Caiu a máscara da Justiça Moçambicana
– constata perita das Nações Unidas que esteve em Moçambique a avaliar a independência do sector da Justiça, relativamente ao poder político “Desejo insistir na necessidade da imparcialidade e transparência das decisões judiciais, que devem basear-se sempre em factos e estar de acordo com a lei, sem influências, aliciamentos, pressões, ameaças ou interferências directas ou indirectas indevidas” - juíza Gabriela Knaul
Uma perita das Nações Unidas que esteve a trabalhar em Moçambique na avaliação da independência do sector da Justiça, bem como sobre o acesso à Justiça em Moçambique, concluiu, que a Justiça moçambicana está presa pelo poder político. Há muita interferência do Governo nas decisões judiciais.
“Durante a minha visita, observei que, embora a independência do poder judicial esteja consagrada na Constituição, na prática permanecem muitos obstáculos para que exista um poder judicial verdadeiramente imparcial. Por exemplo, existem indicações que a filiação ao partido no poder, desde 1975, é de facto um pré-requisito para o acesso à administração pública, incluindo a carreira jurídica, bem como para o avanço na carreira jurídica e segurança no trabalho”, disse Gabriela Knaul, Relatora Especial das Nações Unidas sobre a Independência dos Juízes e Advogados, na apresentação do relatório preliminar do trabalho que esteve a desenvolver em Moçambique.
O objectivo da visita da perita das Nações Unidas a Moçambique era avaliar a situação da independência dos juízes, procuradores e advogados, a organização e o funcionamento da profissão de advogado, a eficácia e independência dos órgãos encarregues da gestão do judiciário, a disciplina dos juízes e o nível de acesso da população ao sistema da Justiça.
Também teve como objectivo examinar a observância das garantias do julgamento justo no país, a política e o quadro legal que regulam o judiciário, a independência dos advogados, juízes, procuradores e juristas.
Neste trabalho, Gabriela Knaul, juíza criminal brasileira, reuniu-se com uma série de intervenientes, incluindo funcionários do Governo dos ministérios da Justiça, Finanças, Interior e Negócios Estrangeiros e Cooperação, bem como com os responsáveis pela formação jurídica, ajuda e assistência legal, o sistema prisional, de contabilidade e fiscalização e da administração da Justiça. Também se reuniu com representantes das agências das Nações Unidas, da comunidade doadora, a Ordem dos Advogados de Moçambique, juízes de carreira e eleitos, advogados, procuradores, magistrados, técnicos jurídicos, parlamentares, representantes da sociedade civil, investigadores académicos, para obter a visão mais completa e equilibrada da situação judiciário no país. Além disso, visitou a Cadeia de Máxima Segurança e o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), referiu na apresentação do seu relatório que aconteceu sexta-feira última em Maputo.
A perita da ONU constatou que existe em Moçambique “um quadro legal e político” adequado com um bom funcionamento da Justiça, mas a prática mostra outra realidade. “Esforços devem ser redobrados para criar condições que permitam o judiciário do país funcionar de forma sólida e independente”, disse.
“Desejo insistir na necessidade da imparcialidade e transparência das decisões judiciais, que devem basear-se sempre em factos e estar de acordo com a lei, sem influências, aliciamentos, pressões, ameaças ou interferências directas ou indirectas indevidas”, avançou.
As fragilidades do Conselho Superior da Magistratura Judicial
Num outro desenvolvimento, a juíza brasileira ao serviço das Nações Unidas disse que o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) tem competência para administrar e realizar a supervisão e inspecção, contudo “tem tido dificuldade em realizar estas tarefas de forma eficaz e independente, dada a ausência de leis internas para regerem o seu funcionamento desde 1992, deixando assim o controlo eficaz nas mãos do seu Presidente”.
Recorde-se que o presidente do CSMJ é também o presidente do Tribunal Supremo. Actualmente, o cargo é exercido pelo juiz Ozias Pondja, nomeado pelo presidente da República Armando Guebuza. em 2009, em substituição de Mário Bartolomeu Mangaze, que estava no cargo por um período superior a 20 anos.
“Tribunal Supremo é cemitério de processos”
Aliás, a propósito do Tribunal Supremo, a juíza brasileira disse que este é considerado um “cemitério de processos”.
“Permanecem muitos desafios institucionais para a administração eficaz da Justiça. Há vários anos que o Tribunal Supremo, descrito por diversos círculos como "cemitério dos processos", funciona parcialmente sem o número mínimo de juízes exigido por lei”, disse a juíza, que pede a quem de direito para rever este cenário.
“Faço um apelo ao Governo para tomar todas as medidas necessárias para nomear juízes conselheiros para o Tribunal Supremo, a fim de que possam começar a julgar os recursos, que se apresentam com grande atraso. Gostaria também de instar o Governo de Moçambique a criar todas as condições para que os Tribunais Superiores de Recurso sejam postos em funcionamento na maior brevidade possível e os seus juízes comecem a exercer as suas funções com eficiência e imparcialidade, como medida para resolver o congestionamento grave de recursos no sistema judicial”.
De acordo com a Constituição da República (art. 226, n. 2 e 3), os juízes conselheiros do Tribunal Supremo (TS) são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Conselho Superior da Magistratura Judicial, após concurso público de avaliação curricular, aberto aos magistrados e a outros cidadãos nacionais (…).
Entretanto, desde 2005 que entrou em vigor a actual Constituição, ainda não houve concurso para o apuramento dos juízes. Em 2009, o presidente Guebuza fez transferências dos juízes conselheiros do TS. Transferiu Luís Mondlane que era juiz conselheiro do TS, para juiz presidente do Conselho Constitucional, deixando a vaga por ele ocupada vazia. Transferiu ainda Ozias Pondja que era juiz conselheiro do TS, para juiz presidente do mesmo tribunal. Outro juiz conselheiro que deixou a vaga no TS é João Trindade, que foi para a reforma. José Norberto Carrilho também foi movido do TS para o Conselho Constitucional.
O Tribunal Supremo está desfalcado de 3 juízes. Os substitutos só podem ser encontrados através de concurso público, este que ainda não aconteceu.
Elogio ao IPAJ e CFJJ e a Imprensa
Entretanto, a juíza brasileira, perita das Nações Unidas, elogiou o “trabalho importante realizado pelo Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ)”, como órgão Estatal encarregue de garantir assistência jurídica e serviços àqueles que não podem ter acesso à Justiça por motivos económicos. “Encorajou o IPAJ a reflectir sobre possíveis casos de ética, disciplina e responsabilidade a que os seus técnicos e assistentes jurídicos estão sujeitos”.
O elogio estendeu-se igualmente ao Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ), localizado na Matola, “que oferece cursos gerais e especializados para profissionais do direito”.
“Fiquei preocupada ao saber das limitações actuais para o funcionamento do centro, incluindo a escassez evidente de candidatos qualificados para participarem nos cursos que oferece”, disse, entretanto, a consultora.
A juíza elogiou ainda o trabalho da Imprensa que contribui para a imparcialidade do sector da Justiça. “A informação imparcial e crítica sobre o sector da Justiça contribui para aumentar a consciencialização sobre a importância dum sistema judicial independente e eficaz”. (Borges Nhamirre)
Fonte: CanalMoz (2010-12-13)
17 comentários:
Eu sempre pensei que assim fosse, de modo que não estou nada surpreendida com esta constatação.
Gostaria, no entanto, de ouvir a opinião dos juristas, frequentadores assíduos deste e de outros blogues.
Um abraço com toda a fraternidade da
Maria Helena
Eu nao sei. Mas a alguma coisa que nao bate certo. O ladrao nunca diz que eu sou ladrao. Mesmo depois de ele ser descoberto ade sempre recusar. Por isso Srs. Dirigentes, essa ja nao pega. Por detras duma grande fortuna, oculta-se um crime.
Maria Helena
Duvido que tais juristas apareçam para comentar sobre esta constatação. O que fazem é procurarem alguns temas de diversão, evitando tudo o que é actualidade e sério.
Carreira jurídica condicionada à filiação partidária (partido no poder) é um caso muito sério num país que diz ter um Estado de Direito Democrático.
E como deste modo se pode combate a criminalidade quando é ligada à Frelimo?
Mas o importante é que nós debatamos sobre isto sem nos cansarmos. Um dia colheremos o fruto.
O texto que aqui se avança só traz conclusões e sinceramente não vamos discutir as conclusões sem antes discutir os pressupostos. Que “Há muita interferência do governo nas decisões judiciais” não basta quando não acompanhado de meios que sustentem tal afirmação, aliás, isso qualquer um pode dizer, só não o pode dizer por exemplo o Ex Ministro de Transportes, parte de um Governo que interfere nas decisões judiciais, mas que no entanto está a contas com a justiça.
Aliás, no Tribunal da primeira instância, este foi condenado a uma pena de 20 anos, sendo que, vale a pena questionar: que Marciano julgou e condenou este ex integrante do Governo?
dirão que este é um caso particular, mas, o pode ser também a questão de pensar que o Judicial(e não jurídico) está capturado pelo poder.
Como é que se reflecte a mesma interferência? E como se pode interferir contra um poder independente, contra quem trabalha com a lei e com os ditames da sua consciência? Não será o julgador, o Magistrado, O Advogado que colocam limites a sua actividade como forma de responder a seus preconceitos quando a lei lhes oferece a possibilidade de julgar com isenção? Quantos juízes já foram condenados em Moçambique por julgarem segundo a lei?
O que disse a estudiosa acerca da criação dos tribunais superiores de recurso que se sabe irão aliviar os Venerandos do Supremo? São os três juízes em falta que vao operacionalizar o supremo? No tempo em que o número de venerandos estava completo o Supremo julgava com celeridade?
A constatação Supremo cemitério de processos vem da falta dos três juízes? Estou de farto destes estudos inóquos que constatam e não vão para as causas, para as causas das causas, que não mostram soluções viáveis senão induções por paridade de realidades distintas, que tem as conclusões já antes do Estudo.
Os filosofos do regime estao a procura de premissas para poderem aceitarem aquilo que sabem que é verdade. Em casos complexos como estes em ninguém está disposto a depor por que as consequencias sao imprevesiveis. Quem sabe se de facto o caso do ex-dirigente Munguambe é mesmo um caso particular rodeado de misterios dificieis de desvendar! Apreendemos de Marcelo Caetano, Adam Smith; e o que apreendemos de Ngungunhane?
Nguiliche
Eh triste. Nao vale pena esperar opiniao dos nossos juristas que estao ao servico do governo da Frelimo. Eles tem medo de perder emprego, perder o salario, perder a casa, perder a viatura, e perder muitas coisas facilitadas para uma boa vida.O futuro de Mocambique reside na mudanca. Eh preciso mudar o governo, para dar liberdade aos funcionarios do Estado.
Caro Amosse,
Acho que pulaste ao que essencial neste artigo que também foi publicado na página da Rádio Moçambique e allafrica
em inglês. Eis o que acho essencial: existem indicações de que a filiação ao partido no poder desde 1975 é, de facto, um pré-requisito para o acesso à administração pública, incluindo a carreira jurídica bem como para o avanço na carreira jurídica e segurança no trabalho”, disse ela, na apresentação do relatório preliminar da sua visita.”
Isto é essencial porque assim não sendo, o problema que julgas NÃO EXISTIR, se resolve-se automaticamente.
Amosse, este problema essencial não diz respeito apenas ao poder juridicial, mas à verdadeira separação de poderes. O debate sobre isso não é novo. Como exemplo, posso dar como referência ao debate em Nampula que resultou a um livro com o título: Controle Social do Poder Político em Moçambique: Divisão de Poderes entre outros.
Quanto ao julgamento de António Munguambe que colocas como exemplo de independência, lamento não concordar contigo, mas acima de tudo, me indignas por seres jurista, pois que mais do que eu deves saber aquilo que preocupa ao Instituto de Apoio e Governação (GDI), dirigido por Gilles Cistac. Ou ainda queres dizer que o disposto do o artigo 211 da Constituição da República de Moçambique é apenas teórico? Não há casos que os nossos tribunais não tocam por não se sentirem autorizados pelo partidão?
Como é que podemos excluir que o julgamento de António Munguambe e companhia é apenas de um caso que teria sido difícil de NÃO ACONTECER porque as revelações públicas e seguras foram graças à zanga de madrinhas?
Reflectindo,
Os nossos intelectuais parecem ter uma necessidade subconsciente de “proteger” seus investimentos (o que consideram realidade objectiva), até mesmo da verdade. ... Justificada ou não, a irritação... impede que uma pessoa tenha qualquer percepção da verdade, uma verdadeira crise do que chamamos “dissonância cognitiva”.
Amosse,
Os brasileiros são os indivíduos mais liberais e imparciais que já conheci na vida.
Porém, parece que o MARP também faz menção da questão da independência institucional, mesmo a LDM tem vindo a levantar alguns casos flagrantes no sistema de justiça moçambicano.
O que custa em nós é antes assumir o erro para avançarmos. Eu sinceramente, comecei a notar bom relacionamento inter-institucional entre o Sistema Nacional de Justiça e a Liga dos Direitos Humanos agora na direcção da Dr. Benvida Leví! O que faltava antes? Era o assumir o erro e atacar... sem olhar necessariamente de quem vem a crítica.
O Jeremias Langa, quase sempre insiste na pergunta sobre a competência em primeiro lugar na ocupação de vagas no aparelho do Estado. Isto porque, é um dado que as cores partidárias infelizmente ainda determinam quem pode, quando todos somos moçambicanos! Era suposto que tivéssemos mesmo objectivo!
Enfim, trouxe estes exemplos para ver que, o problema não é o estudo ser encomendando pelas Nações Unidas ou por uma brasileira mas sim, o pensar em como da próxima este assunto não vir ao caso?
Veja, nós não estamos bem na Educação. Mas isto não é só problema de Moçambique e nem esse facto justifica que continuemos com péssimos níveis de qualidade porque em todo o mundo é assim!...
O Reflectindo fala do Art. 211 da CR, para indicar a ausência de independência nos poderes. Veja que nem o próprio PR não o poderá fazer sem consultar o CC!!! Já viu? Portanto, penso que falta muito para nos vangloria...
nao cabe a mim defender o governo de dia, se bem que desprovido de mandato. a mim cabe-me olhar as coisas com alguma frieza e nao misturar o senso comum com estudos cientificos. o que aqui se diz e conversa corrente, mas o que dizia do texto aqui publicado eh que o mesmo trazia somente conclusoes e quica o estudo que aqui nao temos acesso e era importante ter nos traz dados concretos. sobre a independencia queria reiterar que a verdadeira independencia comeca no plano interno e, por mais forte que seja o externo, o interno eh dificil de mudar. o direito eh uma das ciencias que permite dizer nao posso sem dizer nao e o minimo jurista sabe disso. o politico so interfere e grandemente(se assumirmos que interfere), quando encontra uma mente predisposta. tenho exemplos de magistrados tanto judiciais como do Ministerio Publico que nunca se deixaram influenciar porque decisao que seja.
volto ao estudo para dizer que nao temos dados que nos permitam sustentas as conclusoes que esse texto avanca e sendo jurista e por mais mediocre que seja, nao devo discutir sem elementos factuais demonstrativos da realidade e uma outra coisa que estudo nao aborda: sao os limites temporais da dita interferencia; ja me explico: o estudo deveria reflectir dados comparativos, porque a existir a interferencia ela nao se deve reflectir nos mesmos termos que se reflectia em 1975 por exemplo, sendo para questionar: tende a aumentar ou a diminuir?
Caro Amosse
O que foi publicado, não sei se é um estudo. Pelo que entendi no texto a juiza Gabriela Knaul fala de constatacão.
Por outro lado, continuas não falando do que é mais importante. E eu continuo a dizer que a interferência ou não interferência do poder político ou executivo não dependente de milhares de livros que o jurista tiver lido, mas na base de verdadeira separacão do poder.
Tentei dar referências, mas se o amigo Amosse pensa que são conversas da barraca, que posso eu fazer?
Prometo voltar ao assunto e vou colocá-lo na actuilidade.
Justificada ou não, a irritação... impede que uma pessoa tenha qualquer percepção da verdade, uma verdadeira crise do que chamamos “dissonância cognitiva”. "Chacate"
Eu não penso que as pessoas não estejam a compreender, mas que não queiram assumir as suas próprias percepcões. Elas entendem do que se fala e não é por acaso que seleccionam o que dizem. É só ver que muitos compatriotas optam por não dizerem nada em muitos temas.
O que a gente tem que fazer é insistir com debates.
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