Decreto que proíbe ministro de anular contactos de trabalho de estrangeiros contraria lei do trabalho
Um dos casos mais mediáticos de revogação do contrato de trabalho de cidadão estrangeiro em Moçambique aconteceu em Outubro de 2013, quando a então ministra do Trabalho, Helena Taipo, deu dois dias ao português Diamantino Miranda, à época treinador do Costa do Sol, para abandonar o país. Miranda foi expulso duas semanas depois de ter chamado os moçambicanos de ladrões.
Cerca de quatro anos depois, o Conselho Constitucional (CC) julgou inconstitucional a norma jurídica que dá poder ao ministro responsável pelo sector de trabalho de revogar o acto administrativo que permitiu a contratação do trabalhador estrangeiro. Ou seja, o ministro do Trabalho já não pode anular contratos de trabalho de cidadãos estrangeiros em Moçambique.
Na verdade, o pedido de declaração de inconstitucionalidade foi feito pelo provedor da Justiça, em 2016, e visava o nº 5 do artigo 22 do decreto nº 55/2008, de 30 de Dezembro, que aprovou o Regulamento dos Mecanismos e Procedimentos para Contratação de Cidadãos de Nacionalidade Estrangeira: “Em caso de violação dos princípios plasmados na Constituição da República e demais leis e normas vigentes no país, o exercício do direito do trabalho por parte do estrangeiro em causa pode ser interdito por despacho do Ministro que superintende a área do Trabalho”. Para o provedor da Justiça, esta norma limitava o exercício de direitos fundamentais por parte do trabalhador estrangeiro, além de violar a Lei do Trabalho e a Constituição da República.
O CC notificou o Governo sobre o pedido do provedor da Justiça, tendo este respondido que não se justificava a declaração de inconstitucionalidade daquela norma. “A alegada inconstitucionalidade decorre, como foi dito, da interpretação que se atribui à expressão ‘interditar’, sendo por isso que o Governo está a desenvolver actividades com vista a reformular a norma e torná-la mais clara e operacional”.
Foi assim que o Conselho de Ministros aprovou, a 31 de Agosto de 2016, o novo Regulamento dos Mecanismos e Procedimentos para Contratação de Cidadãos de Nacionalidade Estrangeira.
Apesar de revogar o decreto que forçou o provedor de Justiça a requerer a declaração de inconstitucionalidade, o novo regulamento em vigor desde Dezembro de 2016 voltou a atribuir poderes ao ministro responsável pelo trabalho de revogar a contratação de trabalhador estrangeiro.
Por isso, a análise do CC concentrou-se no novo decreto, concretamente no nº 7 do artigo 27, que elenca os casos em que o ministro do Trabalho pode revogar o acto administrativo que permitiu a contratação do trabalhador estrangeiro, nomeadamente:
a) Maus tratos cometidos por trabalhador estrangeiro, consubstanciados nomeadamente em agressão física grave contra o trabalhador nacional ou estrangeiro no local de trabalho;
b) Injúria grave contra o trabalhador nacional ou estrangeiro em razão da raça, cor da pele ou outra atitude discriminatória grave que atente contra a honra, dignidade, bom nome e imagem, no local de trabalho;
c) Violação grave dos direitos especiais da mulher trabalhadora;
d) Condenação do cidadão estrangeiro à pena de prisão maior.
Os juízes conselheiros do CC não têm dúvidas de que esta norma viola os princípios constitucionais de segurança jurídica, do contraditório, da protecção efectiva e do direito ao trabalho. “(…) ao não se permitir que o cidadão estrangeiro ofereça a sua defesa no devido processo legal, não só é violado o princípio do contraditório, como também se coarcta o direito de impugnação dos actos administrativos lesivos dos seus interesses, uma verdadeira afronta ao princípio constitucional de protecção efectiva, previsto no nº 3 do artigo 253 da Constituição da República”, lê-se no acórdão do CC de 9 de Maio.
Novo decreto contraria lei do trabalho
Além de inconstitucional, o nº 7 do artigo 27 do regulamento contraria o nº 1 do artigo 124 da Lei do Trabalho, que prevê como formas de cessação do contrato do trabalho a caducidade, acordo revogatório, denúncia por qualquer das partes e rescisão por qualquer das partes contraentes por justa causa. Por isso, o Conselho Constitucional afirma que o Conselho de Ministros extravasou as suas competências regulamentares ao estabelecer uma nova forma de cessação do contrato de trabalho diferente das previstas na Lei do Trabalho. “Porquanto, é sabido que em termos de regras de hierarquia normativa, o regulamento obedece à lei, ou seja, enquanto a lei fixa os princípios de certo regime jurídico, o regulamento estabelece detalhes de tais princípios, mas sem inovar, salvo nos casos expressamente previstos na tal lei”, fundamentam os juízes do CC.
Fonte: O País – 16.05.2017
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