domingo, janeiro 09, 2011

Cólera em Cabo Delgado: O papel do régulo na (des)informação (4)

Por Pedro Nacuo

O PAPEL DO GOVERNO

A situação que se vive em algumas aldeias destes dois distritos, convida a presença permanente dos governantes, porque ficam muitas evidências de que a chamada autoridade tradicional, vista como o papel do régulo, não se acha forte, principalmente nos locais onde este não é da mesma linhagem dos restantes líderes de opinião.

A sensação com que ficamos nos locais por onde passamos é que o trabalho que há por fazer não cabe apenas à Saúde, cujos técnicos, agentes e activistas estão a corresponder ao momento. Sugere-se que seja em conjunto, envolvendo também, as outras forças vivas da sociedade, incluindo políticas.

A Saúde está a fazer muito nas aldeias ora com casos de doenças diarreicas ou cólera e muitas pessoas foram salvas devido à pronta resposta que as autoridades deste sector deram, mas paralelamente deveria haver um outro tipo de trabalho de consciencialização e divulgação das medidas já existentes, o que obrigaria a que o Governo estivesse sempre presente para não se surpreender com situações de rixas de clãs que explodem na sociedade, porque há muito que estavam incubadas. Um estudo de ordem antropológico ou sociológico, recomenda-se, partindo do facto de que a desinformação contra a cólera tem lugar nos mesmos lugares, ano a ano, nas mesmas regiões do sul da província.

A luta silenciosa existente entre as partes leva à desmobilização parcial ou total em algumas aldeias, porque as populações não acreditam em quem não foi consensualmente escolhido, sendo que no conjunto dos novos régulos há, inclusive, jovens que são vistos como destoando todo o poder que era respeitado na história das relações tradicionais da sociedade.

Alguém comentava à nossa Reportagem, em que medida se poderia respeitar um régulo ou líder tradicional que depois de uma cerimónia solene tira o fardamento para se ir meter em discotecas ou barracas, com os jovens, seus dirigidos, com os quais consome bebidas alcoólicas.

“A sociedade tem os seus líderes, que nem sempre coincidem com aqueles que foram legitimados. A própria palavra legitimação diz tudo. Só se legitima o que não é legítimo! A autoridade tradicional muitas vezes é envolta de muitos mitos, incluindo o feitiço. As pessoas devem ser temíveis e a transmissão do poder significa também a passagem desses mitos e feitiços de alguém que esteve no trono para outro e aí não deveria entrar o Governo”, concluiu.

Numa aldeia vizinha de Namarracue, Chipembe, onde houve mortes por causa de doenças diarreicas, os responsáveis, incluindo os líderes tradicionais, abandonaram as populações depois que a doença eclodiu.

Um ancião, que esteve numa pequena reunião orientada pelo director provincial da Saúde, Mussa Ibraimo Hagy, perguntou se eram chefes aqueles que abandonam a sua população quando estava aflita.

“Estiveram na reunião em Pemba, mas ainda não transmitiram o que ouviram e pelo contrário fogem-nos porque estamos doentes. E para ver, esta doença não atingiu ninguém do clã daqueles que dizem ser chefes. Não os queremos mais, que os tirem”!

Fim

Fonte: Jornal Notícias -06.01.2011

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