Parlamento Juvenil e Salomão Muchanga:
Há momentos em que aquela que se pretende ser grande História dá lugar a pequenas histórias vividas no quotidiano, aquelas histórias feitas por pessoas anónimas no seu dia-a-dia. Nesses momentos, a História, a grande História, esgota-se nos mitos. Nesses momentos, o silêncio é denegado e a ilusão social de uma sociedade próspera e de justiça social imposta pela ideologia dominante é questionada. Durante o ano 2010, o Parlamento Juvenil, uma organização da sociedade civil com apenas dois anos de vida, chamou a si a responsabilidade de interpelar criticamente o país, promovendo estimulantes debates em que jovens, ora interagindo com académicos ora interagindo com políticos, procuravam apreender a realidade do país para além dos constrangimentos ideológicos.
Esta forma de ser e de estar, esta forma de exercer a cidadania, motivou a redacção do semanário SAVANA a eleger para figura do ano 2010 o Parlamento Juvenil (PJ) e o seu presidente Salomão Muchanga.
Trata-se de uma plataforma que congrega 120 organizações juvenis sem fins lucrativos e de origem não partidária.
Sua estrutura organizacional ainda está em construção, mas este movimento de engajamento social já se acha em todas as províncias do país. Não tem orçamentos chorudos, esse cartão de visita de muitas organizações da sociedade civil moçambicana. Mas com os parcos apoios canalizados por entidades que se simpatizam com as suas causas, o PJ conseguiu impor-se na sociedade através do seu convite a uma reflexão crítica e aberta da vida do país.
Em apenas dois anos de vida, o PJ tornou-se numa plataforma onde a juventude reinventa os seus paradigmas libertários, a sua emancipação e engajamento sociais, enfim, onde os jovens procuram interpelar criticamente o país enquanto comunidade de destino.
Em apenas dois anos de existência e com modestos recursos, o PJ ganhou notoriedade na esfera pública nacional através do seu activismo social. Foi em 2010 que o PJ tornou-se num centro de gravitação de jovens e adultos amantes da liberdade da palavra e da cidadania activa.
Interagindo com académicos, jornalistas, activistas dos Direitos Humanos e políticos, os jovens do PJ e outros entusiastas iam reinventando os seus paradigmas libertários, o seu engajamento e emancipação sociais.
Movimento jovem
O PJ não é a única organização juvenil a actuar no país. Existem outras também de âmbito nacional e até financiadas pelo Estado. Mas a particularidade do movimento liderado por Salomão Muchanga reside na sua natureza, na sua forma de actuar e nos objectivos a que se propõe seguir: dar voz aos jovens e não falar em nome de jovens, abrir espaços para o pluralismo de ideias e pressionar o Governo e outros poderes instituídos a tomar a sério os problemas da juventude. Sua forma de ser e de estar na esfera pública nacional tem posto em causa alguns mitos sobre a falta de espaço democrático para o desenvolvimento de uma sociedade civil activa e responsável em Moçambique.
O movimento tem conquistado apoios e simpatias de sectores progressistas da sociedade moçambicana, incluindo de figuras emblemáticas da Frelimo.
Parte das críticas mais incisivas à forma de estar de alguns membros da Frelimo foram feitas em sede de debates organizados pelo PJ por figuras históricas do partido, nomeadamente Jorge Rebelo.
Esta forma de ser e de estar conseguiu efeitos paradoxais: granjeou simpatias e hostilidades.
Seu carácter interventivo e questionador tende a chocar os espíritos mais estabelecidos que não são capazes de compreender as dinâmicas sócio políticas do país. Foram esses espíritos habituados a uma juventude silenciosa e subserviente que cedo começaram a conotar o movimento como estando contra o poder instituído.
Foram esses espíritos habituados a olhar para a juventude como simples auditório passivo dos seus discursos que cedo começaram a conotar o movimento como estando ao servindo de uma agenda externa.
Perante essas conotações e outras formas de hostilidades, o movimento não vergou a continuar a afirmar-se como uma organização preocupada em fazer da juventude uma faixa activa e interventiva no projecto de construção da nação e a transformar o distrito um pólo de desenvolvimento democrático.
Foi no ano que nesta sexta-feira termina que o PJ representou Moçambique na reunião das lideranças juvenis africanas com o Presidente dos EUA, Barack Obama. O encontro que tinha por objectivo discutir a África nos próximos 50 anos, reuniu 115 jovens líderes africanos de 46 países africanos. Para além de Quitéria Fernando Guirengane, chefe da Divisão dos Negócios Estrangeiros, do Parlamento Juvenil, Moçambique esteve representado por Nadja Remane Gomes, advogada da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) e Paulo Lopes de Araújo, coordenador nacional, da Associação da Juventude para o Desenvolvimento e Serviço Social de Moçambique.
Depois do discurso de Obama, o Secretário de Estado Adjunto para os Assuntos Africanos, Johnnie Carson, convidou a primeira oradora do dia, a moçambicana Quitéria Guirengane, a usar da palavra. Expressando-se em português, Guirengane, do Parlamento Juvenil de Moçambique, afirmou que o panorama com que a sua organização se confronta hoje é sombrio. E citamos: Vivemos uma democracia precária, onde o jovem apesar de constituir a maioria activa é continuamente preterido para um lugar de subalternidade e no qual apenas os jovens activistas do “lambebotismo” e do “yes-manismo” é que constituem a ínfima percentagem meramente cosmética de jovens nos órgãos de tomada de decisão, explicada pela necessidade política de visibilidade e não como factor de aprofundamento do exercício democrático do poder. Fomos e somos constantemente combatidos por nos afirmarmos como órgão apartidário e mobilizador da juventude”, disse Quitéria Fernando Guirengane, perante as centenas de jovens líderes presentes na sessão inaugural deste encontro em Washington.
Guirengane disse ainda que “Moçambique é um exemplo avançado de um Estado partidarizado e de uma democracia precária, sublinhando que os Direitos Humanos em Moçambique são uma miragem e que o direito dos jovens à informação é constantemente violado pelas instituições públicas disfarçado de “segredo de Estado”, o que no seu entender hipoteca a transparência da coisa pública.
Fonte: Savana in Diário de um sociólogo - 31.12.2010
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