E se Chissano regressasse só para arranjar o que Guebuza estragou?

Por Adelino Timóteo

Beira (Canalmoz) - Meu bom amigo, conterrâneo e confrade, Carlos Cardoso, lendo-te hoje o texto “Guebuza não”, profundo e de uma actualidade tão impressionante posso perceber-te, posso compreender-te, e, sobretudo, intuir porquê o povo, porquê as tuas mamanas do mercado do povo e das esquinas, porquê os vendedores ambulantes e dos “dumba-nengues” e “Tchungamoios” estão com saudades de Joaquim Chissano.

Não é que o povo quer que Chissano regresse para reocupar o posto, mas porque com Chissano o povo estava mais seguro no futuro e agora porque o futuro é obscuro o povo prefere não pensar no futuro, remetendo-se para as saudades de Chissano.

O povo tem medo porque como Guebuza não dialoga com ninguém (esquivou-se de uma conversa com os médicos e desmobilizados de guerra), muito se pensa que na falta de consenso com a Renamo sobre a paridade na Comissão Nacional das Eleições (CNE), já lá vamos dez anos nisso, talvez a bola mágica está com Chissano.

Já o medo faz crescer cabelos na língua, pois Guebuza quer mudar a constituição e ninguém sabe o que ele quer mudar. Já que tudo com Guebuza é obscuro, até a sua própria sucessão – veja-se Chissano abriu portas a transição com pelo menos cerca de dois anos de antecedência (2002) e Guebuza não o faz apesar de se estar a catorze meses das Eleições Gerais de 2014.

Como bem o disseste meu bom amigo Carlos Cardoso, tudo o que Guebuza pegou enquanto governante estragou, e não era para menos, agora acaba de estragar a presidência da República, acaba de estragar até a imagem da Frelimo, que nas últimas oito semanas tem estado muito embaixo, pior do que no tempo em que ele era ministro residente em Sofala, pior do que no tempo em que ele era ministro do interior e mandava pessoas para campo de concentração no Niassa, para o vulgo Operação Produção.

Carlitos – permite-me que te trate dessa maneira; tal como o previste, a governação do país está seriamente prejudicada com este presidente inspirador de temor e revolta entre os cidadãos. Guebuza cruza os braços quando se lhe pede uma resposta. Vimos em duas manifestações em Maputo. A última, em 2010, resultou em muito sangue e mortes. Onde se pede de Guebuza acção, eis que ele manda a FIR agir. É o que vivem os Madjermanes, mais os desmobilizados de guerra. Os médicos fizeram uma greve e também Guebuza cruzou os braços. Está-se agora na 14ª ronda de conversações com o principal partido da oposição tendo em vista o consenso sobre a paridade na CNE e com Guebuza não há acordo, porque Guebuza cruza os braços.

Por isso, Carlitos, como Já não sabemos para onde vai este barco, as pessoas têm cada vez mais saudades de Chissano. Até o Afonso Dhlakama, agora em Sadjundjira, têm saudades de “irmão Chissano”, no que se subentende, preferia ter Chissano como presidente, como interlocutor, do que o “primo Guebuza”. Daí subsumir-se que, por ora, Chissano é a fonte da concórdia entre os cidadãos do país, e Guebuza a fonte da discórdia.

Gostava que por tua intercessão contasses ao João Albasini, ao José Craveirinha, particularmente a este último, que as tangerinas de Inhambane por cá, por estes dias, já não são tão doces como eram e começam a amargar na nossa independência nacional, na nossa política doméstica. E se encontrares com o Bispo Sebastião Resende dê-lhe os meus cumprimentos, di-lo que a liberdade de expressão tem estado a regredir como nos coloniais tempos, e concentre-te, diz ao Craveirinha que voltamos aos tempos dos famigerados controlos, dos controlos em Vandúzi, da zelosa exigência de documentos pelos militares dos dois lados, mesmo à entrada de Sadjundjira, voltamos aos tempos dos torresmos na Estrada Nacional nº 1 e às colunas, ao que os automobilistas seguem detrás de blindados com canhões. Também voltamos às guias de marchas. Com Guebuza temos estado a regredir vertiginosamente ao passado de autoritarismo.

Carlitos, as pessoas não têm como dizer, mas desejam cada vez mais que Chissano regresse para arranjar o que Guebuza já estragou. Nem que fosse por umas poucas horas, porque falta ao Guebuza a cultura de Estado que Guebuza certamente não tem, nem entende.

Compulsando, a transição Chissano/Guebuza, disseste-o, seria pacífica, mas para a transição de Guebuza para o seu sucessor, não há indícios de pacifismo, a menos que, de novo, tenhamos uma transição Guebuza/Chissano, nem que fosse por umas poucas horas, porque de Chissano para outras mãos a transição será sempre pacífica.

“É proibido pôr algemas nas palavras”, cito-te Carlitos. Nisto estamos de acordo: A verdade não usa maquilhagem. Não usa perucas. A verdade não se ensaboa com champoos nem se encrema com cremes de luxo, muito menos com perfumes, jornalismo “soft” para endeusar um homem que está onde está porque o povo pô-lo no poleiro. A verdade não faz crescer cabelos na língua nem se ilude com a escova que cada vez mais se usa no país, para agradar o presidente, que tem muita apetência pelos bajuladores.

A verdade não vai ao dentista para apurá-la na aparência quando a carie é o que vem a tona. A verdade não precisa de consultores que a diagnostiquem no sorriso ou na alegria que ela pode evocar. A verdade não se decanta com a lixívia.

A verdade é como é. Verdade. Só verdade.

Sem loções nem água de colónia.

Verdade, meu querido Carlitos.

Carlitos, sempre respeitei a tua opção pela Frelimo. A amizade que se preza tem que ser incondicional, mas agora os teus próprios camaradas deploram a forma como o nacionalismo que defendias é um meio para fechar negócios e parcerias lucrosas e faustas nos minérios, nas pescas e transportes, com uma tal flexibilidade que não há quando se trata de dialogar para manter a paz e unidade nacional. (Adelino Timóteo)

Fonte: Canalmoz - 06.08.2013