CRÓNICA
Por Gento Roque Cheleca Jr., em Bruxelas
“…Que se guerreiem entre eles até ao extermínio. Nós [animais irracionais] não temos nada com isso. Paz completa, naquela gente? Nunca. São soberbos demais. Nós não sabemos e eles próprios também não sabem porque se degladiam constantemente. Sempre que estejam gozando dum pouco de sossego, surge, entre eles, um espertalhão que há-de arrastar os outros para uma terrível zaragata donde de parte a parte morrem milhares deles para, no final, os restantes se recolherem às suas palhotas com pernas e braços partidos e alguns com órbitas vazias. Tal é a vida que eles levam neste belo Mundo. É uma raça que assim nasceu e assim viverá até chegar o grande dia do julgamento.” Arrone Fijamo in “Ecos de Inhamitanga”.
Quando a democracia é de plástico e extermina os valores da liberdade e da justiça, por maior que seja o esforço no sentido de se estabelecer uma charneira de diálogo e da concordia entre os homens, cria feridas que sangram no mais pequeno toque. Por muito que se queira empalmar e enfeitar a cor-de-rosa o cenário político nacional, o clima de crispação instalado no seio e entre os partidos políticos, o surgimento de claques em defesa desses antagonismos, não deixa margem para dúvida: a verdade é que a democracia que se vive hoje no País (não conheço outra) é artificial!
O recente «ultimato» do líder da Renamo, Afonso Dhlakama, ao Presidente da República Armando Guebuza ̶ extensivo ao partido Frelimo, faz jus a tese dos que advogam que a tão propalada democracia moçambicana, muitas vezes defendida pela Frelimo como salutar, afinal não passa de um fiasco. Com o autoproclamado ‘pai da democracia’ (não sei quem será a mãe) refém da vontade política da Frelimo (para não usar a singular expressão jornalística ‘politicamente detido’ em Nampula), cresce a ideia de que Moçambique, apesar do ‘postiço democrático’, é monopólio da Frelimo.
Qualquer que seja a causa de um ultimato produz resultados negativos em ambas as partes em conflito, sobretudo para o povo. É sempre o povo macambúzio e desamparado quem, na verdade, paga a factura da irresponsabilidade moral dos políticos. É bom que se recorde, sobretudo aos incautos, que os epílogos dos ultimatos da História Mundial em geral e da História de Moçambique, em particular, tiveram consequências dolorosas. Seria penoso para Moçambique se, de facto, o líder da Renamo decidisse entorpecer o país com ameaças de manifestações violentas que, no entender dele, “de proporções iguais ou superiores as de 1 e 3 de setembro.”
O País, suspenso entre o passado e o futuro, incerto ainda quanto ao caminho a percorrer, vai assistindo, tristemente, a dramática novela de «ultimatos» que envolve a Ranamo e a Frelimo. Uma novela sem fim à vista. Desta vez, não tenhamos dúvida nenhuma: o povo moçambicano não estará disposto a alimentar atritos pessoais de ninguém, muito menos apetites de nenhuma força político-partidária até porque, por um lado, o povo sabe que tanto a Frelimo como a Renamo são ‘farinha do mesmo saco’ e, portanto, já não servem para governar o país; por outro lado, essa seria uma guerra de dois partidos rivais que se encarrapitam pelo poder e mais não tem outro objectivo.
Apesar de não estar claro os motivos que levaram o líder do maior partido da oposição a enviar um «ultimato» ao chefe do Estado Armando Guebuza, e ao partido Frelimo, a violência das suas declarações emanadas de um encontro nacional com a “claque” do seu partido, na chamada capital do norte (Nampula), deixa transparecer a ideia de que havia, entre as partes, um compromisso de honra entretanto falhado. Se há um «ultimato», sejamos claros, é porque houve de facto um “túnel secreto” de correspondências encalhadas. Em outras palavras, não há ultimato sem trabalho de secretaria.
Dhlakama não se “refugiou” em Nampula à toa. A história do romance com a dita cuja não passa de um conto de fadas. É mais uma daquelas peças teatrais para Gilberto Mendes e a sua rapaziada reproduzirem em obras de arte. Além do mais, na minha opinião, o líder da Renamo é “prisioneiro voluntário” desse alegado cativeiro político. Dhlakama que mantém um exército de homens armados dos pés até os dentes, em Maringuè, com toda a astúcia militar que lhe é característico, por incrível que pareça, têm preferido à humilhação. Porquê será? Até onde se sabe, os ‘cizentinhos’ que policiam a residência do líder da Renamo são gaiatos comparados à experiência da sua guarda pessoal. Que o diabo seja surdo e mudo (e será), nada de guerra. É apenas uma hipótese minha, afinal também mereço alguma caturrice.
Há coisas que acontecem no nosso País que só teriam cabimento mental num rectângulo de matraquilho ou numa daquelas obras de Picasso. Ainda que mal pergunte: quanto custou a paz para andarem a brincar a «ultimatos»? Teria muitas dúvidas em negar que grandes partes das patologias que enfermam o País são de causas naturais. A verdade é que elas (patologias) são mais políticas que naturais.
Ora, quando a patologia de um país reside na intelectualidade dos seus políticos / governantes não há farmácia que cure esta doença a não ser a educação.
A este propósito Arrone Fijamo na sua obra bíblica “Ecos de Inhamitanga” dá voz aos animais, e remata: “Calculem que, dos vários problemas que Deus nos distribuiu, [dizem os animais irracionais] eles ainda não conseguiram resolver nenhum. E mesmo entre eles, a respeito de tais problemas os que se julgam mais espertos, por isso se arrogam o direito de se considerarem evoluídos (são realmente muito espertos) conscientes da incapacidade de solucionar qualquer dos problemas, conformam-se com os seus erros e assim têm andado a ensinar aos outros que eles vexam com diminutivo cognome de ignorantes.”
Até os animais irracionais às vezes conseguem ser mais racionais do que o bicho Homem. Veja-se a união e obra das formigas; o amor do camaleão pelas suas criaturas: sacrificam a própria vida para o nascimento de novos rebentos de camaleões; a atenção das chitas pelos seus filhotes (não deixa que ninguém os toque), tudo isto, para não tirar o protagonismo do autor de “O QUE NOS DIZEM CERTOS ANIMAIS” cujas histórias sobre os animais, além de não encontrar rival, deixam o bicho Homem envergonhado.
O meu apelo – mesmo sendo pequeno para entrar no reino dos políticos – é no sentido de se estabelecer soluções dos problemas por via da ‘carruagem’ do diálogo em detrimento de «ultimatos». O País não deve continuar a funcionar de bocejos de quem muitas vezes andou a vida inteira a dormir na sombra da bananeira e quando acorda, tardiamente, descobre que o vagão já partiu, muito menos de actos diarréicos daqueles que, quando podem não fazem, e quando fazem é para estragar. Este País precisa de gente que o ama, que o sinta e que faça dele um ponto estratégico do mundo, não em terrorismo mas sim em investimentos e que lhe dê sobretudo um rumo. Acabar com a dependência económica e deter os corruptos seria um grande caminho andado.
‘Kochikuro’ (Obrigado).
PS: Uma das medidas para que se estabeleça e se perpetue uma democracia sã e eficaz no País, dentre várias, dizia um académico moçambicano residente em Lisboa, “há que acabar com as designações de ‘Frelimo’ e ‘Renamo’, por serem nomes ligados a tragédia, a chacina, a dor e ao sofrimento do povo moçambicano.” Disse.
Fonte: WAMPHULA FAX – 10.11.2010
Sem comentários:
Enviar um comentário