Segundo o Africa
Confidential
Os Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE) estão a exercer uma grande pressão para obrigar o Governo moçambicano e a Procuradoria-Geral da República a limitar o âmbito da auditoria internacional às chamadas dívidas escondidas, revela a mais recente análise do Africa Confidential (AC), uma publicação especializada em assuntos africanos, com sede na Inglaterra.
“Quadros seniores
do SISE estão muito preocupados com a eventual publicação dos contornos das
despesas anteriormente não reveladas”, diz a análise, intitulada “O peso da
dívida e da guerra”, numa alusão à violência militar em curso no país e à
espiral da dívida pública, que o próprio Governo moçambicano já considerou
insustentável.
Recentemente, o
Wall Street Journal citou António Carlos do Rosário, presidente do Conselho de
Administração da Ematum, Proíndicus e MAM, as três empresas que beneficiaram
dos chamados empréstimos escondidos, como tendo afirmado que “o financiamento
seguiu todos os procedimentos legais” e “a natureza específica da dívida e dos
detentores da mesma foi classificada por razões de segurança nacional”. Sobre
as chamadas dívidas escondidas, USD622 milhões são da Proíndicus, USD535
milhões MAM e USD221 milhões são do Ministério do Interior.
As ingerências do
SISE, entende o AC, sugerem que os registos de dois mil milhões de dólares de
empréstimos escondidos estão arquivados nas contas das três empresas
beneficiárias das dívidas, todas ligadas à secreta moçambicana, ou a companhias
irmãs.
Os termos de referência da auditoria, já adjudicada à firma de detectives norte-americana Kroll, prossegue a análise, poderão ser mantidos em segredo, decorrendo negociações entre as autoridades moçambicanas, Fundo Monetário Internacional e a Kroll, no sentido de os contornos da auditoria não virem à superfície.
O AC considera que o paradeiro dos avultados montantes das dívidas escondidas e as alegadas compras de material militar pelo dinheiro dos empréstimos só serão publicamente conhecidos, caso tal cenário seja previsto e incluído nos termos de referência.
“Esta situação tem provocado críticas dos doadores e da sociedade civil, que consideram que num exercício sobre transparência, tais detalhes não devem ser mantidos em segredo. Também tem alimentado especulações de que o Governo ainda está a tentar esconder certos aspectos dos negócios suportados pelos empréstimos escondidos e poderá conseguir manter esta situação”, refere a avaliação do AC.
A publicação
inglesa considera haver claros sinais de que a verba contraída à revelia da
Assembleia da República e da comunidade internacional foi mal usada.
Ademais, há receios
de que o Governo moçambicano pode estar a esconder mais dívidas, apesar das
aparentes garantias que têm sido dadas pelo ministro da Economia e Finanças,
Adriano Maleiane, de que não há mais empréstimos escondidos.
“Depois de todas as mentiras e incompetência, os doadores e investidores perderam confiança em Moçambique. Eles estão à espera de garantias do FMI, mas é pouco provável que o FMI se comprometa com um novo programa com Moçambique, antes de obter toda a informação sobre a situação financeira do país e da estabilização da dívida de Moçambique para níveis sustentáveis”, considera o AC.
O Governo,
continua, o documento, levou mais de três anos a tentar esconder as dívidas e
manteve-se em negação, mesmo depois de a informação sobre a existência de
empréstimos escondidos ter começado a vir a lume.
O aval dado pelo
anterior ministro das Finanças aos empréstimos contraídos pela Ematum,
Proíndicus e
MAM é ilegal ao
abrigo da lei moçambicana e foram mantidos em segredo, mesmo de ministros
importantes do anterior Governo.
Elites da Frelimo
na compra de armas para o Estado
O AC cita fontes da
Frelimo que admitem que uma parcela dos dois mil milhões de dólares foi usada
para a compra de armas. Podem não ter sido as três referidas empresas que
compraram o equipamento militar, mas outras entidades a elas ligadas.
“Fontes próximas do
SISE reconhecem que há um enorme pacote militar que terá de ser explicado aos
auditores. Parte dos dois biliões de dólares foi usada para permitir a compra
de armas pelo Estado, através de empresas a ele ligado”, indica o AC.
Recursos
provenientes de empréstimos comerciais, não destinados à compra de armas,
prossegue a análise, foram despendidos em equipamento militar por indivíduos
com fortes ligações políticas, que tiraram grande parte destes negócios,
transacionando em nome do Estado, nomeadamente membros de elites da Frelimo.
O AC argumenta que
os empréstimos garantidos às três empresas serviram como “garantia colateral”
para a contracção de novas dívidas. Uma das facturas avançadas é de que poderão
existir mais USD900 milhões gastos em equipamento militar. O AC menciona que
até agora não foi revelado com quem foi contraída a dívida de USD228 milhões do
ministério do Interior, mas adiantam que tudo indica ser a R. P. da China o
credor.
Ainda segundo o AC,
uma avaliação das despesas suportadas pelo montante dos empréstimos revela que
pelo menos um bilião de dólares evaporaram. Algumas fontes acreditam que o
valor pode ser bem mais superior.
De acordo com o
texto da análise, não restam dúvidas de que valores colossais dos empréstimos
escondidos foram desviados das empresas supostamente beneficiárias, de forma
directa ou indirecta: para enormes aquisições militares.
As compras para as
Forças de Defesa e Segurança foram intermediadas através de um complexo esquema
e uma estrutura envolvendo, em parte, entidades privadas, delineados para
proporcionar comissões chorudas a elites da Frelimo e mascarar o uso de dívidas
comerciais para fins militares.
As aquisições
incluíram não apenas armas e veículos militares, dizem fontes da Frelimo
citadas pelo AC, mas largas somas de dinheiro foram gastas no treinamento de
Forças de Defesa e Segurança do Estado, equipamento de vigilância e injecção de
enormes recursos nos serviços secretos moçambicanos.
Para corroborar a sua tese, o AC entende que a capacidade de vigilância electrónica por parte do Estado moçambicano aumentou. A crescente repressão às liberdades civis e à Renamo indica que há um recurso mais incremental a um sistema de vigilância mais sofisticado à Internet e aos emails.
Um sistema de vigilância
de última geração terá sido fornecido pela companhia chinesa Zhong Xing
Telecommunication Equipment Company Limited (conhecida como ‘ZTE corporation’).
O jornal “Canal de Moçambique” mencionou que Mussumbuluku Guebuza, o filho do
antigo presidente, esteve envolvido na compra de novo armamento e no contrato
de vigilância electrónica ganho pela empresa chinesa.
Alegadamente, o
sistema, gerido a partir de um centro de comando ultra-moderno em Maputo, pode
interceptar e registar inúmeras comunicações, incluindo chamadas e emails, e
aceder a mensagens encriptadas.
Há, por outro lado,
prossegue o AC, citando fontes nas universidades moçambicanas, sinais de
aumento de vagas de recrutamento por parte do SISE, e pessoal que tinha deixado
a secreta moçambicana tem estado a voltar, aliciado pela melhoria de condições
de trabalho.
Também têm sido
notadas evidências de que a Força de Intervenção Rápida moçambicana conta na
sua frota com novos veículos, como se terá visto em acções visando impedir
manifestações contra a crise da dívida e há relatos de que armas de pequeno
porte provenientes de Israel estão à disposição das forças de segurança.
Fonte: SAVANA – 25.11.2016
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