CRÓNICA
Por Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas
“O pior dos males e o pior dos crimes é a pobreza.” G. Bernard Shaw (Dramaturgo irlandês, 1856-1950).
Depois de uma intensa semana de trabalho na academia (a civilização cada vez mais a impor os ditames sobre os desvalidos da sorte; a educação é, seguramente, para o autor destas linhas, a bengala de ouro na velhice) estava previsto um retiro de 15 dias à terra dos poetas, designadamente de Camões, Fernando Pessoa, Teixeira de Pacoaes, Raul Brandão, Vitorino Nemésio, António Aleixo, etc., não fosse a maldita tosse que, quando se alia à neve, é um autêntico buldózer que quebra a paz espiritual e salutar saúde. Como tudo na vida o que parece negativo também tem um lado positivo, cá estou para mais uma reflexão semanal.
Antes de encerrar este desabafo (que o leitor não está obrigado a entreter) queria começar um outro sobre as minhas reflexões. O estrabismo político é talvez dos piores males que acompanha o articulista. O próprio conceito de imparcialidade é em si contraditório, porquanto não há pensamento linear nem princípios inabaláveis, que o tempo não modique. O mais importante é manter o equilíbrio e não ter medo de dar testemunho em ambientes onde a liberdade de expressão é constantemente pulverizada pelo poder político, sem julgar ninguém, mas também sem ficar indiferente às injustiças do tempo.
Portanto, não seria aqui o Gento Roque Chaleca Jr. “handicap” encarregue de curar estrabismos políticos, muito menos possui poderes divinos para ‘embalsamar sentimentos’. As minhas reflexões no Wamphula Fax ou em qualquer outra ‘atmosfera do diálogo’ (que fique claro isso) não são para criar dogmas (mesmo em sociedades dogmáticas os consensos não são constantes). Com estas palavras, confesso, espero ter conseguido salvar a honra dos articulistas e, quiçá, a minha própria, face as mensagens que recebo, sendo que outras leio involuntariamente em certos ‘blogs’, onde sou acusado de não ajustar a balança da imparcialidade.
A imparcialidade nos seres humanos, que ninguém tenha dúvida nisso, é uma questão de circunstância factual e não vitalícia, ela quando não está no culto (na missa) não pode estar na análise política, económica, cultural ou social duma situação qualquer. “É o teatro da vida que a ninguém escapa” como lhe chamou Teixeira de Pacoaes no seu eterno sono.
Depois de servida a sopinha vamos ao que interessa.
“Equipas de trabalho, compostas por membros do governo, empregadores e sindicatos, estão, a partir desta semana, a desdobrar-se para diversos pontos da província de Nampula, com o objectivo de dar continuidade e divulgar a campanha nacional sobre o Diálogo Social e Cultura de Trabalho. A iniciativa surge na sequência da réplica empreendida pela ministra do sector, Maria Helena Taípo, do processo que foi lançado à escala nacional pelo Presidente da República, Armando Guebuza, a 11 de Novembro corrente na capital do país.” Wamphula Fax (edição 1218, de 25 de Novembro de 2010).
Não é preciso ter “dois dedos de testa”, pois qualquer leitor atento à política doméstica ao ler esta notícia poderá concluir, à partida que o governo anda às cabra-cegas consigo próprio. Vai ensaiando políticas evasivas e extenuadas, aqui e acolá, atitudes próprias de um governo afogado e sem leme. Vive inventando novas teorias para justificar os milhares de dólares que a comunidade internacional, de tempo em tempo, vai doando ao nosso país a título de caridade. Como em qualquer colectividade humana há sempre um malandro efémero que se julga de mais esperto e detentor da razão; eis que, neste caso, algum malabarista metido ao saloio entendeu que devia convencer ao chefe do Estado Armando Guebuza que os moçambicanos têm falta de diálogo social e de cultura de trabalho, o que seria a grande descoberta do século!
Descoberta essa que, diga-se de passagem, daria ao governo um Nobel de “Melhor Descobridor” de todos os tempos!
Nunca um governo foi tão criativo como este. A cada despertar da letargia é um novo projecto que nasce, uma nova política que se cria, um novo plano que se ilusiona, uma nova aventura que se aposta, um novo desafio que se intruja, mas também é um orçamento chorudo que se deita fora. Não é a falta de diálogo ou de cultura de trabalho que o país padece, mas sim de um governo sério e perspicaz capaz de transformar o choro lancinante do seu povo em oceano de prosperidade. E isto não se faz com políticas enfadonhas nem com promessas levianas, e sim com trabalho árduo e políticas progressistas que vão de acordo com as necessidades do povo. O “maravilhoso povo moçambicano” trabalha no duro: vinte e quatro horas por dia e 365 dias por ano. Faz das tripas o coração. Diálogo é que não falta, até transborda os corações dos moçambicanos. Não há fronteiras entre os povos de Moçambique. Os conflitos que rebentaram no País nenhum teve a ver como a falta de diálogo, muito menos com a falta de trabalho. Portanto, esta iniciativa de “Diálogo Social e Cultura de Trabalho” é uma aberração, um insulto e falta de respeito para com o povo moçambicano. Haja pudor.
Não tardou muito tempo para que os sindicatos (os ditos defensores dos trabalhadores) se acasalassem com o governo, e os dois juntos vão apinhando o povo com promessas evasivas. Os nossos sindicatos são uma história na História do País. Quando há estiagem nas contas bancárias dos seus faróis (sindicalistas) e até mesmo do próprio sindicato, ouvem-se sons de tambores de descontentamento como se o país fosse acabar nesse dia, mas quando a liturgia do entendimento é para fomentar riqueza (atrelando-se ao governo) nem sequer um miar sair daquelas gargantas. Um casamento perfeito!
Alguém já parou para pensar quanto dinheiro o país gasta com esta campanha enfermiça? Uma campanha que não trás nada de novo, com apenas uma excepção: desta vez o governo leva consigo na caravana os sindicatos e os empregadores, no fundo são as mesmas pessoas de sempre, os mesmos dirigentes de sempre, os mesmos camaradas de sempre que, na verdade, vêm prometendo chupa-chupa ao povo há mais de 35 anos. Há tanta gente neste momento que necessita de assistência do governo em matéria da saúde, educação, justiça, habitação, etc. Ao invés dessas brigadas levar esperança a essa gente sofrida, o cabaz de Natal do governo, ao seu “maravilhoso povo”, será, portanto, sermões! E bem dizia o outro, “a bondade e a generosidade são dois preciosos valores que nos dias de hoje perderam a cotação.” Doença óssea anda no ego de alguns dos nossos dirigentes que, neste país, tem mais do que uma sinecura a encher os bolsos.
Todos nós sabemos onde é que estas “campanhas douradas” vão desaguar, no mesmo oceano de sempre: de relatórios, de convívios e de salamaleques e mais nada. É cultura neste país de Mondlane criar comissões e campanhas de trabalho para durar meia dúzia de meses. Assim morreu (literalmente) o PARPA, o GPZ, o FIIL (vulgo sete milhões de meticais), etc.
E não me vou alongar mais, para não mexer no vespeiro. É uma questão de herança partidária. Assim vai o nosso belo Moçambique!
‘Kochikuro’ (Obrigado).
WAMPHULA FAX – 02.12.2010
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