segunda-feira, novembro 01, 2010

O ESTADO FISIOLÓGICO DA EDUCAÇÃO NO PAÍS

CRÓNICA

Por: Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas

As pessoas de verdadeiro valor estão fora das universidades.
É chocante ver docentes apresentarem-se com o título “prof. Doutor.”, cuja indigência mental é evidente a todas as luzes. Os erros do sistema de ensino residem essencialmente nos professores. Os alunos são apenas um dado do problema. José Hermano Saraiva, Historiador Português.
Os efeitos da política de Guebuza fazem-se sentir em toda dimensão no país. O desemprego, a par da degradação das condições de vida e de trabalho, não param de subir. À semelhança da Agricultura, a Educação é o exemplo claro de um sector que não passou da mediocridade e do improviso, apesar dos remendos que nele se coloca.
A única diferença substancial que se verifica é que no sector da Agricultura há um baile contínuo de ministros em testes como se fosse o vaivém espacial em mais uma acção aziaga da NASA em descoberta de poços de petróleo no deserto de Sahara, por outro lado, no sector da Educação é o elevado número de políticas que não conduzem o país senão ao muro das lamentações.
Sabemos e sabemos muito bem o quanto o governo gasta em projectos insustentáveis que vão desde à destruição dos saberes até o escangalhar de valores étnicos, culturais e sociais, mas também, a proliferação de nadosmortos em matéria ligadas à Educação. Neste capítulo infeliz, parecendo que não, temos bandeira de honra e glória a flutuar no pódio.
Uma visita ao site do Ministério da Educação (MINED) é possível verificar o desfile de instituições engalanadas, de pouca objectividade, onde reina à reprodução de aleluias de subjectividades; instituições essas que importam políticas educacionais do estrangeiro, que nada têm a ver com a realidade concreta do país, mas lá estão – ao que tudo indica – para incrementar medidas no sector em referência! Só não somos ainda um País de primatas porque de facto há oásis, dentro do sector da Educação, que tentam milagrosamente inverter o quadro negro da situação.
Alguém entendeu numa dessas viagens ao estrangeiro que devia convencer o MINED a introduzir as chamadas “passagens automáticas” nas escolas públicas, e foi dos piores improvisos que alguma vez se importou.
Uma medida aventureira como esta extravasa, de uma ou de outra maneira, a descolagem de um sector que continua a marcar passos de gigante rumo à Antiguidade Histórica.
Tudo parece lógico que as chamadas “passagens automáticas” foram introduzidas para justificar aos doadores que o sector da Educação está comprometido em erradicar o analfabetismo no País. Na prática estas medidas estão revela-se insanas e aventureiras, porque não é capaz de colocar as nossas crianças a pensar, a reflectir e a discutir problemas.
Não resta a menor dúvida de que com este sistema as nossas crianças saem piores do que entram nessas escolas. É como se fosse uma esponja que absorve todo o tipo de líquido, isto é, que não é capaz de questionar as coisas com racionalidade, muito menos colocada à prova. Isto não só estraga a mente da criança como asfixia a sua capacidade reflectiva.
Não há nenhuma aprendizagem nova digna de realce senão a evocação de deuses de um certo partido e o decorar das letras do abecedário. Este é um sistema que não presta nenhuma atenção a essência dos problemas dos estudantes, dos professores e do funcionamento das escolas. Funciona mal e os resultados estão à vista. Nem os nomes desses deuses postos a decorar as crianças conseguem memorizar. Já nem falo das datas!
Enquanto os principais desafios do MINED forem de natureza política e não propriamente de cariz técnico, o parto defeituoso dos estudantes é para continuar. Dizia António Nóvoa que “A escola não está ao serviço de um projecto de ocupação, de agenda ou de entretenimento das crianças.” Para aquele educador português, “A escola está ao serviço de aprendizagem.”
Basta ver o Processo de Bolonha agora introduzido nas nossas universidades para verificar a grande trapalhada em que este governo se meteu. Viciado em apreciar as coisas por baixo, sem qualquer estudo sério de impacto conjuntural (económico, social, etc.) lá avançou com mais uma “ideia genial”. Não entendo patavina o porque deste ‘tchapo-tchapo’ todo ou seja da correria em formar “projectos de doutores”!
Como corolário disso, assiste-se hoje a fuga massiva dos famosos empresários de sucesso em áreas como a fé religiosa, a agricultura, o comércio, a indústria para se dedicarem ao ‘dumanengue’ do ensino. Eis a razão das 38 universidades que o país pariu nos últimos 35 anos. Universidades sem salas de aulas, sem laboratórios, sem itinerário, sem o mínimo de condições, enfim, sem universalidade nenhuma! Alguma delas, 1 ano depois da sua criação, ainda se dá o ousio de atribuir prémios ‘Honoris Causas’ a figuras polissémicas da História Nacional. É preciso não esquecer nunca que o Processo de Bolonha é custoso e não se faz com casas de pau-a-pique ou expulsando as nossas crianças das escolinhas para dar lugar a aspirantes à doutores, mas sim com meios e profissionais a altura. Não é necessário fazer-se uma sondagem assente numa amostra com validade estatística para compreender que o processo de Bolonha é uma treta. Não serve para os seus criadores e nunca há-de servir para os seus copiadores.
Por outro lado, o actual sistema da educação não se compagina com os valores académicos. Títulos toda a gente quer ter, poucos é que sabem usar com responsabilidade. Sempre que falo de títulos académicos vem-me à memória o golpe verbal que recebi de um professor universitário em Nampula quando, por lapso, lhe chamei de “ilustre professor” e não, como ele queria, de “professor doutor”. Nunca consigo apagar a imagem daquele professor de Geografia que, na minha apreciação, o tal professor não tinha nada de lente, nada de fenomenal, nada de brilho moral e intelectual, era mais um decorador de livros do que um apreciável investigador.
Ao contrário do professor João Mosca, não me oponho tanto quanto ao número de universidades existentes, até porque elas são necessárias nas áreas rurais e de menor impacto económico. Sou apologista da criação de institutos politécnicos, de escolas agrárias e de universidades que ensinem o povo a governar. Este governo faz pouco e passa a vida a estragar o pouco que constrói. ‘Kochikuro’ (Obrigado).
PS1: Piratas cibernéticos invadiram, viciaram, sabotaram e bloquearam o meu anterior e-mail. Deixo no entanto aos leitores um novo correio electrónico de um novo provedor, ao que parece, de muito mais SEGURANÇA em relação ao anterior.
PS2: Uma palavra de pesar aos familiares das vítimas do acidente de viação ocorrido no passado dia 29/10 em Nampula. Esperava que o governo decretasse luto nacional em memória dos 18 moçambicanos perecidos nesse acidente. De resto não é atitude surpreendente para mim, porquanto um ex-ministro do Interior - de que estamos lembrados pelas manifestações de 1 e 3 de Setembro - chamou o povo moçambicano de vândalo… Lembram-se dele?

Fonte: WamphulaFax – 01.11.2010

4 comentários:

Heyden disse...

"Os erros do sistema de ensino residem essencialmente nos professores. Os alunos são apenas um dado do problema. José Hermano Saraiva, Historiador Português".

E afirmacao de um Historiador. E um idiota, ou deve estar a referir-se aos professores de Historia do seu pais. E que afirmacoes deste tipo devem ser "Research-based". Senao sao apenas 'Beliefs' e nao transitam ao nivel de 'Knowledge' para serem usadas como um referencia de cariz academica. E os Beliefs nao entram no debate academico porque sao regulados pelos principios de:
1. Non consensuality.
2. Variability of the degree of certitude.
3. Evaluative nature (good/bad, positive/negative).

Nelson disse...

Não precisa de nenhum research para perceber que a tal afirmação é realmente uma simples crença porque basta entender que o sistema de ensino(o conceito sistema já implica vários componentes) é composto de vários componentes, para entender que o facto do sistema não funcionar não se pode nunca atribuir responsabilidades à um único componebte(professor)

Reflectindo disse...

Quanto à afirmação de José Hermano Saraiva, Historiador Português, e sendo apenas isto que lemos, entende-se que é apenas uma crença. Provavelmente ele tenha escrito mais, mas a isso não temos acesso.

Ora, eu acho que o conteúdo deste artigo é outro. Tenho em mim que mais fala da política educacional em Mocambique e da questão que o economista João Mosca nos coloca para reflectir a ler aqui: 38 universidades ou empresas? Qual é a diferença entre uma universidade e uma empresa? O que é uma universidade? As nossas são todas elas universidades ou instituicões do ensino superior?
Alguns podem entender que a questão é ser chamado doutor ou que os outros estejam contra, mas de fundo questiona-se a qualidade do ensino e consequentemente a forca de trabalho para impulsionar o desenvolvimento do país. Porquê muitos dos privados nunca criam criação de institutos politécnicos, escolas agrárias, escolas de artes ofícios, mas uma universidade sem professores qualificados nem salas de aulas, isto para não falar de bibliotecas e laborátorios? Não será para apenas atender aos sedentos de diplomas para epítetos ou outros interesses pessoais e que nada servem ao país?
Há exemplos que não se divulgam e esse é a exemplo da Escola Agrária de Nacucha em Nampula. Penso que é este tipo de instituicões que urgentemente precisamos.

Quanto à política educacional, verifica-se que depois de termos iniciado o Sistema Nacional de Educação, SNE, com pilares sólidos, eis que ultimamente nem se sabe o que vai-se decidir de ano em ano ou de ministro em ministro. O SNE tinha sido bem concebido e bem preparado. Lembro-me passamos alguns anos a estudá-lo e a divulgá-lo antes que em 1983 foi introduzido com a 1ª classe. Não penso que não deviam haver revisões do SNE e adequá-lo ao tempo, mas que qualquer revisão devia ser bem reflectida e estudada para a sua sustentabilidade.

Mas tudo isto quer a participacão de todos os actores e nós somos parte desses actores.

V. Dias disse...

"Porquê muitos dos privados nunca criam criação de institutos politécnicos, escolas agrárias, escolas de artes ofícios, mas uma universidade sem professores qualificados nem salas de aulas, isto para não falar de bibliotecas e laborátorios?"

Penso que Reflectindo coloca questões pontuais sobre as quais devemos reflectir todos.

Relativamente a Heyden, não se pode ignorar uma pessoa de 90 anos, independentemente do seu passado histórico.

José Hermano Saraiva, sem querer ser seu advogado, é a bandeira de Portugal e, portanto, os seus conhecimentos, contributos em História, são reconhecidos em todo o mundo.

Agora, que há doutores a mais - tal como se vê - isto há. Diga-me, caro Heyden, quantos institutos politécnicos é que o País possui? E universadades? Num País rural como o nosso.

Outra coisa, a base para o sucesso do ensino - qualquer - depende dos professores, não obstante outras condições socio cultural, económica, organizacional, etc.

Zicomo