A talhe de foice
Por Machado da Graça
A notícia de que, sob o patrocínio da Fundação Joaquim Chissano, se vão construir cerca de 2000 residências para jovens, está já a causar alguma polémica.
O Parlamento Juvenil, por exemplo, veio a público afirmar que o projecto é apenas “mais um negócio chorudo para a nomenklatura”.
O que pode ser que seja verdade. Temos agora que verificar se, para além de ser isso, é bom ou mau para o país. Ou se não é nem uma nem outra coisa.
Por tudo o que tenho lido e pelo que ouvi do responsável do projecto, o Erik Charas, este projecto não pretende ser aquilo a que se costuma chamar de casas de renda económica. Não. Abertamente trata-se de casas com um nível de qualidade destinada a gente com posses bastante acima da média dos nossos jovens. Casas destinadas a uma jovem burguesia, a uma classe média, como lhe chama Charas. Só a quantidade de tijoleira que ele referiu na RM é disso demonstrativa.
Os próprios preços a praticar nos dizem quem é o público alvo. Uma casa de tipo 4 fica por 120 mil dólares, pagáveis em 30 anos.
Ora, fazendo contas simples, isto significa 4 000 dólares por ano ou 333 dólares por mês. Neste momento, cerca de 14 000 Meticais/mês.
Portanto, o projecto é um negócio, não é uma obra de caridade nem se pretende substituir àquilo que deveria ser uma obrigação do nosso Estado: garantir habitação condigna para todos os cidadãos.
Para dizer a verdade ainda não cheguei a perceber bem qual é a função da Fundação Joaquim Chissano neste projecto. Será só dar um nome com prestígio para ajudar a abrir portas e fazer pontes? Talvez. Mas quando pensamos numa fundação a ideia que temos é de uma entidade que funciona com fins benévolos, enquanto aqui aparece associada a fins comerciais.
De qualquer forma cria uma certa confusão, que levou, inclusive, um ouvinte da Rádio Moçambique a estranhar que Joaquim Chissano não tenha feito nada nesta área enquanto esteve no poder e o esteja a fazer agora.
Mas, apesar de ser um negócio e de as casas serem demasiado caras para a esmagadora maioria dos nossos jovens (e mesmo dos nossos já não jovens...) os preços são ainda razoavelmente baixos, se comparados com o que se está a praticar hoje no mercado imobiliário de Maputo. O segredo, segundo Charas, são as economias de escala. Isto é, fazendo muitas casas o custo das matérias primas diminui substancialmente, os projectos das casas, sendo de acordo com padrões pré-estabelecidos, também são muito mais em conta, etc.
Em resumo, os empreendedores esperam ter lucros com o projecto e os compradores poderão ter casas por preços bastante abaixo dos actuais. O que é bom para uns e para outros.
É claro que tudo isto se passa no seio de uma camada social específica. Os filhos da burguesia moçambicana, jovens já com estudos, com empregos de alguma qualidade e razoavelmente bem remunerados, com carreiras profissionais ascendentes à sua frente e, também, com os bolsos cheios dos pais, atrás, para se houver algum azar nos pagamentos.
Nada tem a ver com as necessidades de habitação do conjunto da nossa juventude. Para satisfazer essas necessidades serão necessárias muitíssimo mais casas, muitíssimo mais baratas. Com o essencial para uma vida decente e confortável mas sem os luxos das tijoleiras e coisas do género.
E isso é uma necessidade urgente que o Estado tem que saber enfrentar, sob pena de ver crescer uma geração de descontentes, que possa começar a pensar em viragens muito mais radicais do que as papagueadas por Edson Macuácua.
Como se insere o projecto de Erik Charas no problema geral da habitação do país? De alguma forma diminuindo a pressão sobre o mercado imobiliário e, assim, fazendo baixar os preços.
Por outro lado, se o Estado acordar e começar a construir para a juventude nacional, os compradores das casas do projecto comercial já não irão competir com os jovens de menores recursos na ocupação das casas de renda económica. Competição em que a sua posição social lhes faria ter preponderância.
Não é um benefício estrondoso? Não, não é. Mas é mais um tijolo num muro que é urgente ser construído. Um tijolo de luxo, só acessível a poucos mas, apesar de tudo, um tijolo bastante útil no muro.
P.S. – Através da internet vi o que não pensava ser possível assistir na minha vida. Foi a reportagem, na televisão da Coreia do Norte, sobre o jogo do Mundial entre o Brasil e a Coreia do Norte. Como o leitor sabe o Brasil ganhou por 2-1 à Coreia, mas a TV de Pyongyang.só mostrou o golo da Coreia e deu, como resultado final, uma vitória coreana por 1 – 0 !
Como terão eles reportado a goleada que Portugal lhes pregou por 7 – 0 ? .
Malhas que a ditadura tece, diria o poeta...
Fonte: SAVANA - 25.06.2010
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