DIALOGANDO
Por Mouzinho de Albuquerque
DIZ- SE que buscar a realidade e publicá-la como ela é, é uma tarefa que o jornalismo pode e deve fazer. Abdicar a ela seria o mesmo que acreditar todo o tipo de manipulação e esvaziar o jornalismo de sentido ou investigativo, exactamente quando tanto se precisa, quanto mais num país cheio de problemas como o nosso.
Quando tanto se precisa um jornalismo que não somente promova a igualdade de cidadãos no acesso à informação “quente”, como também a interacção social e cidadania, onde essas fontes não olhem este tipo jornalismo com desconfiança.
Este sucinto intróito vem a propósito dos concursos anuais do jornalismo que incluem o de investigação promovidos pelo Sindicato Nacional de Jornalistas em parceria com algumas instituições. É certo que é de elogiar esta iniciativa, mas no caso do jornalismo investigativo, na minha modesta e seguramente discutível opinião, se deveria pensar mais, no sentido de se perceber melhor a complexidade do seu exercício neste país.
Não se quer aqui abordar este tipo de jornalismo nas suas vertentes académicas, mas no contexto da sua prática num país, como está dito, como o nosso, em que mesmo existindo muita matéria, principalmente criminal para se fazer um jornalismo de investigação sério, não condicionado, responsável e sobretudo de qualidade, precisamos também de uma maturidade ou vontade política.
É evidente que não é nenhuma utopia pensar que não estamos em melhores dias para o exercício de jornalismo investigativo sério e de profundidade, pois que contactamos diariamente com a realidade e sabemos que as fontes de informações credíveis não são fáceis.
A existência de um jornalismo de investigação verdadeiro (pelos menos dos crimes), no nosso país requer mudanças de fundo que desde há muito impõe fazer. Não é com recursos limitados que devemos decidir apostar abertamente no jornalismo investigativo, reconhecendo que isso pode ser o seu grande para a concretização.
Bem sei que no nosso país existem profissionais de informação capazes de fazer um jornalismo investigativo de fundo, claro cumprindo com todas as regras, na denúncia e defesa de medidas penais extremas contra os envolvidos por exemplo, na morte macabra do economista Siba- Siba Macuácuá, Armando Ossufo, antigo director da cadeia de máxima segurança, vulgo BO, e outros criminosos e corruptos, mas isso, conforme disse, depende também da vontade política.
O país vai ou continua mal em termos de corrupção, criminalidade, e contrabando de madeira, entrada massiva de estrangeiros ilegais, por exemplo, e estes são assuntos que um profissional de informação pode “pegar” e produzir uma reportagem de investigação séria. Mas esses males não se combatem quando os que detém o poder ou envolvidos na prática de crimes andam mais preocupados em diminuir ou limitar, de várias formas, entre as quais ameaças de morte, o poder ou a capacidade investigativa do jornalista.
É por isso que posso afirmá-lo sem reservas: o nosso país ainda não tem cultura para a prática deste tipo de jornalismo (principalmente investigação de crimes). Só quando tivermos visão e estratégia para Moçambique, e não para interesses de uma camada de pessoas que sempre lutou para que o essencial no cometimento de um crime seja ocultado.
No caso do dono do MBS parece que a imprensa nacional é uníssona, em sua defesa, embora nenhum órgão de comunicação social já investigou com profundidade se o que dizem os americanos é verdade ou mentira. Aliás, aí está mais uma matéria para o jornalismo de investigação sério e não de “lambe-botas”.
Fala-se do envolvimento de alguns elementos da polícia na prática de vários crimes, como roubos, assassínios entre outros. E é um assunto antigo, mas até hoje nunca um jornalismo de investigação profundo interveio, pois isso implica “coragem” e riscos para a integridade física do jornalista. É por isso alguns deles não querem correr esse risco só por causa de uma “ninharia” de 3 ou 10 mil dólares.
Ainda bem que no ano passado, se a memória não trai, não houve vencedor do concurso jornalismo investigativo “Carlos Cardoso”, por falta de qualidade dos trabalhos produzidos e submetidos a entidades promotoras. É que, na verdade, é absurdo, na minha perspectiva, premiar obras que não dignificam aquele que é considerado o grande mentor do jornalismo investigativo em Moçambique e que por causa disso foi barbaramente assassinado por aqueles que não gostam este tipo do jornalismo.
Acredito que com essa decisão as entidades que promovem estes concursos, com destaque para os de jornalismo investigativo, querem nos dizer que não têm a intenção de fazer uma política à sua imagem contra ou em detrimento da qualidade das reportagens.
Contudo, é prestigiante constatar que algumas das nossas grandes empresas estão interessadas em valorizar o trabalho dos jornalistas, que apesar de inúmeras dificuldades que enfrentam no exercício da sua nobre, mas arriscada função, conseguem dar o melhor de si para educar e informar a sociedade moçambicana, participando desta forma na luta contra a pobreza absoluta, rumo ao desenvolvimento social, económico, cultural e desportivo.
Fonte: Jornal Notícias - 12.08.2010
Reflectindo: bem dito Mouzinho de Albuquerque, no nosso país ainda não há cultura para a prática de jornalismo, principalmente investigação de crimes. Até muitos crimes não precisam de muito trabalho para que a nossa imprensa produza evidências, mas há vontade política? E como podemos ter essa cultura?
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