domingo, outubro 10, 2010

Os doadores são o rosto da nossa pobreza!

Por Lázaro Mabunda

Não se percebe por que dão esmola a Moçambique para importar cereais, quando tem das maiores potencialidades agrícolas de África. De igual modo, não se entende por que se dá esmola a este país para importar gás natural e electricidade, que ele próprio produz e exporta, para depois importar.
A pobreza no continente africano, em Moçambique, em particular, tem rostos: os doadores. Quer dizer, se hoje somos cada vez mais pobres é devido aos biliões de dólares que os doadores nos injectam. Se hoje vivemos num mundo de desigualdades sociais – em que os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres – é devido ao dinheiro que nos é drenado, sem controlo, pelos ocidentais, o que beneficia os governantes corruptos. É esse dinheiro que é usado pelos nossos governantes em África para fomentar as guerras no continente. Se em África governar não representasse enriquecimento (ilícito), pelo contrário representasse responsabilização em caso de má gestão, não haveria tanto interesse em se ser governante. Porque estar no poder significa gerir, a seu bel-prazer, o dinheiro de doadores, as instabilidades políticas são constantes. É assim que temos, no Zimbabwe, um Morgan Tsvangirai e Robert Mugabe, oposição e Governo, respectivamente, a governarem sob a “teoria de partilha de poderes”; é assim, também, que temos, no Quénia, Mwai Kibaki e Raila Odinga, Governo e oposição, a governarem o mesmo país sob a mesma teoria de partilha de poderes. Quer no primeiro caso, como no segundo, já não há oposição como tal e ninguém está disposto a libertar o ramo que agarrou, porque está em causa o controlo dos donativos ocidentais.
O que África, concretamente Moçambique, meu país, precisa não é de dinheiro para custear as despesas públicas como salários, energia, água, rendas, entre outros. É, porém, dinheiro para construir barragens de retenção de água sobre os rios Limpopo, Save, Zambeze, Lugela, Púnguè, Rovuma, etc. É, também, dinheiro para construir uma estrada que ligue o sul e o centro de Moçambique, via Massangena e Chókwè, alternativa a sinuosa estrada nacional número 1, entre outras, para escoar os produtos de Manica e Sofala para o sul, com custos baixos. É dinheiro para investir numa agricultura mecanizada e no respectivo agro-processamento, o que vai permitir que deixemos, um dia, de ser importadores para exportadores de cereais. Precisamos de dinheiro para investir em infra-estruturas socioeconómicas para reduzir os custos de produção. Não faz sentido que o milho proveniente dos Estados Unidos – mais de 12 mil quilómetros – seja mais barato que os cereais produzidos em Manica e Sofala, a cerca de 1000 quilómetros de Maputo; o frango proveniente do Brasil seja duas vezes menos barato que o frango produzido nos arredores da cidade de Maputo; o trigo vindo da China e do Vietname seja menos caro que o produzido em Manica, Chókwè e Zambeze.
O ocidente, tal como diz o ditado chinês, não nos deve dar peixe porque estamos com fome, deve, porém, ensinar-nos a pescar e criar toda a cadeia de valores nos sectores que nos apoiam. Não deve fazer o que a Noruega fez no nordeste do Quénia, quando aquele país africano estava a ser devastado pela fome, seca e mortes, onde forneceu aos sofridos nómadas do Lago Turkana uma indústria de pescado para aliviar o impacto das catástrofes naturais periódicas, mas que, mais tarde, se deram conta de que o povo turkana, tradicionalmente criador de gado, desprezava os peixes como fonte de renda; que a energia necessária para congelar os filés de tilápia na região semi-desértica custava muito mais do que o preço de mercado do produto; e que eles não tinham levado em consideração os milhões de dólares exigidos para a construção de novas ruas para possibilitar que o produto chegasse ao mercado. (Bartholomaus Grill, director da sucursal na África da revista semanal alemã “Die Zeit”, no seu livro mais recente “Gott, Aids und Afrika” (“Deus, Aids e África”).
O que nós queremos é que o ocidente, se quiser nos ajudar, de facto, faça o que os americanos, por peso de consciência das bombas atómicas que despejaram, fizeram para desenvolver o Japão, lavando a sua imagem; que o ocidente faça o que os americanos, por rivalidade dos sistemas, fizeram na Coreia do Sul para provar à Coreia do Norte que o socialismo que usa está ultrapassado; que o Ocidente faça o que os americanos fizeram com ele mesmo (o ocidente), para persuadir a Rússia a abandonar o socialismo, desenvolvendo-o e deixando a Rússia como uma ilha na Europa; o ocidente deve fazer também o que os americanos vão fazer no Iraque, pelo peso de consciência pelas chacinas por eles cometidas em nome de combate ao terrorismo, para mostrar ao Irão que deve renunciar aos seus programas nucleares e estar do seu lado para desenvolver.
Moçambique, tal como África, devem aprender do fracasso do auxílio para o desenvolvimento na África alocado nos últimos 50 anos. Dambisa Moyo e James Chikwati, economistas zambiana e queniano, respectivamente, consideram que o continente ficou mais pobre agora do que era há 50 anos, mesmo com mais de 1 trilião de dólares que recebeu nesse período, o que revela que as ajudas aos países africanos não só são ineficazes como também são venenosas. Não se entende por que se fornecem esmolas aos angolanos, nigerianos, sudaneses (...), que estão a nadar em petróleo. Não se percebe por que dão esmola a Moçambique para importar cereais, quando tem das maiores potencialidades agrícolas de África. De igual modo, não se entende por que se dá esmola a este país para importar gás natural e electricidade, que ele próprio produz e exporta, para depois importar.
O que os doadores devem fazer, tal como diz o especialista William Easterly, que já trabalhou para o Banco Mundial, é reduzir o auxílio para desenvolvimento e a reforma dessas estruturas. James Shikwati e Dambisa Moyo sugerem a suspensão completa desses auxílios. Não creio que se os doadores cortarem financiamento, poderemos deixar de existir. África já existia há milhares de anos antes de doações ocidentais.

Fonte: O País online - 09.10.2010

3 comentários:

Anónimo disse...

Concordo consigo Sr. Mabunda.Os doadores é que sao culpados de quase todos os males que vive o continente Africano. A tentativa de despartidarizar a CNE acabou com a Renama, e quem pensou que em Moçambique seria possivel indicar elementos da sociedade civil para dirigir a CNE foram os doadores, sem conhecer no fundo a genese de muitas ONGs que polulam neste país. Os financiadores do neocolonialismo que está a desgraçar a Africa sao os doadores. Há muitos interesses obscuros por detrás desta prontidao do doadores de sempre dar.

V. Dias disse...

Excelente.

Zicomo

Anónimo disse...

Caro amigo Reflectindo,

Concordo com Lázaro Mabunda. Quero adicionar meu comentário sobre aqueles que alimentam o poder e o poder que alimenta a corrupção no Sector Público.

Me parece que Moçambique é o país da Africa com o maior número de funcionários públicos por capita da população laboral: Na realidade muitos funcionários não servem para nada muito menos o público. Por isso concordo com a redução gradual do auxílio dos doadores para “desenvolvimento” do sector público, porque não existe um controle independente sobre a utilização destes meios financeiros na Administração Pública. Acho que igualmente falta um controle sobre a eficiência e eficácia dos nossos funcionários públicos, que produzem muito, mas infelizmente sem relevância pelo combate contra a pobreza ou melhoramentos palpáveis na segurança alimentar. Em vez de focar as esmolas provenientes da União Europeia e dos Estados Unidos, devemos focar mais ao controlo, monitorização e avaliação frequente dos objectivos individuais atingidos ou não) dos nossos funcionários ou serventes públicos, a qualidade dos seus serviços bem como a responsabilização individual. Acho que devemos questionar todas funções e processos da Administração Publica, reduzir o pessoal que não serve para nada (os remanescentes do socialismo e nepotismo, alimentados pelos doadores) e a corrupção.

Será que alguém aqui conhece o número total de funcionários públicos, em relação à população activa? De acordo com o último Boletim do Observatório do Emprego Público, com dados até o final de 2009 em Portugal houve 675048 empregos na administração pública, contra os 692279 de finais de 2008. De acordo com o mesmo boletim, o peso do emprego na administração publica no total da população empregada era em 2007 (últimos dados disponíveis) de 12.5%. Se compararmos o peso do emprego naquele sector com o emprego por conta de outrem a percentagem sobe para 16.6%. Como se sabe, há igualmente um excesso de emprego na Administração Pública portuguesa, comparado com a média dos países da OCDE. Acho que o governo moçambicano deve alterar urgentemente o modelo do Sector Publico. A redução das despesas com pessoal do Estado é uma condição sine qua non para a diminuição da nossa dependência da “esmola” e a redução do crónico défice público.

Um abraço
Oxalá