Por Adelson Rafael
Constitui conhecimento generalizado proveniente da literatura especializada que a legislação eleitoral tem uma relação intrínseca com o sistema eleitoral, e que um sistema eleitoral não é mais nada que um conjunto de leis, princípios e mecanismos eleitorais que especificam os métodos pelos quais os votos são traduzidos em assentos no processo de eleição dos representantes para o mandato público, pelo que existem, quase tantos sistemas eleitorais quantos os países. E, por conseguinte, a escolha de um sistema eleitoral tem um efeito directo nos resultados eleitorais e acarreta, consigo, consequências políticas graves na representação e estabilidade políticas.
Constitui também consenso, embora que não generalizado, que não existe um sistema eleitoral perfeito. Porém, é inegável que alguns sistemas tenham mais vantagens que outros.
As linhas-base que definem o Estado moçambicano, com destaque para a forma republicana do Estado, o sistema eleitoral e o tipo de sufrágio eleitoral, o pluralismo político, os direitos, liberdades e garantias fundamentais estão consagradas na última alteração constitucional ocorrida em Moçambique, que foi aprovada no dia 16 de Novembro de 2004. Em consequência disso, ocorreu a adequação da legislação eleitoral, que consistiu na aprovação da Lei nº 7/2007 (Eleições Presidenciais e Legislativas), da Lei nº 8/2007 (Criação da CNE); da Lei nº 9/2007 (Recenseamento Eleitoral), todas datada de 26 de Fevereiro de 2007, bem como a Lei nº 10/2007 (Eleições das Assembléias Provinciais) de 5 de Junho. Em consequência disso, as bases gerais do sistema eleitoral moçambicano estão definidas na Constituição da República, que estabelece que o povo moçambicano exerce o poder político através do sufrágio universal, directo, igual, secreto e periódico para a escolha dos seus representantes e que o apuramento dos resultados eleitorais obedece ao sistema de representação proporcional.
Se constitui verdade assumida que as eleições de 28 de Outubro de 2009, três eleições em simultâneo, nomeadamente, presidenciais, legislativas e, pela primeira vez, para as assembleias provinciais trouxeram, ao de cima, a hegemonia total da Frelimo na cena política moçambicana (vitória plena em todas as províncias do país), colocando termo à hegemonia da Renamo nos maiores círculos eleitorais, bem como confirmando-se, ao mesmo tempo, a decadência eleitoral da Renamo e o surgimento da terceira força política, Movimento Democrático de Moçambique, também constitui verdade que trouxeram ao de cima a fragilidade da interpretação e aplicação da legislação eleitoral.
Por conseguinte, diversas recomendações sugeriram uma revisão da legislação eleitoral com o objectivo de garantir uma legislação consensual que aperfeiçoe a organização, coordenação, execução, supervisão dos actos eleitorais. Destaque para as recomendações dadas pelo Conselho Constitucional no seu acórdão nº 30/CC/2009 de 27 de Dezembro, que fundamenta que “a experiência dos vários processos eleitorais, já ocorridos no país, aconselha a revisão realista do quadro das actuais exigências impostas por lei aos concorrentes às eleições”.
Infelizmente, o primeiro passo para a almejada intenção de se materializar os anseios das recomendações em garantir uma legislação consensual foi dado na Assembléia da República, em consequência de suas competências consagradas no artigo 179 da Constituição da República, segundo o qual “Compete à Assembléia da República legislar sobre as questões básicas da política interna e externa do país”, sendo que no seu nº 2, alínea d) prevê “aprovar a legislação eleitoral e o regime de referendo”, permitem indagar, se a falta de consenso sobre que tipo de comissão será encarregue da revisão da legislação (discussão e elaboração do texto da revisão da legislação eleitoral) não está lançada a “semente da discórdia”? Que fruto poderá colher-se no futuro plantando, hoje, a semente da discórdia?
Há grande risco de o processo da revisão da legislação converter as próximas sessões, na Assembleia da República, num virtual campo da batalha, visto que, há um sem números de argumentos contra e a favor, com destaque, para o Partido Frelimo que aposta na comissão da administração publica, poder local e comunicação social, fundamentando, que é economicamente e tecnicamente a mais eficaz e eficiente, por constituir sua competência e atribuição, que constitui premissa necessária para um sucesso anunciado, enquanto que a Renamo aposta numa comissão ‘ad-hoc”, fundamentando, que suas decisões são baseadas em consenso, apesar duma experiência sem eficácia e eficiência anterior estabelecida, em consequência da resolução Nº 7/2005, de 16 de Março, que tinha em vista o permanente aperfeiçoamento dos processos eleitorais, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 68 do Regimento, aprovado pela Lei nº 6/2001, de 30 de Abril, a Assembleia da República determinou a criação da Comissão Ad-Hoc com o objectivo de rever a legislação eleitoral.
Diversos académicos e cientistas políticos nacionais concluíram num passado recente não haver nenhuma contradição entre a necessidade de a legislação eleitoral ser perene, por um lado, e de, ciclicamente, ser revista, por outro lado, mas o que não pode e muito menos deve acontecer, é termos um País que de maneira cíclica, de eleição em eleição, invente uma legislação eleitoral, sem criar condições de consolidação de um sistema eleitoral, não ajudando o domínio da interpretação e aplicação pelos diversos intervenientes e partes interessadas em processos eleitorais, com destaque para o cidadão comum, evitando que haja sempre alegações de fraude eleitoral.
Desde o ano de 1999, que o país conheceu três revisões do pacote eleitoral, sendo que a primeira, ocorreu entre 1995 a 1998, tendo surgido da necessidade de se adequar a então legislação vigente à nova realidade política, económica e social resultante da nova conjuntura de paz e estabilidade que se consolidava. De maneira recorrente, o conselho constitucional, nos processos de validação e proclamação de resultados eleitorais, fazem apelos para a necessidade de a legislação eleitoral ser perene. Destaca-se o Acórdão nº 2/CC/2009, de 15 de Janeiro, relativo às Eleições dos Órgão das Autarquias Locais, apela a “necessidade de se estabilizar e consolidar a legislação eleitoral, por forma a evitar-se, para cada novo acto eleitoral, a aprovação de nova legislação”. No entanto, essa e outras recomendações do Conselho Constitucional têm sido praticamente ignoradas.
Fonte: O País online - 04.06.2010
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