A talhe de foice
Por Machado da Graça
Penso que começa a ser muito urgente que alguém venha a público explicar-nos o que se passa no relacionamento entre o nosso país e o Malawi, que levou, muito recentemente, a graves e lamentáveis incidentes diplomáticos.
E que a explicação vá ao fundo do problema e não se fique pela questão da necessidade do estudo de impacto ambiental.
A questão é a já longa disputa sobre a utilização, pelo Malawi, da via fluvial para as suas importações e exportações.
Há anos que Bingo wa Mutharika pretende passar a usar essa via, através dos rios Shire e Zambeze mas, do lado moçambicano, assistimos a uma complicada dança em que se não diz que não mas também se evita dizer que sim.
Entretanto o Malawi mandou construir um porto fluvial, no seu extremo dessa via, e inaugurou-o há poucos dias, com pompa e circunstância, na presença do seu Presidente e dos presidentes da Zâmbia e do Zimbabwe.
E na ausência de Armando Guebuza que, segundo o MediaFax para lá despachou o Ministro Zucula.
A ausência de Guebuza terá sido comentada, nos discursos, de forma ácida pelos vários estadistas presentes.
Mas, para além do simbólico corte de fita inaugural, o Malawi tinha planificado uma inauguração funcional com a chegada àquele porto de um barco com 60 toneladas de fertilizantes.
E, segundo o MediaFax, o Ministério dos Transportes e Comunicações, dirigido pelo citado Ministro Zucula, tinha autorizado a viagem.
Nas versões oficiais diz-se que Moçambique autorizou o Malawi a iniciar a exploração da via, a título experimental, com algumas condições. E que essas condições não foram satisfeitas. Só que ninguém nos informa sobre que condições são essas.
Ao princípio parecia que estava tudo a correr bem. Os fertilizantes foram desembarcados em território moçambicano e carregados em dois camiões que foram escoltados por pessoal das nossas Alfândegas até Marromeu, onde deveriam ser passadas para o barco.
Mas, surpresa, aparece de repente a Polícia de Intervenção Rápida que impede o embarque e manda os dois camiões de regresso à origem, onde ficam retidos.
Ao mesmo tempo, impede a viagem do barco e prende 4 cidadãos estrangeiros, três malawianos e um americano. Com a agravante de um dos malawianos ser o Adido Militar na embaixada daquele país em Maputo.
O que nos mostra que, das duas uma: ou o treinamento dos nossos polícias não passa por lhes explicarem o que é essa coisa da imunidade diplomática ou, o que seria pior, passa por aí mas alguém lhes deu ordens para passarem por cima disso.
Pelo meio de toda esta história aparece uma falsa notícia, no Diário de Moçambique, jornal que, normalmente, canaliza as posições oficiais, falando de um carregamento de cocaína, que teria sido interceptado.
A Polícia distancia-se desta notícia, dizendo que apenas tomou conhecimento dela através do tal jornal.
Por outro lado, a Presidência da República não admite nem nega que Armando Guebuza foi convidado para a inauguração do porto fluvial no Malawi. Deixando no ar a dúvida sobre como lá apareceu Paulo Zucula.
Tudo isto me faz sentir que esta história está muito mal contada. E que as nossas autoridades estão a fazer diplomacia através dos órgãos de informação que controlam em vez de usar os canais diplomáticos apropriados.
Um passarinho, que pousou no meu ombro, disse-me que a Ministra dos Negócios Estrangeiros do Malawi esteve em Maputo mas ninguém a recebeu e o Ministro dos Transportes do Malawi só ao fim de 48 horas conseguiu ser recebido por Paulo Zucula.
Será verdade? E, se for, o que está por trás disto tudo?
Há quem defenda que a razão do conflito é que a via fluvial para o Malawi vai afectar os interesses das empresas que exploram os corredores da Beira e de Nacala. E que estas estão a pressionar seriamente o executivo.
Mas será que os interesses privados de cidadãos que, igualmente, são dirigentes do Estado, podem levar a este nível de conflito com um outro membro da SADC?
Já teremos chegado a esse ponto?
Fonte: Savana in diário de um sociólogo
3 comentários:
Estes 'tiriricas' não param de destruir o país.
Nunca precisei de visto para ir ao Malawi, aliás, na prática nem existe fronteiras, porque os dois povos mais do que vizinhos são irmãos.
Agora é o governo quem quer estragar esta convivência sã. Vê se pode. Sinceramente, há coisas mais profundas para além de um rio.
Vai ver que Dhlakama vai aproveitar a onda dessa crispação para lançar arruaça no país.
Zicomo
Viriato,
Até é o Malawi que sempre abriu suas fronteiras enquanto que Mocambique insistia com vistos. Se durante a guerra civil o Malawi fechasse as suas fronteiras para os mocambicanos, quantos mocambicanos teriam morrido ainda mais? Qual teria sido a possibilidade de os niassenses e nampulenses de irem até Tete, Sofala e mesmo para Maputo via terrestre?
Provávelmente nós do Norte e Centro do país saibamos de quão Mocambique e Malawi se precisam, e quão somos irmãos, daí que Eduardo Koloma devia agir agora. Koloma, pela sua passagem pelos países nórdicos tem experiência acrescida de como países vizinhos com uma relacão de irmandade devem evitar guerras. Claro, porque estamos no século XXI, não há que copiarmos a guerra entre dinamarqueses e suecos.
Exactamente. Só quem sentiu isso está em condições de dizer isso. Justa análise Reflectindo, justa.
Zicomo
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