sexta-feira, janeiro 07, 2011

Cólera em Cabo Delgado: O papel do régulo na (des)informação (2)

Por Pedro Nacuo

CÓLERA: ELO MAIS FRACO

Em Cabo Delgado, a pouco e pouco está parecer certo que os problemas de desinformação à volta da cólera tem como base uma luta silenciosa entre lideres tradicionais ou régulos que não concordaram com a indicação de determinadas figuras da região como representantes dos outros, pois houve erros aparentemente voluntários cometidos pelo processo, em função da conveniência, se bem que os procedimentos tradicionais que regem a indicação e/ou a sucessão não foram observados. Alguns deles não são reconhecidos pela população.

Namarrecua é uma aldeia, há cerca de 30 quilómetros a norte de Montepuez. O nome tornou-se manchete, por na noite do dia 30 de Dezembro passado, um grupo de seis homens ter ido acordar Luís Pedro, o régulo da zona, a quem espancaram, amarraram, levaram-no consigo até irem matar e abandonar o seu corpo à porta da casa de banho da escola primária local.

Nascido em 6 de Agosto de 1962, na mesma aldeia, Luís Pedro foi legitimado régulo Caúla, no quadro do processo que teve lugar sob a batuta do Ministério da Administração Estatal, no meio de muitas desinteligências que hoje dão lugar a estranhos comportamentos de gente vivendo na mesma aldeia.

Luís Pedro era acusado de ter trazido de Pemba, comprimidos que hipoteticamente serviriam para disseminar a cólera, mas a acção foi antecedida por uma reunião nocturna de outros líderes, da ala que se acha dona legítima do poder tradicional na zona, incluindo a rainha, Amissina Bulaimo.

Na verdade, em Namarrecua, com 1979 habitantes, a divisão política e tradicional está fisicamente representada pela estrada Montepuez/Mirate, sendo que do lado direito vivem pessoas da Renamo e outros partidos da oposição e do outro lado, simpatizantes e membros do partido Frelimo. Esta divisão corresponde igualmente à localização de quem reconhecia ou não a autoridade do régulo legitimado.

Luís Pedro não era consensual, assim como o actual chefe da aldeia, Arcanjo Binasse Salimo que diz, falando para jornalistas e quase a lacrimejar que “não sei como vou mandar nesta aldeia, até porque os que mataram o régulo foram ouvidos a dizer que falta matar uma pessoa”. Teresa Constantino, esposa do régulo assassinado assistiu o seu marido a ser levado sob todo horror possível e ouviu mensagens discriminatórias com base nas diferenças encimadas.

A cólera, que nem sequer atingiu a aldeia de Namarrecua, foi o elo mais fraco encontrado pelos seus contrários, principalmente porque acabava de regressar de uma reunião, em Pemba, orientada pelo governador provincial, Eliseu Machava, na qual os régulos e líderes tradicionais foram instruídos a lutar contra a desinformação, a ajudar o Governo na sua tarefa de levar mais raparigas para a escola, combater as queimadas descontroladas, entre outras medidas, incluindo ao cumprimento da directiva “cada líder uma floresta”.

Na opinião dos detractores do já finado régulo Luís Pedro (Caúla), não teria sido ele a ir àquele encontro, que teve lugar no dia 23 de Novembro passado, supostamente porque não os representava, se bem que a sua ascensão ao poder terá sido possível por ser conveniente e não pelos procedimentos tradicionalmente aceites.

Em Namarrecua todas as actividades são feitas conforme tais diferenças segundo confirmou Lúcia António, do Departamento de Saúde Pública que trabalha na Direcção Provincial, que já esteve noutras ocasiões naquela aldeia, em campanhas de vacinação, nas quais encontrou muita renitência conforme seja, de pessoas apoiantes ou não de uma das alas.

Em consequência do assassinato, até terça-feira passada haviam sido recolhidos para as celas policiais, em Montepuez, 15 pessoas, sobre quem recai a suspeita de terem urdido o plano de eliminação física do régulo Luís Pedro, incluindo os supostos autores materiais do crime.

Fonte: Jornal Notícias - 06.01.2011

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