Editatorial do Diário Independente
O que aconteceu no passado dia 1 de Setembro é, num outro ponto de vista, a cabal manifestação da distância social, económica e política que separa o povo moçambicano do seu Governo.
Por outras palavras, o gigantesco fosso entre os poucos moçambicanos que vivem demasiadamente bem, e os muitos moçambicanos que apenas sobrevivem, chegou a tal magnitude que os últimos nada têm a perder com o apedrejamento de tudo e todos aqueles que lhes parecem ser a razão da sua desgraça.
E isso não é apenas pela simples falta de diálogo, que se propala por aí.
É, em nosso modesto entender, a falta de legitimidade dos interlocutores para um diálogo socialmente válido.
Ou seja, por muito que fale de erradicação da pobreza, o Governo não está a comunicar a mensagem essencial ao povo, uma vez que tudo indica que ao mesmo tempo que tal discurso se intensifica, também se intensifica o distanciamento social, económico e político do mesmo Governo em relação ao povo.
Quer dizer, não basta que o Governo repita que está a combater a pobreza no abstracto. É preciso que cada moçambicano veja e sinta que a pobreza que o Governo diz estar a combater “é esta minha”, isto é, que cada um sinta que com “este combater da pobreza” de que tanto fala o Governo “eu também serei abrangido, em tempo útil, pela oportunidade de desenvolvimento”, ou seja, até que ponto o Governo consegue convencer um adolescente que vende amendoim à noite nas barracas da Matola de que a construção da ponte sobre o Rio Rovuma, em Negomano, é um passo importante no combate à pobreza em Moçambique”? Até que ponto o Governo consegue demonstrar a uma mãe solteira de Mafalala que a reabilitação da Estrada Namacurra-Molócuè é um importante avanço para que o milho de Ribáwè chegue mais barato a si, ali no mercado de Xipamanine?
Até que ponto o Executivo moçambicano consegue explicar a um desempregado do Bairro de Alto Maé que, com a construção da ponte Maputo-Katembe, melhores dias se vislumbram para a eliminação da “sua pobreza”?
Caso não se consiga, com actos concretos, transmitir-se esse tipo de mensagens será bastante difícil obter-se a cooperação dos pobres nos aplausos aos esforços actuais do Executivo.
Ao Governo de Moçambique não basta que esteja a combater a pobreza em geral, mas é preciso que o Governo seja percebido, pelas pessoas, como estando a combater a “sua pobreza” em concreto, o que exige não apenas a mudança de discurso político, mas sobretudo uma mudança fundamental na atitude e estilo de vida social dos dirigentes superiores do Estado.
Não existe diálogo possível entre saciados e esfomeados esfomeados.
Não existe diálogo possível entre os que tudo têm e os que nada têm.
Não existe diálogo possível entre os que tudo podem e os que nada podem.
Não existe diálogo possível entre aqueles que são sempre vistos em limusines a apadrinhar casamentos exageradamente luxuosos e os que mal conseguem juntar dez meticais por dia para se deslocarem, de “chapa”, ao local de trabalho.
Não existe diálogo possível entre os abastados e os despojados.
É que já houve, em Moçambique, governos com maior legitimidade para diálogo social com a população porque as suas políticas, e não apenas palavras, se aproximavam bastante dos mesmos ideais comungados pelo povo.
Nesse tipo de governos, uma simples comunicação presidencial à nação era suficiente para abafar qualquer tipo de tentativa de manifestação porque maior era a identificação do povo com a mensagem transmitida.
Ou seja, nesse tipo de governos, o povo podia ver, por si próprio, os sacrifícios que os próprios governantes consentiam para viver mais proximamente ao estilo do povo, e sentiam o empenho da superstrutura política na melhoria da situação geral da população.
A situação hoje é bastante diferente. O governo até pode aparentar maior disponibilidade para diálogo.
Talvez, o problema se coloque ao nível da confiança popular na honestidade do conteúdo do tal diálogo, uma vez o mesmo povo poder ver, por si próprio, que o Governo de hoje não vive da maneira como fala, nem consente um quinto dos sacrifícios que exige ao povo, ou seja, os governantes de hoje e uma pequeníssima elite político-económica deste País não levam a vida que apregoam para o povo.
Eles vivem num mundo material estranho ao mundo material real em que vive a maioria do povo moçambicano.
Eles são accionistas de dezenas de empresas ao mesmo tempo. Eles são os conhecedores das futuras oportunidades económico-empresariais devido à posição que ocupam no Governo ou no seio familiar próximo ao dos que governam e, como bons “empreendedores”, eles são os primeiros a aproveitar tais oportunidades para o benefício das mesmas pessoas já há muito beneficiadas, afastando, desse modo, as possibilidades de alargamento dos benefícios sociais e económicos da Independência Nacional a outros grupos sociais capazes de multiplicarem tais benefícios para outros grupos, eventualmente, longe do círculo familiar ou político dos actuais detentores de oportunidades.
Olhando bem para o comportamento do nosso Governo, dá a entender ser um Governo de empresários, que apenas se preocupam com a distribuição de oportunidades de negócios entre si, mesmo que tais negócios sejam feitos à custa do sacrifício do povo, agravando-lhe as suas já precárias condições de vida.
A revolta popular, e não greve nem manifestação como se apelidou, representa o explodir social de uma situação de empobrecimento cumulativo de largos sectores das populações urbanas do País, as quais, de tanto ver e saber do comportamento social público do seu Governo, não encontram melhores formas de exteriorização da sua angústia, senão recorrendo a métodos que, embora censuráveis à luz da lei, são os que garantem maior eficácia em termos de mais sonoridade e visibilidade, não só internas como externas.
Nestas circunstâncias, o Governo não tem moral para apelar a seja o que for, pois ele mesmo dispõe de instrumentos de governação que, bem accionados e geridos, são capazes de amortecer o impacto dos choques económicos externos à economia do País.
O que deve acontecer, em nosso modesto entender, é o Governo repensar uma postura mais inclusiva, não apenas no pretenso diálogo, mas na distribuição de oportunidades e responsabilidades para a promoção rápida de algumas iniciativas produtivas capazes de reduzir, em pouco tempo, a dependência do País da importação de tudo, incluindo repolho, tomate, cebola e batata-reno, produtos que em cerca 90 dias se podem produzir em quantidades exportáveis, desde que haja a vontade do Governo em apostar nos verdadeiros produtores e não nos amigos ou familiares deste ou daquele membro do Executivo.
O problema é que os fundos que deveriam estar nas mãos dos produtores de verdade circulam em mãos de ditos empresários empreendedores, os quais, muitas vezes, o único “empreendedorismo” demonstrado é a facilidade com que acedem fundos para com eles angariarem mais fundos ou investir na
construção ou compra de condomínios de luxo para os revender a altos lucros, actividade que, naturalmente, dá imensos rendimentos ao “empreendedor” em causa, mas não contribui para travar a depreciação do metical, nem ajuda a baixar o preço dos produtos básicos necessários à sobrevivência do povo moçambicano.
A bola está do lado do Governo e não do povo.
O Governo é que deve mudar a sua maneira de gerir o País e o povo deve continuar a trabalhar, como o tem feito ao longo dos últimos 35 anos de Independência Nacional.
O Governo é que deve balançar as suas apostas económicas e sociais, e não o povo.
Em suma, quem provoca manifestações populares é o Governo que gere mal o País e não o povo, que sofre das políticas erradas do Governo.
Quem deve mudar é o Governo.
O povo está bom!
Fonte: Diário independente -08.09.2010
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