A talhe de foice
Por Machado da Graça
Num país que se declara, permanentemente, pobre, com isso justificando a miséria em que vive a grande maioria da sua população, surgem, cada vez mais, obras e realizações monumentais, de fachada, com pouquíssima utilidade e com custos elevados.
Para mim o exemplo mais completo é o Estádio Nacional. Não tenho nenhumas dúvidas em afirmar que Moçambique não tinha nenhuma necessidade de uma infraestrutura como aquela, que deve ter custado rios de dinheiro e só muito, muito raramente terá utilidade e encherá as suas bancadas. Se é que alguma vez isso vai acontecer. Mas que, pelo contrário, terá elevados custos diários de manutenção, sob pena de se deteriorar rapidamente transformando-se em total prejuizo.
E, já que estamos no campo do desporto, acrescento aqui a nova “aldeia olímpica”, infraestrutura necessária para a realização em Maputo dos próximos Jogos Africanos. Neste momento já não temos outra solução senão ir para a frente com a construção, mas será que alguém fez um mínimo de contas de custobenefício antes de candidatar a nossa capital a hospedeira dos Jogos?
Recentemente esteve entre nós um consultor do Banco Mundial, Paul Collier, que defendeu o mesmo tipo de posições. E ele com um grau de conhecimentos e experiências que eu estou longe de ter.
Em resumo, Collier disse ao nosso Governo para não gastar dinheiro em obras faustosas, sem utilidade, e sim em obras mais modestas mas de utilidade imediata.
Referiu, por exemplo, a construção de habitações para pessoas de baixa renda, as escolas, centros de saúde, portos e caminhos de ferro, estruturas de geração de energia ou de fornecimento de água.
E salientou que, se esse tipo de obras não for do tipo gigante, elas podem ser realizadas por empreiteiros nacionais, ajudando a fazer crescer a economia do país.
No caso contrário, é necessário chamar empreiteiros estrangeiros e isso são dívidas que vão acabar por ter de ser pagas. Se não for por nós, será pelos nossos filhos.
É verdade que grande parte destas coisas está a ser feita por empresários chineses e ao abrigo de créditos chineses, normalmente em boas condições. Mas também é verdade que, por muito boas que sejam essas condições, o dinheiro vai ter de ser pago, gostemos disso ou não.
São os casos do Ministério dos Negócios estrangeiros, do Palácio da Justiça da cidade de Maputo e de tantos outros.
Com o dinheiro que se pouparia nessas obras monumentais quantas casas se poderia construir, para serem habitadas por jovens casais em princípio de vida? Quantos quilómetros da tão necessária linha de caminho de ferro ligando o Norte e o Sul do país?
É nessas escolhas que está, na minha opinião, a diferença entre governar e esbanjar o (pouco) dinheiro do Povo.
Possivelmente precisávamos de um novo aeroporto em Maputo. Ao que parece o actual sofreu grandes desgastes quando do terramoto de há uns anos. Mas precisariamos de uma coisa daquelas dimensões?
Alguém me disse que só a sala VIP é de um luxo asiático. Não se poderia ter dado menos luxo aos nossos VIPs e ter gasto a poupança em coisas mais úteis para o comum dos cidadãos?
Da boca para fora só se ouve falar do combate à pobreza.
Quando será que os pobres vão começar a sentir que isso é uma preocupação genuína do governo e não apenas mais um slogan para se juntar a tantos outros que vieram, foram usados a torto e a direito, e desapareceram sem deixar rastos.
Nem benefícios para a esmagadora maioria.
Fonte: SAVANA - 12.11.2010 - in Diário de um sociólogo
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