A talhe de foice
Por Machado da Graça
Os números publicados neste jornal a semana passada, sobre a questão da pobreza entre nós, são muito preocupantes.
Não eram números provindos de qualquer organização de pouco crédito. Eram números retirados do Inquérito aos Orçamentos Familiares, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística.
E o que estes números nos mostram é que a guerra contra a pobreza não está a ser ganha.
Está a ser perdida. A nível de todo o país havia em 2008/9 mais pobreza do que em 2002/3. E, estou perfeitamente convencido, em 2010 a pobreza foi ainda maior.
A preocupação em relação a estes números põe-se, neste momento, a dois níveis.
Por um lado, pelo que eles dizem, objectivamente, sobre a forma como vivem, ou sobrevivem, os nossos concidadãos.
E a situação na Zambézia é de nos pôr os cabelos em pé: de uma taxa de pobreza de 44,6% em 2002/3, passámos para 70,5% em 2008/9. Mas não é só a Zambézia. Os números publicados dizem que as províncias de Gaza, Sofala, Manica e Nampula também estavam mais pobres em 2008/9 do que em 2002/3, embora não nas mesmas percentagens assustadoras.
Mas esta coisa das percentagens também pode ser uma forma de nos desinformarem. Num dos dois excelentes livros recentemente publicados pelo IESE, fiquei a saber que, através do Programa de Subsidio de Alimentos e do Programa de Benefício Social pelo Trabalho, os beneficiados passaram de 97 mil em 2007 para 120 mil em 2008. O que parece excelente, até sabermos que esses benefícios são da ordem dos US$ 3 (cerca de 105 Mt) a US$ 5 (175 Mt) por mês, dependendo do tamanho do agregado familiar.
Mas, a outro nível, os números são preocupantes porque significam que a política governamental para o combate à pobreza não está a funcionar.
Todos estamos cansados de ouvir, em todos os discursos, de todos os dirigentes, seja qual for o seu nível, o chavão do combate à pobreza.
Mas os números, que não se escondem por trás dos chavões nem dos discursos, mostram que não se está a fazer o suficiente para inverter a tendência de aumento da pobreza dos moçambicanos.
E, é claro, não me estou a referir à falta de produtividade dos camponeses e operários moçambicanos, que são as vítimas de toda esta situação.
Estou a falar da falta de produção e produtividade de burocratas, funcionários, dirigentes, e ministros, que não estão a cumprir com aquilo para o que são muitíssimo bem pagos: definir políticas que permitam o combate à pobreza no nosso país.
É por essa camada que deve começar o aumento da produção e da produtividade. São eles que têm que trabalhar mais, obter melhores resultados. São eles que têm que provar que dão a Moçambique mais do que aquilo que Moçambique lhes dá a eles.
O que, ao que mostra este relatório, está longe de ser a realidade.
Porque eu estou disposto a admitir que um funcionário altamente competente deve receber um salário que lhe permita viver com dignidade e conforto, sob pena de ele transitar para o sector privado, normalmente melhor pagador. Mas, para isso, é necessário que esse funcionário demonstre, na prática, no dia a dia, que é uma mais valia para o Estado. E não apenas mais um a chupar nas tetas da vaca do OGE, sem utilidade para ninguém.
Há pouco tempo falei aqui da enorme quantidade de serviços que administram a área da assistência social no país, de certeza acotovelando-se uns aos outros na tarefa de distribuírem as míseras quantias a que acima me refiro.
Hoje pergunto: Qual é a diferença fundamental que existe entre o Ministério da Função Publica e o Ministério da Administração Estatal? Mas existem os dois, com todo o cortejo de funcionários, meios materiais e todo o tipo de regalias. Saindo tudo do nosso bolso comum, é bem de ver.
Há que parar com o esbanjamento do dinheiro, que não temos, para que as disponibilidades cheguem àqueles que mais necessitam.
Enquanto estas coisas não começarem a ser tomadas mais a sério, a luta contra a pobreza não passará de palavras de circunstância.
Isto é, de vento a sair da boca dos dirigentes.
Fonte: SAVANA - 08.10.2010 in Diário de um sociólogo
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