriedade do Estado.
Guebuza precisa de correr para recuperar tempo das experimentações políticas que poucos ganhos parecem
estar a trazer ao país. Por isso mesmo, os seus seguidores, por outros motivos e agendas, se zurzem em estratégias conspiratórias para mudança de Constituição, dado que os 10 anos de poder atribuídos ao seu chefe, não são suficientes para assegurar acumulação e reprodução de riqueza e, por outro lado, sem que os vindouros de 2014 ponham em causa as benesses adquiridas.
A remodelação pode dar alguns sinais de auto-crítica e procura de um novo rumo. Porém, o tempo é escasso para que, à semelhança de tantos outros presidentes que governam em democracia, Guebuza possa deixar uma marca indelével, as suas impressões digitais, o seu DNA como um legado de futuro e prosperidade, onde a maioria se reconheça.
2014 é mesmo daqui a pouco.
Fonte: SAVANA - 15.10.2010 in Diário de um sociólogo
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