O mundo não é apenas vermelho manos, há outras cores...
Por Edgar Kamikaze Barroso
(Nota: esta é uma réplica ao artigo de Américo Matavel, aqui)
Há muito tempo que não escrevia algo meu, neste meio social... Resumia-me a citar artigos, frases ditas, ideias esporádicas, algumas piadas, desabafos do meu quotidiano, trechos de algumas letras de músicas que aprecio, fotos humorísticas, etc etc. Hoje decidi variar e voltar um pouco para o meu “foco”.
Ganhei certa projecção e notoriedade, aqui no Facebook, através de uma série de artigos de opinião que postava há cerca de dois, três anos... Depois de algum tempo a vaguear entre o meu umbigo e o de outros, ontem tive a oportunidade de ler um artigo de opinião do meu amigo Américo Matavele, publicado também aqui no Facebook e intitulado “A Desconfiança como Receptora Passiva da Manipulação”. Em traços gerais, o artigo apontava para a existência, nas redes sociais e demais meios de comunicação social, de um “grupo inconsciente” de indivíduos que, invariavelmente, tem olhado com desconfiança para o Governo de Moçambique, seus discursos e realizações. Em suma, e segundo o artigo supracitado, este grupo de indivíduos tem como identidade única falar mal do Governo, desconfiar de tudo o que ele faz ou promete fazer, bem como desacreditá-lo sobre todas as formas possíveis e imaginárias... Para o articulista, tais indivíduos tentam à todo o custo propagar essa ideia junto do maior número possível de pessoas, de modo essencialmente manipulatório e indiscriminado, com fins necessariamente políticos ou inconfessos.
Ora, essa constatação do meu amigo Matavele, válida ou não, despertou em mim uma outra constatação (passe a repetição). Com efeito, existe também o outro lado da moeda! Os que cantam hosanas ao sistema (entendido aqui como o Governo do dia e o partido que o rege) e que fazem exactamente o contrário dos “desconfiadores”. Eu os subdivido em 3 grupos: os cães do sistema, os intelectuais orgânicos e os lambe-botas.
Os cães do sistema
Estes têm a particularidade de andar sempre com o “Grande Chefe” de um lugar para o outro, por todo o país, e exactamente por isso se colocam em posição de superioridade em relação aos demais, no conhecimento da realidade moçambicana. Andam com o “dono do país” por Moçambique fora como autênticos cães de guarda. Dizem “conhecer de facto” o país real e essa é uma arma de arremesso fundamental para que se vangloriem e menosprezem os “críticos da cidade” ou os “analistas de gabinete”, que são para eles invariavelmente de visão superficial, teorizada e paroquial. Regra geral, e para legitimar a profundidade do seu “conhecimento de causa”, citam, nos seus pronunciamentos públicos, nomes de recônditas localidades, vilas e postos administrativos um pouco por todo o país, num esforço titânico de dar a entender aos outros que a sua percepção do país é a mais holística, profunda e fidedigna. Os integrantes deste subgrupo, e por inerência do trabalho que prestam, do sector de afectação e da proximidade privilegiada aos círculos do poder político, têm acesso aos grandes dossiers da nação; esse passa, automaticamente, a ser um trunfo de legitimação da sua superioridade analítica sobre os demais entusiastas dos meandros políticos, económicos e sociais do país.
Os intelectuais orgânicos
Regra geral, são professores universitários, assessores séniores ou júniores de uma e outra instituição governamental ou gestores de uma e outra empresa pública ou privada. O denominador comum entre todos eles é o de estarem filiados ao partido no poder. Quase todos eles têm, basicamente, um background intelectual assinalável, possuindo alguns deles cursos de graduação e/ou de pós-graduação no estrangeiro, e expressam-se com um arsenal retórico acima da média. Os títulos académicos que ostentam funcionam, objectiva ou subjectivamente, como mecanismo de defesa, de disuasão ou de “intimidação”, num e noutro debate de opinião. Usam, em tais debates, uma linguagem coloquial, termos técnicos especializados, abusam de referências indiscriminadas à documentos oficiais classificados e bibliografia inacessível à maioria dos “adversários”. Uma das únicas vantagens comparativas que têm em relação aos seus reais e hipotéticos “inimigos”, para além do terrorismo dos graus académicos e das posições profissionais que ocupam, é o ACESSO ANTECIPADO À INFORMAÇÃO. Por outra, não sabem mais. Tomam conhecimento dos assuntos, das teorias de conhecimento geral ou especializado e da informação antes dos outros. Isso, só por si, é lhes suficiente para descredibilizar, menosprezar ou ridicularizar a opinião dos demais.
Os lambe-botas
Estes não têm acesso aos grandes chefes, como os cães de guarda, nem têm o background intelectual dos orgânicos. São mais caixas de ressonância do “já dito e ouvido” do que sujeitos do seu próprio pensamento. Nunca se consideram das massas (por “inerência” dos cargos que ocupam nas estruturas do partido ou do Estado) e também nunca chegam ao topo da elite. São eternos “wanna be someone”... Regra geral, sentem inflacionado o seu grau de importância quando atacam a Oposição (entendida aqui como todos os outros partidos políticos diferentes do deles, bem como os grupos de pressão ou indivíduos desalinhados com o status quo e que não se identificam com nenhuma orientação partidária). É a única coisa que sabem fazer competentemente e vêem nisso uma oportunidade de ascenção política e profissional. Pelo sentimento de pertença e pela permanente necessidade de mostrar serviço à quem os possa “descobrir”, lá acima, especializam-se como escritores, comentaristas ou propangadistas à part-time, escrevendo sempre um e outro artigo de exaltação ao sistema ou de desacreditação dos “desconfiadores”, em jornais associados, blogs pessoais ou no Facebook. Este subgrupo aparece também em outros meios: semeiam lugares cativos no painel ou na audiência de um programa televisivo ou radiofónico, enchendo também os comícios, os “simpósios” e as “conversas com a juventude” do Grande Chefe.
Como é que eles actuam?
Todos eles nunca aparecem a discordar com o discurso do Presidente ou do partido. Pelo menos publicamente, e por diversas razões (“disciplina partidária”, sobrevivência profissional, cobardia, vassalagem, erosão de personalidade própria, etc). Têm um respeito quase divinizado sobre figura do Presidente (e da dos demais dirigentes superiores do Estado ou do partido), apelidando-o mesmo, irracionalmente, de “filho mais iluminado do país”... Regra geral, nunca se pronunciam quando eclodem escandâlos públicos onde nomes sonantes do sistema se encontram envolvidos. Dissolvem os seus egos intelectuais ou a sua militância interventiva na estratégia patrimonialista do silêncio tumular quando um alto dirigente do Estado ou do partido mete os pés pelas mãos, num e noutro pronunciamento público. Quando se sentem mais confiantes, regra geral só intervêm para bombardear os seus pretensos opositores com orquestras retóricas orientadas mais para impressionar do que para convencer, ou mais para distrair do que para explicar. Alicerçam-se em discursos que apelam à contenção e “anestesiamento”, ao invés dos confrontativos e demonstrativos, sempre no intuito de arrefecer as ideias ou dissipar a indignação dos “adversários”. Em casos extremos, extravazam pronunciamentos violentos com o fim único e exclusivo de desacreditar os opositores, atribuindo-lhes conotações anti-nacionalistas ou anti-patriotas. Tal táctica garante-lhes, aparentemente, coesão interna e é assente no objectivo último de criar desordem ou fricção nos presumivel ou convictamente do contra, de modo a fragilizá-los e a criar nos “alinhados” e nos “neutros” a imagem de serem a única alternativa viável para Moçambique.
Com efeito, eles desdobram-se, invariavelmente, entre as exaltações das pretensas realizações do Governo do seu partido e a propagação alucinada de palavras de ordem concebidas pela sua máquina de propaganda. Assumem-nas como imponentes, perfeitas e imutáveis, prontas a consumir por todos sem distinção, crítica ou transformação. Por conseguinte, tudo o que lhes for contrário ou hostil é automática e irremediavelmente descartado, vilipendiado e enclausurado nas masmorras da insignificância. Todo e qualquer pensamento alternativo sobre Moçambique, seus rumos e desafios é indiscriminadamente empacotado e rotulado de superficial, descontente, suspeito, invejoso, reaccionário e inimigo, merecendo por isso automático e rápido aniquilamento. É exclusivamente essa a mensagem que os cães, intelectuais e lambe-botas do sistema tentam transmitir às suas bases de apoio: que eles são os “messias” do país e que todos os outros que não partilham do mesmo barco, rumo e horizonte são os “Judas Iscariotes” da nação...
Já acordamos, nós!
In mural de Edgar Kamikaze Barroso (facebook)
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