terça-feira, setembro 18, 2012

Movimento Islâmico de Moçambique: dos raptos à inclusão dos muçulmanos no poder - uma solução religiosa para um problema não religioso

O Islão não é isso. É uma religião de paz. Infelizmente a História Islâmica foi invadida por muitos Camais.


Por Gulamo Tajú

Um grupo de muçulmanos, organizou/convocou um conjunto de reuniões entre 24 e 26 de Agosto de 2012, no Centro Cultural Islâmico (Maputo, Av. Albert Lithuli). A agenda era discutir a onda da criminalidade (manifesta, nos últimos tempos, sob forma de raptos). Vários cidadãos, principalmente empresários e maioritariamente muçulmanos, tinham sido raptados com exigências de somas avultadas para o seu resgate. Esta reunião tanto podia ter sido aonde aconteceu, como no Clube (ou Associação) dos Empresários. Em jogo estavam 2 identidades: o empresário e o muçulmano. Preferiram activar - sabem eles porquê - a identidade muçulmana. Mas não deixaram de convidar tanto os não empresários, quanto os não muçulmanos. E lá estiveram: os não muçulmanos e os não empresários.

A causa era comum. E a solidariedade humana impregnava as pessoas presentes. Pressionar o governo a reforçar as medidas de prevenção e combate ao crime organizado, e agora manifesto sob forma de raptos, era o motivo solidário da presença e participação de muitos. Mas havia uns que não viam isso só. Oportunidade para visibilizar e pôr em marcha um Movimento Islâmico de Moçambique estava presente e já havia sido ensaiado no lenço. E Amad Camal, ignorando os não islâmicos e assumindo-se porta-voz de todos os muçulmanos, veio rubro à Linha Aberta da STV, na noite de 28 de Agosto para nos dizer que o “seu” Movimento Islâmico pretendia “negociar com a Frelimo a inclusão dos muçulmanos no poder, pois era previsível que nos próximos dez anos a Frelimo seria o partido no poder” e que “muito por culpa dos intelectuais e dos media está-se a racializar, asiatizar este movimento” e que “98% dos muçulmanos deste país são negros e pobres”.

Aqui começam as interrogações:

1. Muçulmanos no poder? E Cristãos no poder? E Hindus? E ateus?.... (e já de boleia: e os brancos no poder? Os negros no poder? Os mulatos no poder? Os yao no poder? E os Maconde? Os Nyanja? Macua? Chuabo? Nyugwe? Barwe? Tewe? Ndau? Sena? Chopi? Tonga? Tswa? Ronga? Shangana?.... Então, mudemos a Constituição da República. E organizemos Assembleias para eleição dos representantes de cada uma dessas identidades grupais. Será esse o caminho que o “Movimento” nos aponta?

2. Querem nos lançar na confusão como na Nigéria? Harmoniosamente sempre convivemos. Exemplificativamente: sou de origem islâmica. Mãe das minhas filhas é Católica Apostólica Romana. Minhas filhas, maiores de idade, por opção informada, há 2 anos adoptaram o islão. São muçulmanas convictas e amigas da mãe católica. Muitas famílias moçambicanas são assim. Onde é que Camal nos quer levar? Aos caos?

3. Embora o poder neste país não seja construído em linhas religiosas, étnicas, raciais, ou de outra forma segmentárias, os muçulmanos não têm sido considerados “cidadãos de 2ª categoria”, e as suas práticas têm sido respeitadas neste país. O Primeiro-Ministro é muçulmano, a Chefe da Bancada da Frelimo na AR (e membro da Comissão Pol+itica da Frelimo) é muçulmana, a Secretária do CC para Relações Externas da Frelimo é muçulmana. Muçulmanos são vários deputados de todas as bancadas (da AR, AP, AM), Ministros (e Vices), Provedor da Justiça, Presidentes e Vereadores de Conselhos Municipais, Directores Gerais, Nacionais e Provinciais, etc. Nos diferentes partidos políticos existem muçulmanos. De que casta são os muçulmanos de que Camal e os seus seguidores ou pares dizem não estarem representados no poder? Ou há muçulmanos e muçulmanos? Ou acham que os outros tem o islão de empréstimo e eles são os verdadeiros donos?

4. No início do mandato do actual governo, como professor que sou, tive o privilégio de participar num programa de formação dirigido aos novos dirigentes deste país. Durante aqueles dias, a comida servida era halal. Toda ela. Não havia uma parte halal e outra não. Na sexta-feira, a hora do Juma, muçulmanos foram dispensados para irem a Mesquita e cumprirem com o seu dever religioso. Recentemente, no mês de jejum (Ramadan) participei numa reunião, a hora do iftar (quebra do jejum) tudo estava organizado para isso. E esta postura não é episódica e ilustra o quanto o islamismo é respeitado neste país.

5. Aonde é que o Islão foi ferido? Por quê que se procura uma resposta religiosa para um problema não religioso? Onde está a lógica? Espaços de culto e de residência do prelado da Igreja católica já foram vítimas do crime. Assaltados e padres assassinados. Lembro-me do padre católico de Liqueleva (zona próxima da minha residência) assassinado recentemente. Não por razões de ordem religiosa. Mas pelo crime. Não ouvi D. Chimoio ou outros dignatários a organizarem crentes em Movimento Cristão para reivindicar algo junto ao governo. São insensíveis? Desumanos? Alheios ao sofrimento de outros? Não acho.

6. Quando essa casta, por atitudes e agregação, exclui os outros muçulmanos do centro dos seus interesses e reivindicações, como não induzir a “asiatização”? Se 98% são pretos, as imagens das reuniões havidas no Centro Cultural Islâmico, na baixa de Maputo, passadas nos canais de TV (eu vi TVM e STV) reflectem o predomínio dos 2%. Como não induzir à “racialização”? Mesmo em assuntos eminentemente religiosos, são os mesmos que nos dividem: chegamos a celebrar a festa do Ide em dias diferentes. Dividindo irmãos.

7. Este “Movimento Islâmico” produziu mais danos à imagem da nossa religião Islâmica. Cristalizou mais os preconceitos existentes e muito acentuados pelo Ocidente sobre o Islão, como uma religião fanática, fundamentalista e terrorista. O Islão não é isso. É uma religião de paz. Infelizmente a História Islâmica foi invadida por muitos Camais. Que Allah (Deus, em árabe) me oiça, para que gente de bem continue gente de bem, e a paz e harmonia permaneçam connosco.
Fonte: Rádio Moçambique – 18.09.2012

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