Por: Gento Roque Chaleca Jr., em Bruxelas
“Sempre que algum tipo de governo se torne destruitivo aos seus propósitos, é um direito do povo a sua abolição” – Autor desconhecido
Uma década e meia e alguns dedos de dias passam quando ouvi, pela primeira vez, Salvador Maurício cantar “os Ratos Roeram tudo”, e que os tempos chegados eram de miséria. Porém, poucas foram as vezes em que a Rádio Moçambique – Antena Nacional (a única que na altura chegava à terra onde nasci) tocava esta música que marcou uma geração, a de "repolho com milho amarelo", por sinal também é a minha, ouvia, ao agrado do som de ‘xirico’, marca de receptor bastante poupular da época. Nessa temporada a "globalização" e a "democracia" andavam há milhas e milhas de Moçambique.
Os que viram o sol antes de mim disseram que esta música, de Salvador Maurício, incomodava de forma ensurdecedora o regime ditatorial da Frelimo numa altura em que também se ouviam gritos de clemência, dentro e fora de portas, contra a “operação produção”, um método destinado a “reabilitar opositores do regime” que teve a benção do actual presidente da República, estava, bárbara e cruelmente, a picar todos os terrenos da, então, emergente nação moçambicana. Apesar da censura musical, Salvador Maurício não calou a voz, até o ano da sua morte em 2006, denunciou a praga de “ratos” e de “xiconhocas” que o país vem produzindo desde a independência nacional em 1975.
A pouca ração que o país conseguiu produzir durante o reinado de Samora Machel, os famigerados libertadores da pátria (os mesmos que ontem andavam com as calças nas mãos e famintos) roeram tudo, deixando o país a andar de cócoras. Roeram tudo e não deixaram nada, dizia Maurício! O espírito de recompensa pela luta de libertação nacional tinha entrado nos intestinos de alguns camaradas a ponto de já só soletrar o famosíssimo e tão decorado verso de um seu camarada que não aceita, por nada neste mundo, ser chamado de poeta, Jorge Rebelo: “não basta que seja pura e justa a nossa causa, é necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós.”
Mesmo depois do alerta deixado por Salvador Maurício e já com Chissano na pilotagem da barca, apesar
de a economia ter reivindicado momentos de algum crescimento, os “ratos” de sempre, os tais famigerados libertadores da pátria continuaram a roer à economia nacional. Pela forma como roem o património do Estado, às vezes chego a pensar que tipos de mandibulas possuem estes “ratos”? Do jeito que estes “ratos” comem e destroem o pasto alheio, leva-me à segunda presunção: não deve ser este o Moçambique-Independente por que lutaram! Este não é, seguramente que não, o mesmo Moçambique por que lutou Mondlane, Simango, Gwengere, Gumane, Matsangaice e outros! Este é o “vosso” Moçambique, dos “roedores”, feito a vossa própria imagem e semelhança. Não vão agora mutilar a alma daqueles que lutaram para que este país fosse verdadeiramente um mar-de-rosas para todos.
Mal souberam da morte do “queixoso” que estava ao serviço do povo, de Salvador Maurício, eis que os “ratos” encontraram um novo comandante para realizar a tão propalada viragem! Surge então uma nova geração de “ratos”: o da viragem! Os “ratos” voltaram a ser cada vez mais “ratos”, e os “ratos” emergentes, de pequenos tornaram-se gigantes (em ratazanas). Cuidado, porque “a obesidade é uma disfunção cerebral.”
O despesismo bateu todas as marcas: o “el comandante” que ficará uma vez mais nos anais da História de Moçambique, agora por percorrer, com meia-dúzia de helicópteros, distâncias de 20 a 30 kms nas chamadas "presidências-abertas" ergueu o seu escritório de trabalho no ar.
Quem não tiver asas não pode ir ao “el comandante”! Os “xiconhocas”, sobretudo aqueles que estavam condenados pela opinião pública por má gestão de coisas públicas são resgatados do antro da incompetência para ocupar cargo de relevo na hierarquia do Estado. Prometeu e cumpriu mesmo: “esta é uma geração da viragem”. Está tudo explicado!
Os “ratos roeram tudo”!
Nota 1: O destino parece andar a tramar o Presi-dente da República, Armando Guebuza. O Governo que ele próprio formou desgoverna-lhe. Tudo lhe corre mal. Há a-quem por cá ousa afirmar que depois das manifestações de1 e 3 de Setembro corrente, o destino do país é governado por piloto automático tal como nos aviões. Verdade ou não, o tempo dirá.
Nota 2: Alguém que seguramente soubesse da minha admiração por Salvador Maurício disse-me (em 205) que tinha visto o finado na então Direcção Provincial da Educação e Cultura da capital do Norte (Nampula). Naquele ano tinha jurado para mim mesmo que, caso não encontrasse Salvador Maurício, colocaria Nampula de pernas para o ar. Nem a almofada de sandálias que levava nos pés, denunciando longa procura, seria incapaz de estorvar tal desejo.
Informado da notícia, fiz-me à rua a uma velocidade de cruzeiro. Mal soube que era ele, aquele homem, sentado numa lapa, aparentando fadiga (bem poderia ser do calor que se fazia sentir nesse dia) não fui capaz de balbucear uma única palavra do latim, o que me deixou (deixa) revoltoso.
Mas em compensação conheci nesse mesmo ano o conceituado escritor Alberto Viegas (um compêndio humano que recomendo a todos os amantes da cultura e não só). Ironia do destino ou não, o certo é que o último trabalho discográfico de Salvador Maurício chamar-se-ia “Viragem”.
Eu sinto-me satisfeito, volvidos quase quatro anos da sua morte, puder dedicar-lhe estas palavras e hmenagem.
Descansa em paz trovador Salvador Maurício!
Fonte: Autarca - 21.09.2010
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