Por Victorino Xavier
“Isto não passa de uma novela ou filme de animação. Isto é muito mau para a garantia da nossa justiça”, estas são palavras do procurador-chefe provincial, Arone Nhaca, nas alegações finais do julgamento do procurador do distrito de Govuro que esteve na barra da justiça, acusado de condução ilegal.
Pese embora tenha sido a sua instituição, o Ministério Público (MP) a acusar o seu próprio colega, Mário Cândido Marione, que na passada quarta-feira conheceu o veredicto final, Nhaca não se coibiu de, a dado momento, virar os “canos” para a própria máquina da justiça moçambicana.
É que para aquele magistrado, é muito perigoso para a justiça do nosso país quando alguém é levado ao banco dos réus sem ter conhecimento do processo que corre sobre si, tal como declarou Mário C. Marione, durante o julgamento.
O caricato ainda desse julgamento, que Arone Nhaca considerou de novela, é que o acusador levou o processo ao tribunal com algumas lacunas, como é o facto de não ter havido peritagem por parte da Polícia de Trânsito, no local do acidente de viação. Constituiu espanto da instituição que acusou, o facto de ter sabido ao longo do julgamento que mesmo após ter havido a deliberação do Conselho Superior da Magistratura Judicial do Ministério Público para procedimento criminal, para o seu próprio funcionário, com funções de chefia, o réu não teve conhecimento.
Por outro lado, quase que foi um “balde de água fria” para o Ministério Público naquele julgamento, quando ouviu dizer que afinal a viatura que embateu contra a outra da Secretaria Distrital de Govuro, no Dia dos Heróis Moçambicanos, não era conduzida pelo réu, mas sim por uma outra pessoa que se pôs em fuga depois do sinistro.
Ercília Assis, a juíza da causa, ficou um tanto ao quanto aborrecida ao entender que a revelação de Mário Cândido, não passava de provável tentativa de manipulação do julgamento.
“Eu penso que estou a falar com alguém bem instruído, com capacidade suficiente para perceber que as pessoas que estão nesta sala, também sabem analisar e perceber muito bem as coisas. Portanto, não é ético da parte do senhor, trazer aqui novos dados ou uma outra versão”, expressou-se nestes termos a juíza, apelando ao réu para não atirar a responsabilidade do acidente a outrem.
A verdadeira novela do julgamento estava a iniciar de facto e atingiu momentos de animação, tal como disse Nhaca, quando duas funcionárias do Tribunal Distrital de Govuro, arroladas como declarantes, simplesmente fizeram um “espectáculo”. Uma decidiu mudar as declarações alegando que no dia em que foi ouvida pela Polícia de Investigação Criminal (PIC) foi severamente agitada e a outra, por sinal, escrivã de Direito, nem sequer se lembrava da cor da viatura que ela própria lavrou um termo de entrega sob forma de fiel depositária a uma cidadã de Nova Mambone.
A juíza da causa “aqueceu” e por um triz mandava prender as suas próprias colegas, pois percebeu e declarou em tom alto que as duas funcionárias estavam a prestar falsas declarações em pleno julgamento, situação que dá direito a prisão.
“Se quiserem brincar com o tribunal, neste minuto vocês podem passar de declarantes para réus, querem isso?”, inquiriu Ercília Assis, pois aquele julgamento estava a se transformar num filme de animação.
“E prontos, todos falaram e deixaram a “batata quente” para o tribunal decidir. Se a funcionária do tribunal esteve embriagada quando viu o procurador a conduzir uma viatura de cor branca e foi agitada na PIC, então hoje fumou e até pode ter recebido dinheiro para negar ou aceitar algo que favorece alguém ou que incrimine outra”, pronunciou-se nestes termos Ercília Assis, manifestando o seu desapontamento naquilo que disse se tratar de manipulação.
Confesso que, provavelmente, terá sido a primeira vez que estive cerca de cinco horas de tempo sentado sem me levantar uma vez sequer e sem sonecar. É que o julgamento acabou sendo interessante, pois quanto mais chegavam os intervenientes, réus e declarantes, havia sempre um dado novo e isso interessou-me a seguir tudo, até que fiquei com a sensação de que afinal é possível manipular a justiça.
Fonte: Jornal Notícias – 14.09.2012
THE MOZAMBIQUE TIMES nº 02 24.11.2024
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