Marcelo Mosse é, por assim dizer, o herdeiro espiritual de Cardoso. Iniciou-se no mediaFAX e seguiu com o “mestre” para criar o Metical, publicação que viria a editar depois da morte daquele. Depois de fechar o Metical em 2001, voltou para editar o mediaFAX e mais tarde fundou o CIP (Centro de Integridade Pública), instituição que dirige.
Dez anos após a sua morte, Mosse não hesita em qualificar Cardoso como um “ícone” do jornalismo de investigação, hoje cada vez mais raro em Moçambique. Em declarações ao SAVANA esta quarta-feira, Mosse disse que Cardoso marcou gerações de colegas, impressionando a sociedade pelo rigor das suas abordagem, pela coragem da sua pena e persistência do seu combate pela justiça social.
Abordando o país nas suas diversas perspectivas, diz Mosse, cardoso viria a tornar-se em grande defensor do sector privado nacional contra as investidas de Bretton Woods e disso testemunha o seu debate em torno da protecção da indústria nacional. “Era um grande actor da participação política, contribuindo para uma gestão municipal transparente e íntegra, lutando com fervor contra a especulação do solo urbano nas zonas nobres da Cidade de Maputo”, informou.
Em 1997, quando deixou o mediaFAX e foi criar o jornal Metical, Cardoso dedicou-se, entre outras coisas, a perceber os contornos da delapidação da economia, do roubo sem escrúpulos que se tornara modo de vida da elite política nacional, defraudando a banca e o tesouro, arruinando empresas públicas, numa clara antítese aos desígnios da conquista da independência nacional.
“Hoje continuamos a ter os problemas que tínhamos há 10 anos. Mas com outras roupagens. As elites já não pilham na banca ou no Tesouro”, disse Marcelo Mosse, indicando que o assassinato de Cardoso, e depois de Siba Siba, chamou a atenção para reformas drásticas nesses sectores, com muita pressão dos doadores que alimentam o Orçamento do Estado. Hoje, critica, as elites refastelam-se nas preferências noutro tipo de património público, como no sector de concessões minerais, na manipulação do procurement, fingindo-se transparência e integridade.
“Cardoso faz falta, 10 anos depois”, lamenta. “Temos bons exemplos de investigação jornalística, os media continuam a ser a principal oposição à Frelimo, mas a voz persistente, o seu rigor mordaz, o seu voluntarismo sem fronteiras, incorruptível, pontua pouco”, explicou, acrescentando que “esse é o principal problema deixado pela sua grandeza”.
Fonte: SAVANA - 19.11.2010 in Diário de um sociólogo
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