TRIBUNA DO EDITOR
Por Fernando Gonçalves
Nas celebrações do 35ª aniversário da independência, no dia 25 de Junho, podemos todos ter estado envoltos sob o manto da bandeira nacional, mas certamente que a efeméride teve significados diferentes para diferentes pessoas.
A luta pela independência não foi apenas uma missão difícil devido à natureza da confrontação com o inimigo colonial português. Foi também complexa pela necessidade do movimento de libertação gerir as suas próprias contradições internas, as quais iam-se multiplicando cada vez que novos desafios se colocavam à frente.
O movimento de libertação nem sempre esteve unido quanto à estratégia a ser aplicada para a conquista da independência. Do mesmo modo, o período pós-colonial era idealizado de formas diferentes pelas diferentes tendências ideológicas que militavam na Frente. A opção marxista-leninista nunca foi uma decisão tomada por aclamação, embora se tenha tentado dar a ideia de que assim o tenha sido.
Das várias correntes que perfilavam dentro da Frente, somente uma podia triunfar. É essa corrente que fica com o privilégio de contar a história. Ou melhor, a sua versão da história, uma versão que tem que ser moldada para demonstrar que foi a “linha correcta” que triunfou.
Na lógica das coisas, os derrotados ou teriam que desertar e formarem um movimento alternativo, ou conformavam-se com a derrota, submetendo-se à vontade dos vencedores. Não foi nada disto o que aconteceu. Os derrotados que não foram a tempo de buscar o conforto do exílio no Quénia, Estados Unidos, Europa ou outras partes do mundo foram presos, humilhados e finalmente mortos. Nunca foram sujeitos a nenhum julgamento para que os seus acusadores provassem a sua culpabilidade. Escusado dizer que lhes tenha sido oferecida oportunidade para se defenderem.
Com o tempo, a situação transformou-se de forma radical, e deve haver entre os vencedores aqueles que se sentem arrependidos pelo que aconteceu. Afinal, a idade também pode ajudar a olhar para o passado com um sentido crítico.
Pode-se aproveitar o actual momento de abertura para debater as coisas de forma honesta, sem emoções, demagogias, rancores ou ódios. A independência de Moçambique nunca estará completa enquanto não houver reconciliação entre os que ousaram sacrificar a sua juventude para que futuras gerações nascessem livres.
A Frelimo precisa de ganhar coragem e ultrapassar o embaraço de ter que esclarecer as circunstâncias em que alguns dos seus ex-dirigentes foram mortos. Os familiares destas figuras precisam desses esclarecimentos para poderem também se sentir livres.
Há questões práticas que devem ser confrontadas para que a vida se torne normal e para que os fantasmas do passado sejam exorcizados. Por exemplo, é necessário que sobre os mortos sejam emitidas as respectivas certidões de óbito como prova legal desse facto, para facilitar que os seus descendentes possam reivindicar seja qual for a herança material que tiver sido deixada pelos seus progenitores.
Será igualmente um gesto prático de reconciliação se os corpos destes indivíduos pudessem ser formalmente devolvidos aos seus legítimos familiares, permitindo-lhes a realização de cerimónias fúnebres condignas.
Não basta a retórica de que “os traidores foram fuzilados”. O conhecimento da data exacta desse acto permitirá aos familiares realizarem cerimónias comemorativas em datas que não sejam produto da sua própria imaginação.
Tudo isto são direitos humanos imprescindíveis, e de que qualquer nação livre se deve orgulhar.
Haverá mais uma questão por esclarecer. Em que circunstâncias é que supostas ofensas cometidas no contexto de um movimento de libertação (portanto, a priori sem Estado), são julgadas e as respectivas penas executadas extrajudicialmente num Estado independente.
Terá sido o caso de uma decisão de alguém com excesso de zelo, agindo por conta própria? Até que ponto tal acção terá em si constituído um crime? Quem é o responsável?
Estas não são questões triviais. Elas não devem ser reduzidas ao âmbito do partido Frelimo, pois trata-se de cidadãos moçambicanos que pelo seu envolvimento na luta pela independência nacional são património comum de todos nós. Estas são questões cuja abordagem frontal ajudará muito para a consolidação da reconciliação nacional, a base mais sólida para a Unidade Nacional que tanto almejamos.
Fonte: Savana in Diário de um sociológico - 09.07.2010
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