SAVANA Maputo,
Sexta-feira, 20.10.00, Ano VI Nº 353 - Editor: Salomão Moyana
Tema da semana
Por Salomão Moyana
O cidadão que aqui
vou entrevistar é natural de Lhovukazi, distrito de Xai-Xai, província de Gaza.
Tem 68 anos de idade, dos quais 40 foram passados fora de Moçambique, onde
pertenceu a diversos movimentos de libertação nacional. Foi um dos fundadores e
vice-presidente da UDENAMO, em 1960 em Bulawayo, foi a pessoa que sugeriu o
nome “FRELIMO” ao movimento resultante da união entre UDENAMO e MANU, em 1962
em Acra, e foi adjunto de Marcelino dos Santos na chefia das Relações Exteriores
da Frelimo, em Dar-es-Salaam, em Junho de 1962, foi secretário da Defesa do
COREMO e foi secretário de Relações Exteriores da Renamo, já nos anos 80.
Esteve em várias cadeias, incluindo na de Moçambique “D”, em Cabo Delgado, onde
diversos compatriotas nossos foram executados nos anos 70 e 80.
Hoje, ele é um
simples cidadão que nem casa tem para albergar a sua família, apesar de a sua
cabeça transportar muita informação sobre a história deste País. As autoridades
deste País são sempre assim: São capazes de dar casa a quem complicou a vida do
País e negar a habitação a quem criou condições para a libertação nacional.
Trata-se de um homem que faz muitas revelações curiosas e tem posições firmes sobre factos históricos destorcidos e que se dão “por toma lá dá cá” ao consumo público nacional e internacional.
“Dizem que Eduardo Mondlane é que uniu os três movimentos antes da fundação da FRELIMO, o que é mentira. Eduardo Mondlane foi convidado por nós para vir a Dar-es-Salaam testemunhar a integração dos três movimentos de libertação, pois já tínhamos fundado a FRELIMO. Eduardo Mondlane não é o fundador da FRELIMO, ele é o primeiro presidente da FRELIMO”.
Diz ainda que Urias Simango nunca foi reaccionário, apenas foi vítima da “demagogia dos tsongas” que nunca aceitaram que um ndau os governasse por causa de contradições históricas existentes entre esses dois grupos filhos de Soshangane. Sobre essas questões, apenas na próxima edição é que vamos desenvolver, isto é, vamos contar como é que os dois filhos de Soshangane, Ndawe e Tsonga, se conflituaram até criar um complexo histórico entre tsongas e ndaus, que perdura até hoje.
Conversar com Fanuel Guidion Mahluza equivale a abrir um livro que nunca mais acaba sobre a história nacional. Nós fizemos mais de 16 horas de conversa com ele e gravámos meia dúzia de cassetes sobre o que ele sabe de Moçambique.
Excertos da conversa gravada:
Senhor Fanuel Mahluza, você é considerado por muitos
moçambicanos um dos pioneiros da revolução moçambicana e conhecedor da sua
História. Conte-nos lá como é que tudo começou até à fundação da Frelimo...
- Os moçambicanos encontraram-se na Rodésia. Cada qual fugiu para lá pelos próprios meios e pela sua vez. Eu, como Mahluza, fugi por minha vez e nem sabia de que havia moçambicanos lá. Fugi no dia10 de Junho de 1960, dia de Portugal e Dia de Camões.
Eu fui ajudado por
um primo meu que era chefe da estação dos Caminhos de Ferro de Mapai, de nome
Gomes Tchambale. Foi em casa de quem fiquei durante uns dois dias.
Ele tinha um seu amigo na fronteira, a quem me manda ter com ele munido de uma carta, facto que permitiu que no dia 10 de Junho ele me fizesse atravessar em segurança a fronteira.
Ele tinha um seu amigo na fronteira, a quem me manda ter com ele munido de uma carta, facto que permitiu que no dia 10 de Junho ele me fizesse atravessar em segurança a fronteira.
É verdade que nessa
altura as coisas não eram ainda assim tão complicadas, mas o certo é que ninguém
podia atravessar a fronteira assim de qualquer maneira.
Então, atravessada a
fronteira, chego em Bulawayo para onde viajei de comboio. Quando cheguei a
Bulawayo levava comigo uma carta para Calvino Zaqueu Mahlayeye que é meu
familiar e também família de Gomes Tchambale. Então, Zaqueu recebe-me e me
hospeda em sua casa.
Acontece que um ou
dois meses depois de chegar a Bulawayo eclode uma greve na Rodésia dos
africanos pertencentes ao partido de Joshua Nkomo. E nós, como jovens, entrámos
sem convite de ninguém nessa coisa da greve dos zimbabweanos. Andámos a lançar
pedras aos carros do governo, dos brancos, etc...
Fundação da UDENAMO em Bulawayo
E uma semana depois desse acontecimento, houve um comício onde nós os moçambicanos começámos a ver o branco a ser insultado e convidado a ir embora para a sua terra e deixar a terra dos negros para ser por estes governada.
E começámos a
entender que afinal o branco também pode ser insultado e ainda por cima por
homens negros. E isso fez-nos começar a pensar na nossa terra, Moçambique.
Um mês depois viria a conhecer Adelino Chitofo
Guambe, moçambicano natural de Massinga, província de Inhambane, que vivia em
Bulawayo. Ele estava acompanhado de Aurélio Bucuane, outro compatriota nosso.
Então, estes dois,
por causa do facto de todos os moçambicanos que tinham assistido ao comício
terem passado a conversar abertamente sobre a situação no país, chamaram-nos a
todos para nos reunirmos com eles.
No primeiro encontro
estivemos a falar de coisas banais que aconteciam no País, tomando coca-cola e
depois disso nos separámos. Passados dois meses, voltámos a ser convidados para
um segundo encontro.
Nesse segundo
encontro começava a se notar a mudança de atmosfera e algo parecia estar a
tomar forma, embora houvesse ainda algo no ar porque não sabíamos quem era quem
naquele encontro. Se de entre nós haviam homens honestos ou não, pois a PIDE
estava infiltrada no seio dos moçambicanos na Rodésia.
Então, um
moçambicano de nome Lourenço Matsolo levanta-se nesse segundo encontro e diz:
“meus amigos, estivemos há dois meses no primeiro encontro e agora estamos a
ter o segundo, mas não vejo nada de concreto”.
Era um fulano muito
agressivo que parecia ser impaciente e que queria coisas concretas em pouco
tempo.
E ele pergunta se os
dois encontros teriam alguma coisa a ver com a formação de um partido político.
Naturalmente, os nossos hospedeiros ficaram intrigados e começaram a olharem-se um ao outro e Adelino Guambe levanta-se e diz: “ sim, estes dois encontros têm a ver com a formação de um partido político”.
Naturalmente, os nossos hospedeiros ficaram intrigados e começaram a olharem-se um ao outro e Adelino Guambe levanta-se e diz: “ sim, estes dois encontros têm a ver com a formação de um partido político”.
Os nossos
hospedeiros eram todos iguais, mas Aurélio Bucuane era um indivíduo que tinha o
2º Ano do Alvor, feito na Manhiça. Por isso, era um indivíduo que falava melhor
português do que Adelino Guambe, que tinha apenas a 4ª classe do ensino
primário. Mas, mesmo assim, Guambe era um indivíduo com quem se podia contar.
Quanto a mim, nessa altura eu tinha o 4º Ano mal feito do ensino técnico que
compreendia a Escola Industrial e Comercial.
Bucuane, porque se
considerava muito instruído, era muito orgulhoso. Até eu que tinha o 4º Ano do
ensino técnico, não passava por nada diante do nosso amigo Bucuane.
Mas, como tenho o
complexo de igualdade, deixava-me calar quando ele assim se pavoneava, mesmo
embora sabendo que eu tinha mais instrução e mais informação e formação que
ele.
Repare que qualquer
pessoa que aparecia diante de Bucuane ele tratava de chamá-lo de analfabeto.
Falava o português dos Lusíadas feitos no Alvor, na Manhiça.
Todavia, Guambe não
tinha muita instrução. Tinha apenas a 4ª classe. Mas penso que tinha o complexo
de igualdade, pelo menos pela maneira como se comportava perante outros homens.
E acima de tudo, apesar da sua 4ª classe era um homem muito inteligente e muito
novo. Em 1960, quando nos conhecemos em Bulawayo eu tinha 28 anos e Guambe
tinha apenas19 anos. Mas muito inteligente.
Então, Guambe,
quando ouviu dizer que nós, os amigos, apoiávamos a ele como quem pudesse ser o
nosso líder entre os dois nossos hospedeiros, aconteceu que num certo sábado,
dia 18 de Outubro de 1960 reúne-nos a todos nós seus amigos em casa de um
senhor chamado Mandlate que era nosso conselheiro e Guambe nos diz que todas as
colónias portuguesas têm partidos políticos e que nós, os moçambicanos, não
tínhamos nada. Insinuou que talvez nós não fôssemos tão homens como eram os
outros...
Foi assim que um
jovem dos seus 19 anos e com apenas 4ª classe se dirigiu a outros doze ou
catorze compatriotas mais escolarizados e mais velhos que ele.
Considero isto muito
interessante.
E, de facto, era só
Moçambique. Toda a África tinha já movimentos de libertação nacional ou
partidos políticos, à excepção de Moçambique.
E todos,
naturalmente, respondemos em coro dizendo que nós também éramos homens iguais
aos das outras colónias portuguesas que já tinham formado os respectivos
movimentos de libertação nacional.
E como que para nos
provar que o mais macho de entre todos nós ali presentes era ele, Adelino
Guambe disse o seguinte: “Se vocês dizem
que somos homens, então, eu declaro hoje, dia 18 de Outubro de 1960, a fundação da União
Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO)”.
E assim ficaria
registado para sempre na História da revolução moçambicana que Adelino Guambe,
com a sua juventude e sem nenhuma escolarização avançada, declarava naquele dia
para todo o mundo a criação do primeiro movimento de libertação de Moçambique.
É interessante isto. Um rapaz de dezanove anos de idade, com apenas 4ª classe do ensino primário, desafiando a seus compatriotas ali presentes, mais escolarizados e ainda por cima alguns dos quais, como eu, muito mais velhos a levantarem a cabeça e seguirem o exemplo do que ia acontecendo em todo o continente africano.
É interessante isto. Um rapaz de dezanove anos de idade, com apenas 4ª classe do ensino primário, desafiando a seus compatriotas ali presentes, mais escolarizados e ainda por cima alguns dos quais, como eu, muito mais velhos a levantarem a cabeça e seguirem o exemplo do que ia acontecendo em todo o continente africano.
E diz ele mais
adiante:nós sabemos que quando temos um movimento temos à nossa volta a morte e
todo o tipo de ciladas. A PIDE estará à nossa volta procurando impedir as
nossas acções. Portanto, vamos aceitar qualquer coisa que possa aparecer diante
de nós, daqui para frente.
Podemos morrer
amanhã, ou depois de amanhã, ou ainda podemos conseguir alcançar o que estamos
a pensar.
Quem quer ir comigo
nessa aventura de vida ou morte?
Depois desta
pergunta, eu, Mahlayeye e mais o Sigaúque nos levantámos. Naturalmente que não
deixaria de haver alguns que pensavam duas vezes, os que têm cobardia e outros
que pensam que eu casei ontem, porque tenho família, porque tenho isto ou
aquilo.
Mas nós os três
dissemos logo imediatamente ao Guambe que estávamos prontos para tudo o que ele
está a dizer.
Automaticamente, ele
era o presidente da União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO), por
mérito próprio, porque ele é que estava a anunciar a existência do mesmo pela
primeira vez naquela reunião.
Levanta o dedo após
o anúncio da nossa aderência e diz o seguinte: Mahluza, estou a apontar a você como vice-presidente e em seguida
aponta o mesmo dedo na direcção do Mahlayeye a quem nomeia como
secretário-geral do movimento.
Repare que Mahlayeye
era amigo pessoal de Guambe e eram da mesma idade, pois Mahlayeye tinha também
19 anos de idade.
E depois disso, o
mesmo dedo indica Sigaúque como secretário da organização do movimento.
Por isso, nós os
três aceitámos unirmo-nos com Guambe, morrer com o Guambe como o haviam feito
séculos antes os Doze Apóstolos de Cristo.
Por isso, nós os
três, contrariando os restantes companheiros que estavam naquela histórica
reunião, aceitámos ir para onde fosse necessário ir com Guambe e a partir
daquele momento, o movimento passou a ter quatro oficiais no dia 18 de Outubro
de 1960.
Joshua Nkomo aconselha e apoia fuga para Tanganyika
Tivemos,
naturalmente, muitas dificuldades, porque a PIDE estava à nossa procura depois
de ter ouvido isto. Porque entretanto, houve um fulano, natural de Sena, de
nome Fernando Chunga que esteve connosco no dia da fundação da UDENAMO e que
trabalhava no Consulado de Portugal em Bulawayo, o qual, mal se concretizou a
fundação do movimento foi transmitir a informação ao Consulado.
Então, nós, os
oficiais da UDENAMO, passámos maus bocados. Vivíamos nos túneis e à noite é que
podíamos ir aos nossos familiares buscar comida. Desde aquela data até finais
de Janeiro de 1961a nossa vida era assim, porque a PIDE e a Polícia Política da
Rodésia estavam permanentemente à nossa procura.
Entretanto, em Março
de 1961, fomos a Salisbúria, hoje Harare, ter com Joshua Nkomo, a quem
comunicámos que tínhamos formado um movimento político moçambicano, e como já
tinha antes ouvido falar da nossa existência de surpresa confirmou a nossa
presença.
E então, ele disse
que havia membros do seu partido que estavam a trabalhar como homens da
segurança do governo rodesiano. E ele acrescentou que nós éramos procurados
como agulha no palheiro pela segurança rodesiana.
Dito isso, Nkomo
meteu a mão no bolso e dele extraiu uma boa soma em dinheiro e nos entregou
dizendo-nos para sairmos imediatamente da Rodésia com destino ao Tanganyika,
onde existia um governo de Transição em preparação do país para a proclamação
da sua independência.
“É exactamente aí onde vocês podem viver e não aqui”, explicou-nos Joshua Nkomo.
“É exactamente aí onde vocês podem viver e não aqui”, explicou-nos Joshua Nkomo.
Mas, naquelas
circunstâncias, em virtude de os nossos nomes já estarem espalhados pelas
fronteiras, não podíamos partir em grupo, porque assim corríamos o risco de
sermos todos presos e desmoronarmos por completo a ideia da existência do
partido.
Assim, Guambe
ofereceu-se como voluntário para seguir em frente como líder do movimento,
explicando que mal conseguisse chegar transmitir-nos-ia instruções para o que
se devia fazer em seguida.
E depois de
distribuir o dinheiro necessário a cada um de nós para a viagem, meteu-se a
caminho rumo ao Tanganyika.
Deste modo, nós
continuámos na Rodésia a viver nos túneis como vínhamos fazendo desde Outubro.
Mesmo assim,
Sigaúque, por vezes, ia trabalhar mas Mahlayeye e eu optámos por deixar de
trabalhar por temer o que nos poderia acontecer.
Decorridas duas
semanas após a partida de Guambe, recebemos uma carta sua reportando-nos ter
viajado e chegado bem a Dar-es-Salaam e recomendando-nos o modo como deveríamos
seguir os seus passos rumo às terras tanzanianas.
Mas para sairmos da
Rodésia tínhamos que encontrar uma forma de contornar o obstáculo existente em
Victória Falls na fronteira entre os actuais Zimbabwe e Zâmbia.
Como Sigaúque se
encontrasse a trabalhar nos Caminhos de Ferro conseguiu arranjar cartões da sua
companhia que nos identificavam como trabalhadores da mesma e nos permitiam
atravessar a fronteira comum das duas Rodésias sem complicações de maior com a
Polícia. E com esses cartões podíamos até ter possibilidades de ir até ao
Malawi, antiga Niassalândia.
Nos nossos passes
estava escrito que íamos à Rodésia do Norte passar a semana santa com as nossas
famílias e de facto na fronteira comum daqueles dois países pudemos passar sem
dificuldades de maior.
Atravessada a
fronteira chegámos a Lusaka. Esta era apenas a primeira etapa, porque ainda
estávamos no interior da Federação das Rodésias e Niassalândia.
A carta que nos fora
enviada por Guambe indicava que chegados a Lusaka devíamo-nos dirigir para
Kampiri Post seguindo a linha férrea que vai para as minas de cobre de
Copperbelt.
Então, em Kampiri
Post deixámos o comboio e apanhámos um autocarro duma companhia cujo nome não
me ocorre presentemente, o qual nos transportou até à fronteira de Thunduma,
entre Zâmbia e Tanganyika, viagem que durou dois dias.
Quando lá chegámos e
porque ali éramos estranhos tivemos que fazer uma pausa para pensar sobre o
passo que íamos tomar a seguir de modo a evitar qualquer complicação com a
Polícia da fronteira. Eis que Sigaúque se recorda que na mala dele transportava
consigo uma Certidão de Baptismo. Extraiu da mala o documento e depois de uma
curta reflexão decidimos apresentar aquela Certidão aos oficiais da fronteira
do lado zambiano, explicando que nós éramos estudantes enviados pelos padres
moçambicanos para Uganda, para a Universidade de Makerere, para ali irmos
continuar os nossos estudos e que aquele seria apresentado como nosso documento
de identificação.
E estava escrito em português?...
- Exactamente. E eles que não toscavam nem uma palavra de português, olharam para a Certidão e para nós e, concluindo que fôssemos uns inocentes estudantes que nada tinham a ver com política, eles carimbaram a Certidão e devolveram-nos desejando-nos boa viagem.
Considero isso como
milagre de Deus. Passámos aquela fronteira!
Não podiam ler
aquilo porque estava em português, nem sequer descobriram que os nomes dos três
não figuravam da Certidão e nem sobre isso nos perguntaram. Por isso, só um
milagre de Deus é que nos podia tirar daquele aperto.
Do lado do
Tanganyika já não escondemos a nossa identidade, mesmo perante os oficiais da
polícia de fronteira brancos, porque refugiados de Moçambique, embora poucos,
não éramos os primeiros e, ainda por cima, ali havia refugiados da África do
Sul, da Namíbia e de outros países da África Austral.
E como refugiados
meteram-nos num comboio que nos transportou da fronteira até Dar-es-Salaam onde
encontrámos o Guambe à nossa espera. E ele ficou bastante satisfeito com a
nossa chegada e levou-nos imediatamente para a sede do partido TANU (Tanganyika
African National Union).
E nós éramos os
primeiros refugiados políticos moçambicanos a chegarmos naquilo que pouco tempo
depois viria a ser a República do Tanganyika. E este acontecimento se deu no
dia 6 de Abril de 1961.
Recebemos as
boas-vindas da TANU e nos ofereceu uma casa onde vivia já o Guambe. E nessa
casa compartilhávamos a habitação com refugiados ruandeses, por causa da
língua, pois pensavam que entre quem fala português e o que se expressa em
francês se entendem perfeitamente, o que não é verdade.
E no dia 14, depois
de uma semana, fomos à imprensa porque a UDENAMO estava apenas nas nossas
algibeiras porque na Rodésia nada sobre a sua existência podia ser dito oficial
e publicamente.
Por isso, no dia 14
de Abril de 1961 convocámos uma conferência de imprensa onde pela voz do nosso
líder, Adelino Guambe, anunciámos o nascimento de um movimento de libertação
moçambicano.
A primeira reacção
foi esta: os angolanos, os guineenses, os cabo-verdianos e são-tomenses tinham
sido aceites pelo Rei Hassan de Marrocos. Por isso, como as colónias
portuguesas não eram assim muito conhecidas, estava-se a organizar uma
Conferência das Colónias portuguesas conhecida pela sigla CONCP. De modo que a
novidade da formação da UDENAMO chega exactamente naquela altura aos
organizadores da CONCP, onde o moçambicano Marcelino dos Santos, natural de
Nampula, era o secretário organizador da CONCP mas sem partido político.
Portanto, o primeiro
apoio nos vem da preparação da CONCP, porque a partir dali muitos outros países
e organizações anti-coloniais despertaram para a criação da UDENAMO.
E o Presidente do
Gana, Kwame Krumah, que já de Bulawayo tinha correspondência com Adelino
Guambe, estava, naturalmente, a par, da existência da UDENAMO.
E então, a CONCP
manda um telegrama e manda uma carta e uma passagem de avião, porque,
entretanto, a conferência estava prestes a realizar-se, para um membro da
UDENAMO deslocar-se à Casablanca a fim de ir participar naquela Conferência das
Colónias portuguesas.
É assim que Adelino
Guambe, nosso presidente, vai para Casablanca. Voa pela primeira vez na sua vida,
onde vai se juntar, também pela primeira vez, com outro moçambicano que é
Marcelino dos Santos.
E como que por magia
do destino, os dois moçambicanos representam o País naquela Conferência.
Portanto, nesta
conferência Moçambique é representado pela UDENAMO, cujos membros são Adelino
Guambe, presidente e Marcelino dos Santos, o qual a partir daquele momento é
nomeado por Guambe para as funções de secretário das Relações Exteriores da
UDENAMO.
Desde então, de
quatro membros fundadores da UDENAMO passámos para cinco líderes do movimento
com o envolvimento nele de Marcelino dos Santos.
E assim começámos a
trabalhar forte aqui, acolá e em todo o lado, porque já éramos reconhecidos
como um movimento de libertação que pretendia lutar pela independência de
Moçambique, tal como ocorria noutras colónias africanas de Portugal.
Depois da
Conferência, Adelino Guambe regressa a Dar-es-Salaam acompanhado por Marcelino
dos Santos para este vir se identificar diante dos restantes membros do
movimento.
Depois disso,
Marcelino dos Santos retorna à Casablanca como representante do movimento para
os países árabes, representando, obviamente, a UDENAMO.
Como é que era o clima de trabalho para vocês nesse
Tanganyika de então?
- Era uma coisa
difícil. Nós fomos criados na Rodésia. os futuros governantes do Tanganyika não
estão nada satisfeitos com a nossa situação. Cada qual quer o seu satélite.
O que é que isso significa?
- Nós falávamos
português e balbuciávamos, com dificuldade, o inglês. Agora, o quê que
acontece? No Tanganyika havia moçambicanos emigrantes que viviam em grande
número naquele país e que inclusivamente tinham tomado parte na luta
empreendida pelo povo do Tanganyika pela sua libertação, como membros efectivos
da TANU e, consequentemente, confiados pela TANU.
Tinham lutado lado a
lado com a TANU e tinham feito tudo.
Por isso, um dia
quando são consultados sobre a nossa identidade, os nossos compatriotas
radicados há muito no Tanganyika dizem simplesmente que nós somos laurentinos,
portugueses e somos do Sul.
E iam mais longe ao
classificar-nos como sendo iguais a portugueses que colonizavam Moçambique.
Diziam ainda que assumíamos esta identidade porque muito embora fôssemos negros
vínhamos de Lourenço Marques onde estava estabelecido o poder central português
em Moçambique.
Havia ignorância nos
nossos compatriotas sobre quem era de facto português e quem não era. Ali
estávamos perante a mesma ignorância que se assistia aqui em baixo quando se
falava de um cabo-verdiano. Quando víssemos aqui um cabo-verdiano a trabalhar e
ganhando como português considerávamo-lo igual ao nosso patrão colonizador.
Por isso, a nível do
Norte do País, vivia-se naquele tempo esta ilusão. Isto porque no Sul ficava a
capital de Moçambique, donde partiam as boas coisas, quer em termos de confecções
do vestuário, objectos utilitários e acima de tudo a política de educação
partia daqui e se expandia por todo o território nacional. Ai reparar que os
enfermeiros de origem africana, os professores e alguns outros profissionais de
profissões liberais iam para o Norte de Moçambique partindo da região Sul.
E quando os nossos
compatriotas do Norte nos chamavam “mulandi” isso tinha a significação
essencial de português de pele negra.
Devido exactamente a
esta ignorância que tinham os nossos compatriotas de origem makonde que viviam
no Tanganyika levou-lhes a que dissessem aos dirigentes políticos da TANU que
nós éramos portugueses tal e qual o nosso colonizador.
E diziam ainda que nós, somos povo moçambicano. E quando o
nosso Moçambique ficar independente - porque no seu entender Moçambique
resumia-se apenas a uma certa parte da província de Cabo Delgado, limitado a
Sul pelo rio Messalo e a Norte pelo Rovuma.
Eles não tinham a
dimensão real do nosso Moçambique, como um grande país. Para eles Moçambique resumia-se
àquilo a que já me referi.
Prosseguindo eles
prometiam aos tanzanianos que quando
Moçambique ficar independente graças à vossa ajuda, nós iremos unir as duas
pátrias e formarmos uma grande Nação com o Tanganyika.
Por isso, dito isto
a alguém do lado do Tanganyika que mal conhecia em detalhe o nosso País, ficava
muito satisfeito.
E quando nos
abordavam sobre esta mesma questão da possível união depois da Independência,
nós dizíamos que o nosso mandato se resumia à libertação da pátria e que acerca
da união é algo que requereria uma ampla discussão com os outros sectores de
opinião. Já nessa altura tínhamos uma pequena visão sobre esta situação de
uniões.
E dissemos que só se
podia discutir essa possibilidade quando os dois países tivessem alcançado a
Independência e não naquele preciso momento.
Assim eles entenderam que vocês eram mesmo portugueses, não é verdade?
- Exactamente, e a
partir daí começaram a fazer chantagem connosco. Sem qualquer aviso prévio
fomos escorraçados da casa que habitávamos e sem lugar fixo para nos
instalarmos espalhámo-nos pelas casas de pessoas amigas como forma de garantir
a nossa sobrevivência.
Entretanto, a
UDENAMO, depois da Conferência da CONCP já tinha ganho uma projecção
internacional o que de certa forma lhe trouxe algum apoio.
Com efeito, depois
de regressar de Casablanca com Marcelino dos Santos, Guambe, pouco tempo depois
partiria para Helsínquia, na Finlândia, participar numa conferência de jovens,
razão que leva a que as suspeitas dos tanzanianos sobre o facto de sermos ou
não portugueses cresçam e assim pensam em pegar nos nossos compatriotas ali
radicados e formam uma outra organização com idênticos objectivos que os
nossos. Só que estes moçambicanos não falavam português e nem inglês. Somente
se expressavam em shimakonde e kiswahili. Mas, mesmo com estas limitações,
estavam talhados à medida desejada pelos tanzanianos que sonhavam com a união
dos dois países.
É assim que nasce a
MOZAMBIQUE AFRICAN NATIONAL UNION, ou seja MANU, que é formada pela mão dos
nossos hospedeiros tanzanianos.
Portanto, este era o
movimento que na sua génese contava que logo que libertasse Moçambique do
colonialismo português iria uni-lo ao Tanganyika, formando assim uma única
Nação.
Assim, a UDENAMO com
esta evolução dos acontecimentos, começou a perder toda a base de apoio no
Tanganyika.
Entretanto, a
UDENAMO já sabia que a luta de Moçambique não é a luta do Tanganyika,
exactamente porque, contrariamente ao colonialismo britânico, os portugueses
tinham vindo a Moçambique para ficar. E nós já tínhamos na ideia que a luta
armada era a única coisa que podia salvar Moçambique. Isto começou a amadurecer
nas nossas cabeças ainda quando estávamos na Rodésia.
Como antecedentes
tínhamos o exemplo do Mau Mau no Quénia do Jomo Khenyata, onde a gente aprendeu
que, afinal, o branco podia ser morto como qualquer outra pessoa.
Por isso, a ideia da inevitabilidade do desencadeamento da luta armada para a libertação de Moçambique, já vinha com a UDENAMO.
Por isso, a ideia da inevitabilidade do desencadeamento da luta armada para a libertação de Moçambique, já vinha com a UDENAMO.
E a UNAMI de que tanto se fala estava onde?
- Espera aí, que
ainda vamos percorrer alguma distância para falarmos disso.
O que é que acontece? Com estes acontecimentos que acabei de relatar, no Tanganyika, e com o nascimento da MANU e seus ideais de união com aquele país, nós, da UDENAMO, deixámos de ter campo de manobra e terreno para desenvolver as nossas actividades políticas naquele país vizinho.
O que é que acontece? Com estes acontecimentos que acabei de relatar, no Tanganyika, e com o nascimento da MANU e seus ideais de união com aquele país, nós, da UDENAMO, deixámos de ter campo de manobra e terreno para desenvolver as nossas actividades políticas naquele país vizinho.
O Adelino Guambe, na
sua qualidade de presidente do movimento, é expulso do Tanganyika e
transfere-se para o Gana onde reestabelece a nossa sede.
A visão estratégica de Adelino Guambe
O Gana já tinha
começado a disponibilizar fundos para a nossa organização, o Reino de Marrocos,
graças ao trabalho empreendido por Marcelino dos Santos, também nos dava um
significativo apoio material, moral e financeiro.
Mas mesmo assim, as
nossas actividades no Tanganyika eram superiores, uma vez que a MANU só
dependia exclusivamente do apoio que obtinha da TANU.
Com a expulsão de
Adelino Guambe do Tanganyika, a direcção provisória da UDENAMO no Tanganyika
ficou nas minhas mãos, na qualidade de vice-presidente da organização.
Daí verificámos que
não havia um outro país independente na região que pudesse servir de suporte
efectivo à nossa luta de libertação, a não ser exactamente o Tanganyika que
caminhava nessa direcção.
E do Gana vem a
resposta da estratégia que devíamos seguir, pela carta escrita por Adelino
Guambe para o movimento no Tanganyika. Guambe dizia que para continuarmos a
contar com o apoio do Tanganyika independente como retaguarda segura da nossa
luta devíamos tentar inverter a situação, conquistando para o nosso lado a
MANU. Ele escreveu esta directriz directamente do Gana para nós que tínhamos
continuado a residir em Dar-es-Salaam.
Que abordagem iriam fazer à MANU sem assustar os tanzanianos?
- Exactamente. Uma
aproximação com a MANU para ver se podemos estabelecer uma plataforma de união
de modo a que pudéssemos continuar no Tanganyika. Isto porque não poderíamos
conduzir a luta a partir do Gana e nem sequer podíamos contar com a colaboração
do Malawi ou da Zâmbia porque aqueles países ainda não estavam independentes.
Por isso, nós começámos a trabalhar nesse sentido visando atingir a directiva emanada do nosso líder a partir do Gana.
Por isso, nós começámos a trabalhar nesse sentido visando atingir a directiva emanada do nosso líder a partir do Gana.
Custou-nos, mas como
tínhamos dinheiro no bolso arrepiámos o caminho, beneficiando do facto de que a
maior parte dos compatriotas a quem tínhamos que convencer eram trabalhadores
das plantações de sisal no Tanganyika e passavam muitas privações e tinham
necessidades em dinheiro.
Quando concluímos
que a possibilidade de se realizar uma reunião com a direcção da MANU estava
assegurada, escrevemos para Marcelino dos Santos o qual veio a Dar-es-Salaam ao
nosso encontro com quem nos reunimos com a MANU, porque tendo Guambe sido
expulso do Tanganyika, em nenhuma circunstância ele podia vir.
É neste momento que
chega Hélder Martins com a sua esposa a Tanganyika. Tratava-se de um
moçambicano branco que se vinha juntar ao movimento que pretendia lutar pela
libertação do País.
Só que custa-nos
receber o Hélder Martins porque o cônsul português acabava de ser expulso do
Tanganyika.
E a chegada de
Hélder Martins aumentou ainda mais a nossa dificuldade de nos relacionarmos
abertamente com a MANU para podermos continuar a ter a nossa sede em
Dar-es-Salaam porque, como disse antes, os membros da MANU nos consideravam
iguais aos colonos portugueses que subjugavam o nosso País.
Por isso, para
amenizar um bocado a situação, decidimos mandar Hélder Martins com Marcelino
dos Santos para Marrocos, onde foi fixar a sua residência.
A traição começou cedo
Entretanto, antes da expulsão do cônsul português do Tanganyika, Aurélio Bucuane e Tchambale que tinham continuado indecisos em aderir ao movimento aquando da sua criação em Bulawayo vieram juntar-se a nós em Dar-es-Salaam.
Vieram ter convosco no Tanganyika?
Sim, no Tanganyika.
Qual era o primeiro nome do Tchambale?
- David Tchambale.
Qual era o relacionamento entre vocês que já se encontravam no Tanganyika e esse grupo que tinha permanecido na Rodésia?
Era de suspeita
mútua.
Mas nós segregávamos
aqueles dois nossos compatriotas pela maneira como antes de deixarmos Bulawayo
se tinham comportado.
Primeiro, porque ao
escolhermos Guambe para presidente do movimento estávamos a contrariar
claramente os intentos do Bucuane que julgava que tendo o 2º Ano do Alvor, na
Manhiça, reunia excelentes condições para ser líder, o que claramente
rejeitámos.
Portanto, as nossas
relações com Bucuane já não estavam boas desde então, pior quando suspeitámos
que ele tivesse algumas ligações com a PIDE.
Nisto, acontece que Bucuane
vai pedir emprego no Consulado português no Tanganyika, antes que o respectivo
cônsul fosse expulso.
E ele consegue ali
empregar-se. Só que mal ele consegue uma colocação no Consulado de Portugal em
Dar-es-Salaam ele já não regressa à residência comum para dormir. Começa a
passar noites noutro lugar, que entretanto nós não sabíamos aonde.
Por outro lado, o
David Tchambale, amigo de peito do Bucuane também não o deixámos ir até ao
escritório da UDENAMO e mal acorda vai directamente ao Consulado ter com
Bucuane.
Nestas circunstâncias, a dupla Bucuane-Tchambale traça um plano secreto de roubar documentos secretos da UDENAMO.
Nestas circunstâncias, a dupla Bucuane-Tchambale traça um plano secreto de roubar documentos secretos da UDENAMO.
No dia planeado para
executarem a operação, quando eu e o Mahlayeye regressámos para o dormitório
pusemo-nos a dormir. Eis que regressa David Tchambale que dormia connosco,
acompanhado do Bucuane e do Cônsul português no Tanganyika, os quais ficam do
lado de fora, deixando que David se introduzisse dentro da residência.
Como ambos nos
encontrássemos a dormir, Tchambale introduz a mão no bolso das calças do
Mahlayeye, o Secretário-Geral da UDENAMO, e saca as chaves do escritório e
retira-se indo se juntar ao grupo lá fora com quem entra no carro do cônsul e
conduzido por este e dirigem-se para o escritório da UDENAMO, donde retiram toda
a correspondência enviada e recebida e entregam ao cônsul português.
De regresso depois
desta façanha, Tchambale regressa ao nosso encontro e apanha-nos profundamente
adormecidos e devolve as chaves para o bolso das calças do Mahlayeye e dorme
também.
Foi de facto uma
operação bem urdida, não restam quaisquer dúvidas.
De manhã, quando
chegámos ao escritório e abrimos as portas tudo estava conforme, menos os
documentos que tinham desaparecido miraculosamente e sem deixar rasto. Quem é o
autor desta façanha?, eis a pergunta que cada um de nós se fez, mas sem lograr
obter resposta.
Naturalmente que eu
logo comecei a suspeitar do Mahlayeye, porque as chaves todas do escritório
estavam sempre em seu poder.
Só que quando nós
estávamos atrapalhados na tentativa de esclarecer este mistério, o guarda do
edifício apercebe-se da nossa aflição e aproxima-se para dizer que um de nós
havia lá estado no dia anterior à noite e abriu com as chaves a porta, entrou
dentro e pouco depois saiu com um embrulho e juntando-se a outros dois homens,
um dos quais branco retiraram-se.
Foi assim que
começámos a suspeitar que tivesse sido de facto o Tchambale e fomos
imediatamente participar a ocorrência à Polícia.
Naquela noite e
depois de terem sido notificados pela Polícia sobre o roubo, o cônsul pagou
caução e transportou o Tchambale e Bucuane para a fronteira de Mombassa e eles
apanharam no dia seguinte um barco e vieram para Moçambique. Isto em 1961 e
fizeram aqui uma grande festa de confraternização por terem desferido à UDENAMO
este golpe tão baixo.
De entre a
correspondência recebida que nos foi roubada havia lá uma carta vinda do
Ministério das Relações Exteriores do Brasil, na qual aquele país nos garantia
o seu apoio e isso constituiu um rude golpe para nós e um forte trunfo para os
portugueses.
Logo em seguida,
Portugal condenava publicamente o Brasil, acusando-o de estar a ajudar os
rebeldes exibindo aquela carta assinada pelo ministro das Relações Exteriores,
o que valeu a demissão daquele governante como forma de o Brasil lavar a face.
É assim que, em
1961, Tchambale e Bucuane regressam para Moçambique?
- Exactamente.
Tinham cumprido a sua missão de impedir a luta pela independência de
Moçambique.
Então, continuámos a trabalhar. Já tínhamos um magazine chamado “Combate” que se publicava regularmente em Dar-es-Salaam, porque embora algumas figuras importantes da TANU não nos quisessem ficava feio atirarem connosco dali para fora.
Então, continuámos a trabalhar. Já tínhamos um magazine chamado “Combate” que se publicava regularmente em Dar-es-Salaam, porque embora algumas figuras importantes da TANU não nos quisessem ficava feio atirarem connosco dali para fora.
E isso é que fez com que o cônsul português fosse
expulso?
- Creio que sim, embora uma das razões tivesse sido a missão de sabotagem que fizeram no nosso escritório.
Continuámos a
trabalhar e a tentar ganhar muitos membros do MANU para os nossos ideais.
Nessa altura, a
UDENAMO já contava no seu seio com muitos membros do movimento oriundos do
Norte de Moçambique, principalmente makondes e nyanjas de Cabo Delgado e
Niassa, respectivamente.
Continuámos,
entretanto, a enfrentar muitas dificuldades no Tanganyika porque o rótulo que
nos tinha sido posto de não alinharmos na ideia da união entre Moçambique e o
Tanganyika antes da libertação do País fazia com que as autoridades emergentes
daquele país vivessem sempre numa desconfiança.
Chegámos a ter mais
de cinco reuniões com a MANU na presença dos representantes da TANU em que as
coisas que pretendíamos ver regularizadas eram sempre muito difíceis. Quer
dizer, a TANU não nos deixava falar com a MANU sozinha, sempre que marcássemos
um encontro com a MANU vinham também representantes da TANU para ouvir o que
nós queríamos dizer à MANU e para controlar como é que a MANU respondia às
nossas intenções.
Mas enquanto nos
defrontávamos com estas dificuldades ao nível do Tanganyika, em contrapartida,
a nossa aceitação internacional ia crescendo cada dia que passava, razão porque
em todas as conferências internacionais das mais importantes nós éramos
convidados quando a MANU era sempre marginalizada.
Adelino Guambe, arquitecto da unidade nacional
Quando somos convidados a participar na “All Freedom fighters Conference” em Acra, capital do Gana, que teria teria lugar a partir do dia 30 de Maio de 1962, já havíamos sofrido muito com o Tanganyika.
Mas nessa ocasião,
antes dessa Conferência de Acra, o Guambe escreve-nos e comunica também a
Marcelino dos Santos que aquela era a oportunidade que nós tínhamos de nos
fazer representar em Acra não como UDENAMO mas como representantes de todo o
Moçambique. Com isso ele queria dizer que na nossa delegação deviam estar
representados os membros da MANU. Ele explicava ainda que aquela situação iria
nos dar a oportunidade de conversar no Gana a sós, nós os moçambicanos, sem a
interferência indesejável dos membros do governo do Tanganyika e nem do partido
TANU.
Ele orientou ainda
que a UDENAMO devia levar quatro delegados para aquela conferência, enquanto a
MANU far-se-ia representar por três membros do seu movimento. E dizia que no
caso de não nos entendermos através das discussões, a decisão seria alcançada
por meio do voto, estando à partida garantida a vitória da UDENAMO na votação.
Por isso, com esta estratégia, no dia 30 de Maio de 1962 voámos rumo a Acra para irmos tomar decisões que viriam a ser cruciais na vida da libertação deste País.
Por isso, com esta estratégia, no dia 30 de Maio de 1962 voámos rumo a Acra para irmos tomar decisões que viriam a ser cruciais na vida da libertação deste País.
Em Acra, enquanto o
período diurno de 1 e 2 de Junho estava plenamente dedicado aos debates da
Conferência, à noite desses mesmos dias nos encontrávamos como representantes
dos dois movimentos, UDENAMO e MANU, para discutir os nossos problemas.
Começámos a discutir
os nossos problemas de união sem a presença dos tanzanianos, sem a
interferência da TANU.
No primeiro dia não
chegámos a nenhum entendimento. No dia seguinte, 2 de Junho, depois da
conferência internacional em que estávamos a participar, à noite voltámos a nos
encontrar.
Finalmente, naquela noite de 2 de Junho, concluímos com satisfação que um novo movimento para libertar Moçambique tinha que aparecer.
Finalmente, naquela noite de 2 de Junho, concluímos com satisfação que um novo movimento para libertar Moçambique tinha que aparecer.
Portanto, os
delegados da UDENAMO foram os seguintes: Adelino Guambe, Fanuel Mahluza,
Calvino Mahlayeye e Marcelino dos Santos. Pela MANU estiveram Mateus Mhole,
Samuli Diankali e Daúd Atupale.
Foi no dia 2 de
Junho que foi selado o acordo da união dos dois movimentos de libertação
nacional.
E então, dissemos o
seguinte: “estamos todos satisfeitos porque conseguimos a nossa união. Agora,
vamos pensar o nome pelo qual será conhecido o nosso movimento. E o Guambe como
presidente, fez a sua proposta primeiro, sugerindo que o movimento se chamasse
“Frente Democrática de Moçambique, FREDEMO”.
Eu, Fanuel Guidion
Mahluza, dei a seguinte sugestão: “Frente de Libertação de Moçambique,
FRELIMO”.
Marcelino dos Santos
diz: Frelimo soa melhor. E todos concordámos que o novo movimento se chamasse
Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), isto na noite do dia 2 de Junho
de 1962, em Acra, capital do Gana, onde nos encontrávamos a participar na
conferência de todos os movimentos de libertação de África, convocada por Kwame
Krumah.
Então, foi o senhor que deu nome à Frelimo?
- Não fui eu que dei o nome, mas fiz uma sugestão e depois Marcelino dos Santos considerou que FRELIMO soava melhor do que FREDEMO. E então, a nova organização que resultaria daquela união se chamaria FRELIMO.
Esta decisão foi
tomada no dia 2 de Junho de 1962. Sublinho isto porque tem havido muita
distorção da História afirmando-se que a Frelimo foi inventada doutra maneira.
Temos já a FRELIMO a
partir daquele dia, resultado de uma reunião de sete moçambicanos na capital do
Gana, Acra.
E nessa noite,
tentámos escrever um discurso que seria enviado à imprensa, no dia seguinte
para declarar o nascimento da FRELIMO.
e facto, o anúncio
desta decisão viria ao conhecimento da opinião pública no dia 3 de Junho de
1962, pela voz de Adelino Guambe, portanto, Adelino Guambe é o primeiro
moçambicano a falar publicamente do nascimento da Frelimo.
Então, naquela noite vocês decidem mandar à imprensa um comunicado?
- Sim. Nós decidimos mandar um documento para a imprensa para ser publicado no dia 3. Então, no dia 3 fomos à imprensa e Adelino Guambe, que é o chefe de tudo, vai ler à imprensa o nascimento de um novo movimento, de uma nova frente decidida a lutar de forma unida pela Independência de Moçambique. Acabava de nascer para Moçambique e para o mundo a FRELIMO, Frente de Libertação de Moçambique.
Portanto, toda
aquela Conferência apoiou o moçambicano porque os angolanos tinham dois
movimentos, que não se quiseram unir\; os zimbabweanos tinham dois movimentos
que também não quiseram unir-se\; a África do Sul tinha dois movimentos e não
havia nada.
Só o moçambicano é
que tinha conseguido uma união. Os angolanos tinham dois movimentos, UPA e MPLA
e não quiseram unir-se, mas os moçambicanos uniram-se e a FRELIMO teve um
grande apoio.
Havia o problema de
Tanganyika agora, em que a UDENAMO devia sair. Mas tendo conseguido constituir
um único movimento, uma única frente, as autoridades de Tanganyika não podiam
dizer que não, não nos apoiam. O que foi anunciado no Gana já não era UDENAMO e
MANU, era a FRELIMO.
Então, a partir de
então o quê que ficava? Era naturalmente, a integração dos dois movimentos, os
membros e as propriedades deveriam vir para a FRELIMO. Com uma urgência
marcámos para o dia 23 de Junho, como o dia da integração dos dois movimentos,
o dia em que iríamos fazer uma cerimónia para integrarmos as propriedades e os
membros dos dois movimentos.
Foi o dia marcado
para não demorarmos, para não dar mais chance ao Tanganyika de nos dividir
mais. Portanto, voltámos para Dar-es-Salaam o que deve ter acontecido entre os
dias cinco ou seis. Quando chegámos em Dar-es-Salaam encontrámos o senhor
Baltazar Chagonga ou melhor, José Baltazar Chagonga de seu nome completo, que
disse ter um movimento chamado UNAMI (União Nacional de Moçambique
Independente).
Onde é que estava este senhor?
- Este senhor Baltazar Chagonga estava, na altura, no Malawi. Mas, nessa altura, o Malawi não estava independente. Portanto, o movimento dele estava no bolso, porque não se podia anunciar.
Por isso, ele sai do
Malawi quando ouve a notícia da união entre a UDENAMO e MANU nascendo a
FRELIMO.
Então ele sai do
Malawi e vem para Dar-es-Salaam.
Então a FRELIMO não é produto da fusão de três movimentos como se diz por aí? M
- Oiça de mim. Eu estou a dizer aquilo que de facto aconteceu e porque eu estava presente. Eu era vice-presidente da UDENAMO.
Mas eu estava à espera de encontrar os três movimentos reunidos a fundar a FRELIMO sob a direcção de Eduardo Mondlane...
- Calma aí! Quando chegámos em Dar-es-Salaam, encontrámos Chagonga com os elementos que constituíam o seu movimento. E ele disse-nos que tinha ouvido a notícia da união dos dois movimentos e que não queria que o seu movimento ficasse de fora da união.
E nós, grupo que já
constituía a FRELIMO nessa altura, fomos reunir e concluímos que não tínhamos
outra alternativa senão deixar aquele homem vir assinar perante nós o
compromisso de que ele e os membros do seu movimento passavam a fazer parte da
Frente de Libertação de Moçambique, FRELIMO. Chamámos o senhor José Baltazar
Chagonga e ele assumiu por escrito o compromisso de se filiar, com os seus
seguidores, na frente de Libertação de Moçambique.
Foi a partir daí que
a FRELIMO passou a ser constituída por três movimentos.
Eu não estou a
sonhar. Estou a falar da História que ajudei a construir.
O senhor Moyana está
a ter a História real do surgimento da Frente de Libertação de Moçambique. E o
livro que eu tenho está a dizer tudo isto que estamos aqui a falar.
Mas, então, onde é que está o Dr. Eduardo Mondlane quando vocês fundam a Frelimo?
- Quando nós
fundámos a Frelimo o Dr. Mondlane estava nas Nações Unidas, como funcionário
sénior. E, já em 1961, estávamos em contacto, via correspondência, com o Doutor
Eduardo Mondlane. Quando veio para aqui, para a ex- Lourenço Marques, de férias
e voltou para os Estados Unidos ele nos disse: eu quero participar, mas sou funcionário das Nações Unidas. Não posso
estar nas Nações Unidas e ao mesmo tempo estar no movimento de libertação nacional.
Guardem o meu nome clandestino. Isso na UDENAMO e não no MANU. Ele reiterou
isso dizendo que guardem o meu nome clandestino porque ainda sou funcionário
das Nações Unidas. E então ficámos assim, porque nós queríamos o Dr. Mondlane
como um grande homem e um primeiro Doutor moçambicano.
Mas, então, nessa
altura não podíamos fazer nada porque ele estava engajado em funções nas Nações
Unidas. É nisto que avançámos para a integração de todos os três movimentos na
criação da FRELIMO.
O quê acontece,
Simango e o grupo dele de intelectuais já tinham chegado, nessa altura, a
Dar-es-Salaam.
Mas antes eles estavam onde?
- Estavam no Zimbabwe, mas já eram membros da UDENAMO. Só que quando no Bulawayo forma-se a UDENAMO, Urias Simango era presidente de African Society, uma organização mútua. Tinham muitos membros.
Portanto, nós
entrámos em contacto depois da formação da UDENAMO com Urias Simango e ele
passa a ser um membro da UDENAMO clandestino, mas estando naquela associação e
ao mesmo tempo quadro.
Urias Simango e
Paulo Gumane chegaram ao mesmo tempo a Dar-es-Salaam. Até porque algumas
reuniões que tivemos com os membros do MANU em Dar-es-Salaam já estiveram
presentes Urias Simango e Paulo Gumane...
Paulo Gumane vinha da Rodésia também?
- Não!... Ele vinha da África do Sul. Era membro de um movimento trabalhista da África do Sul.
Era um dos oficiais
de um partido Trabalhista da África do Sul e membro do Pan African Congress da
África do Sul.
Mas quando ouviu da
formação da UDENAMO, a Pan African Congress ajuda o Paulo Gumane para sair
daquele país e vir juntar-se a nós, porque ele era moçambicano. E Urias Simango
também conseguiu se deslocar naquele mesmo mês que me parece ter sido em
Dezembro de 1961, para a cidade de Dar-es-Salaam, capital do então Tanganyika.
Então, o grupo do Simango chega acompanhado de Filipe Samuel Magaia, Silvério
Nungo, Machava e mais este Gundana, o Feliciano Gundana.
Este foi
o grupo que veio juntar-se a nós em Dar-es-Salaam trazido por Urias Simango, e
é um grupo que grosso modo saía da Escola Comercial da Beira, um pouco
intelectual, porque a maioria dos seus membros já tinha o 2º Ano.
E Filipe Samuel Magaia saía dessa escola, também?
- Saía dessa escola, depois de ter sido um soldado colonial.
Então, o quê
acontece aqui? Guambe tinha 21 anos de idade nessa altura, Simango tinha 27
anos e ele tinha um curso teológico e já era um padre e ignora Guambe que já
nessa altura era um membro da liderança. Guambe era um rapaz pequenino que
muitos ignoravam que pudesse estar à frente do movimento. E ele estava a viver
com um grupo de semi-intelectuais que o apoiavam e que, por consequência disso
mesmo, reputava-se como bom grupo.
Mondlane não é arquitecto da unidade entre os três
movimentos
Agora Urias Simango
sente que tem de levar a liderança da Frelimo porque Guambe não tem
escolarização suficiente nem idade para ser líder, segundo o pensamento de
Simango e seu grupo.
É aqui onde se
revela, pela primeira vez no movimento de libertação, o problema entre changane
ndawe e changane tsonga. É aqui que o grupo de Guambe se opõe instintivamente à
possível liderança de Urias Simango, um changane ndawe. O grupo de Guambe era
maioritariamente dominado por changanes tsonga. É aqui que nasce o problema de
Mondlane.
Eu e Mahlayeye
decidimos escrever a um outro mutsonga, Mondlane, com o pensamento de que mesmo
que ele não viesse a ser um líder do movimento de libertação, mas que pelo
menos viesse participar na integração oficial dos movimentos. Então, uma carta
em tsonga é escrita a Eduardo Mondlane por nós, convidando-o a vir a Dar-es-
Salaam para assistir à cerimónia de integração dos três movimentos, marcada
para o dia 23 de Junho. Não posso esconder isto.
E porque é que escreveram em tsonga?
- Para ele compreender melhor o nosso pensamento. Porque queríamos que ele entendesse a essência cultural do problema que lhe colocávamos. Trata-se da afirmação de um grupo sobre o outro. Tratava-se já de luta pelo poder. É o mesmo conflito que houve séculos atrás entre os filhos de Soshangane: Ndawe e Tsonga e que deram origem aos ndaus e tsongas, sendo ambos os grupos filhos de Soshangane.
Esta era a essência
da nossa mensagem, partindo do princípio histórico do relacionamento entre o
tsonga e o ndau.
Então, Mondlane, no
dia 16 de Junho de 1962 chega a Dar-es-Salaam a convite da UDENAMO.
Exactamente porque
nessa altura ainda não havia a integração formal dos movimentos que viriam a
constituir a Frente de Libertação de Moçambique, porque como disse esta estava
marcada para o dia 23 de Junho de 1962.
Portanto, no dia 17
de Junho daquele ano, a Mondlane é dado um cartão de membro da UDENAMO, para
poder participar na reunião da integração dos três movimentos, como membro de
um deles que era a UDENAMO.
Depois disso, no dia
23 do mesmo mês, começam as conversações da integração, na presença de Eduardo
Mondlane. No dia 24 as conversações prosseguiram e precisamente no dia 25 tinha
ficado estabelecido na agenda dos trabalhos que seria o dia da escolha de novos
líderes da FRELIMO.
Eduardo Mondlane era
um dos candidatos da UDENAMO à liderança da FRELIMO. Urias Simango e Paulo
Gumana eram os outros dois candidatos da UDENAMO ao mesmo cargo.
O MANU apresentou como candidatos à liderança da Frelimo Mateus Mhole e um outro de apelido Milingo.
O MANU apresentou como candidatos à liderança da Frelimo Mateus Mhole e um outro de apelido Milingo.
Mondlane, como
intelectual, e como conhecido de todos nós e como primeiro Doutor moçambicano
de raça negra, ganha a presidência da FRELIMO, Urias Simango ganha a
vice-presidência, isto para não falar das posições alcançadas pelos outros,
apenas para destacar estes dois.
Entretanto, Eduardo Mondlane
ainda tinha um contrato nas Nações Unidas, para além de que não vinha para
ficar, mas apenas para participar testemunhar a integração dos três movimentos
que deram origem à Frente de Libertação de Moçambique. Mas mesmo assim é
apanhado de surpresa pela escolha dos moçambicanos.
Entretanto, mesmo
assim ele tinha que voltar aos Estados Unidos por um ano a fim de ir terminar o
seu contrato com as Nações Unidas, deixando Simango a presidir. Mas devido à
muita pressão da Frente, Mondlane acabou ficando nos Estados Unidos apenas seis
meses e cancelou o resto do contrato e veio para Dar-es-Salaam para presidir a
FRELIMO.
Então, Mondlane não é arquitecto da unidade nacional,
como se diz por cá desde há vários anos? Quer dizer, pela sua explicação, não
foi Mondlane que juntou os três movimentos para formar a FRELIMO, ele encontrou
os movimentos já unidos?
- É uma grande
mentira que se propala por este País e se ensina a mesma mentira nas escolas.
Não sei o que é que custa dizer a verdade. É mentira, Mondlane não uniu nenhum
movimento. Mondlane foi convidado por nós da UDENAMO para vir testemunhar a
integração dos três movimentos, já unidos por nós na ausência de Mondlane. A
união dos movimentos foi um trabalho aturado de vários meses e Mondlane apenas
chegou a Dar-es-Salaam no dia 16 de Junho de 1962 para no dia 25 de Junho ser
eleito presidente da FRELIMO. O sr. acha que em uma semana que Mondlane esteve
em Dar-es--Salaam é possível unir algum movimento? Para já fomos nós que
apresentámos Mondlane aos líderes doutros movimentos que estavam para assinar o
compromisso de integração a 23 de Junho.
É mentira dizer que
Mondlane foi o fundador da Frelimo. É mentira. Ele foi apenas o primeiro
presidente da FRELIMO. Há diferença entre ser fundador e ser primeiro presidente
da Frelimo. É que nós, quando fundámos a FRELIMO, Mondlane ainda não estava em
África, estava nas Nações Unidas, em Nova Iorque.
Estou a repetir três vezes que isso é mentira.
E escreva isso mesmo: é mentira... Mondlane não foi fundador da Frelimo,
Mondlane foi o primeiro presidente da Frelimo, o que é bem diferente.
Pergunte bem a Marcelino dos Santos, que ele, se quiser, lhe contará toda a verdade.
Pergunte bem a Marcelino dos Santos, que ele, se quiser, lhe contará toda a verdade.
Eu estou a dizer
isto com autoridade. Eduardo Mondlane não foi o fundador da FRELIMO. Ele foi um
convidado, mas devido à sua intelectualidade, nas eleições onde foi proposto
por nós veio a ganhar a presidência da Frente de Libertação de Moçambique.
Repare que quando
ele veio nem vinha sabendo o que iria acontecer. Não esperava ser presidente da
FRELIMO.
Eduardo Mondlane nem
sequer funda a UDENAMO.
Portanto aqui, há um
erro grande de nós moçambicanos de criar histórias inexistentes e inventadas.
Somos, por isso, uma nação muito chata, muito mentirosa que quer criar coisas
que não existem. É por isso que nós não somos uma boa nação.
Esta independência
foi plantada numa pedra. Em cima da pedra onde dificilmente vamos viver.
Estamos a sobreviver, sim senhor, mas até aqui não existe mão do piloto que
venha publicamente dizer isto não está bom, isto não está bom, isto não pode
continuar assim e isto não quero neste país.
Precisamos muito
desse piloto neste País.
Joaquim Chissano
apareceu em Dar-es-Salaam, nos princípios de 1962, antes da fundação da FRELIMO
e veio identificar-se com a UDENAMO. Ele encontrou-nos a batalhar para termos a
FRELIMO. Ele estava a estudar na França e voltou para lá como membro da UDENAMO
e nomeado nosso representante para a Europa.
Pascoal Mocumbi não
veio, foi representado por Chissano e esses dados estão neste livro de que lhe
falei.
Adelino Guambe e Marcelino dos Santos são heróis
nacionais
Exacto, esse é um outro ponto importante. Quem são,
afinal, os verdadeiros heróis da nossa libertação?
- Olha, Guambe, aos
19 anos, levanta a cabeça e forma um movimento. Este devia ser o Pai da Nação.
Não tenho medo de dizer isto. Escreva isso.
Guambe é o pai desta
Nação. Não é o Dr. Mondlane o Pai desta Nação. Eu respeito o Dr. Eduardo
Mondlane como um grande estadista, mas não que se lhe atribua o título de Pai
desta Nação.
O outro herói, antes
de muitos heróis e heroínas, e começando por Guambe, o outro herói deste País é
Marcelino dos Santos que escreve os estatutos do primeiro movimento que dá a
este país a promessa de se vir a libertar, que é a UDENAMO. Quem escreve isso
foi Marcelino dos Santos.
Nós fundámos a
UDENAMO e sabíamos que era difícil escrever os seus estatutos. Marcelino dos
Santos, quando entra na UDENAMO e constata que o movimento não tinha estatutos,
escreve os seus estatutos, os Estatutos da UDENAMO.
Portanto, Guambe e
Marcelino dos Santos são os primeiros heróis do nosso País. Mas quando você
olha para aqui, nem há uma estrada de sete metros que se chame Adelino Guambe e
outra de cinco metros com o nome de Marcelino dos Santos.
Fomos ensinados que Adelino Guambe foi um dos reaccionários do processo revolucionário. Que mal é que ele fez à FRELIMO?
- É como Urias Simango, é reaccionário porquê? Simango não é nenhum reaccionário. Simango só pode ser visto como reaccionário devido à demagogia do tsonga. Mas eu vou ter que chegar até aí.
Vamos, então, fechar o capítulo Mondlane?
- Mondlane assume a presidência da FRELIMO como candidato da UDENAMO. A UDENAMO candidata para a presidência da FRELIMO três homens, nomeadamente Eduardo Mondlane, Urias Simango e Gumane, enquanto os outros candidatam outras personalidades. Mas são os candidatos propostos pela UDENAMO que ganham a presidência e a vice-presidência da FRELIMO, nomeadamente Mondlane e Simango, ficando assim constituída a direcção da Frente de Libertação de Moçambique, uma organização já criada e que nos dias 23, 24 e 25 de junho de 1962 se tratava apenas da sua constituição oficial através da integração dos três movimentos que lhe deram origem, designadamente, UDENAMO, MANU e UNAMO.
Esta é a história da
fundação dos movimentos de libertação deste País.
Voltando ainda aos
heróis nacionais, devo dizer que depois de Adelino Guambe e Marcelino dos
Santos entrámos na fase dos membros fundadores da Frente de Libertação de
Moçambique. Os que fundaram a FRELIMO deviam constituir a segunda etapa dos
heróis moçambicanos. E tais fundadores são Adelino Guambe, Mahluza, Mahlayeye,
Marcelino dos Santos, Mateus Mhole, Samuli Diankala e Daúd Abdala.
Portanto, esta,
tirando os dois que já estão no primeiro grupo de heróis, ficam cinco que constituem
a segunda etapa dos heróis deste País...
SAVANA – 20.10.2000
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