domingo, outubro 31, 2010

Escoltas, escoltas e escoltas

TRIBUNA DO EDITOR

Por Fernando Gonçalves

Na sexta-feira da semana passada, presenciei a uma das mais estúpidas coisas que acontecem nas nossas cidades. Encontrava-me na Avenida Salvador Allende, entre as Avenidas Ahmed Sekou Toure e Eduardo Mondlane, quando de repente ouvi uma sirene. Pelo retrovisor vi que era uma viatura da polícia municipal, com as luzes acesas, em sinal de emergência. A viatura depois passou ao meu lado, em contra-mão, seguida de uma outra da marca Toyota Land Cruiser Prado, com uma cor quase castanha, que ao chegar no semáforo do cruzamento da Salvador Allende e Eduardo Mondlane virou para esta última em direcção ao Alto-Maé, mesmo estando o sinal no vermelho.
Quem era esta ilustre figura que seguia no Land Cruiser, tão importante para estar no direito de conduzir em contra-mão e desobedecer o sinal vermelho? Nada mais que David Simango, presidente do Conselho Municipal da Cidade de Maputo. Na minha distorcida lógica, seria do interesse do presidente de qualquer município estar em contacto directo com a situação no seu próprio município, incluindo, se for necessário, andar a pé e ser visto pelos seus eleitores.
Já vi espectáculos destes protagonizados por outras figuras do nosso governo, como por exemplo uma vez vi a Governadora da Cidade de Maputo, no seu regresso a casa ao fim do dia, quando teve que tomar a faixa contrária na Avenida Julius Nyerere, para depois circundar a pequena rotunda onde se encontram a Julius Nyerere e a Mao Tsé Tung, para se colocar na sua própria faixa e entrar na sua residência.
Os que moram na Matola e usam a EN4 contarão as suas mágoas quando têm que se afastar da estrada para deixar passar a escolta da Presidente da Assembleia da República.
A lista de escoltas de altas personalidades do governo não termina por aqui. É longa, e leva ao questionamento do empenho do governo no que diz respeito à necessidade de reduzir as despesas públicas. E depois ficamos admirados quando o povo diz que está com fome, e recorre a medidas extremas para fazer valer as suas reivindicações.
Mas voltemos ao caso do presidente do Conselho Municipal da Cidade de Maputo. Seria de esperar que um dirigente eleito para dirigir a cidade capital fosse do seu interesse que esteja em contacto permanente com a realidade prevalecente na cidade, e que requer a sua intervenção, onde for necessário. Certamente que insuflado dessa realidade, batendo o tráfego e abrindo alas por tudo quanto seja congestionamento nesta cidade, dificilmente o edil poderá constatar a realidade que se vive numa cidade cuja solução dos seus problemas espera pela sua liderança.
As escoltas podem ser necessárias para fazer vincar a importância das personalidades públicas que delas fazem uso, mas certamente que para os olhos do povo criam a ideia de dirigentes que estão acima da vida normal, e consequentemente totalmente alheios à realidade que se vive na sociedade à sua volta. Já houve vida sem estas múltiplas escoltas, e certamente que continuará a haver vida se os nossos dirigentes aceitarem que eles podem viver sem elas, mantendo um contacto menos distanciado entre eles e o resto da sociedade.

Fonte: SAVANA (29.10.2010) in Diário de um sociólogo

3 comentários:

V. Dias disse...

Quando se tem medo do povo, quando se está com rabo preso, o dirigente comporta-se assim...

Eu já me habituei a isso.

Zicomo

Reflectindo disse...

De facto, uma pergunta é sobre a função da escolta. Medo dos governantes se encontrarem com os eleitores sem os meter medo com aparato policial bem armado? Ou é uma questão de status.

Felizmente, aqui quando ouço sirenes penso em ambulância em busca ou a levar um doente para hospital. Se as sirenes forem da polícia, penso em acidente. Esses sim, são os mais frequentes.

Agora, os presidentes municipais com escoltados e sirenes?

V. Dias disse...

"Medo dos governantes se encontrarem com os eleitores sem os meter medo com aparato policial bem armado".

Olha Reflectindo, nao tenhas a menor dúvida que é medo. Devia haver um tribunal para punir severamente os falsos politicos, esses que prometem chuva, mudar o dia para noite, enfim...

Status? Não, penso que o tempo de vaidade já passou. O povo ja nao é o mesmo de ha 20 anos, anda atento.

Zicomo