O pedido de apoio deixado pelo Presidente da Turquia para que Moçambique ajude a neutralizar as chamadas células terroristas turcas que estão em Moçambique está a gerar uma onda de interpretações e, de certa forma, opiniões divergentes na sociedade nacional.
O antigo bastonário da Ordem dos Advogados, Gilberto Correia, disse que o Governo moçambicano deve ser bastante cauteloso na análise do assunto. “Há que ter cuidados, tanto políticos como jurídicos, com este tipo de pedidos. É verdade que este pedido é feito de forma genérica e de forma pouco clara, que resulta talvez da conversa que houve entre os dois chefes de Estado. A questão que se coloca é: que tipo de apoio é esperado para neutralizar estas células terroristas?”, considerou Correia.
O perfil político de Erdogan é um dos aspectos que, segundo o antigo bastonário, deve ser tido em conta. “O presidente turco não é conhecido como campeão da democracia e respeito pelos direitos humanos”, afirmou Correia, recordando a ofensiva que Erdogan levou a cabo, depois da alegada tentativa de golpe de Estado contra o seu governo, em Junho do ano passado: “Mandou prender cerca de seis mil pessoas supostamente envolvidas na tentativa do golpe de Estado. Entre os detidos, a maioria eram pessoas ligadas às forças armadas, juízes e procuradores. Todos os detidos eram acusados de pertencer ao movimento Gulen, que, segundo Erdogan, está por detrás do golpe de Estado na Turquia”.
Correia questionou mesmo se não haverá motivações políticas. “Do ponto de vista político, será que Erdogan, neste seu receio da sombra de Fatulah Gullen, líder espiritual do movimento, não estará a tentar a perseguição de pessoas que ele chama de terroristas, as quais, na minha opinião, provavelmente poderão ser cidadãos turcos que contestam a sua forma de actuação?”.
A fonte classificou mesmo de suspeito o facto de Recep Erdogan aproveitar “as fragilidades que Moçambique tem e prometer investimentos nesta fase em que nós precisamos como moeda de troca”.
“Quem são estes terroristas e como é que se prova isso?”, questionou Correia, deixando uma opinião sobre como o país deve proceder. “Moçambique deverá ter cuidado, para não entrar nesta tara de Erdogan de perseguir todo o mundo, aproveitando-se do golpe de Estado falhado do ano passado”.
O lado jurídico
“Do ponto de vista jurídico, Moçambique, que eu saiba, não tem nenhum tratado de extradição com a Turquia e a nossa Constituição proíbe a extradição por motivos políticos. O que a Turquia devia fazer é celebrar um tratado com o nosso país, sem efeitos retroactivos”, opinou, deixando claro as fragilidades da possibilidade de uma resposta positiva por parte do Governo.
“Vejo com muita dificuldade a possibilidade desse apoio resultar no envio de cidadãos turcos de Moçambique para serem julgados como terroristas na Turquia. Terá que haver, talvez, outros mecanismos de colaboração da polícia, num sentido mais genérico. Portanto, é preciso ter cuidado com as perseguições políticas que Erdogan está a mover por força da tentativa do golpe de Estado, tentando aproveitar-se das fragilidades do nosso país sobre a necessidade de investimentos”, considerou.
Uma saída...
“O que Moçambique deve fazer é pedir às autoridades turcas para formalizarem este pedido com documentos e não de forma verbal, em que os mesmos fundamentem à luz de convenções internacionais qual é o direito que permite que Moçambique pegue em cidadãos que estão no nosso país - que, de acordo com a nossa Constituição, têm os mesmos direitos e deveres, ao abrigo do princípio de igualdade de todos os outros moçambicanos - e envie para Turquia, ao abrigo de uma eventual colaboração no combate ao terrorismo. Mesmo assim, eu acho que aí haverá barreiras insanáveis e incorremos em ilegalidade, se eventualmente enviarmos cidadãos turcos que supostamente pertencem às células terroristas turcas. Numa primeira análise, o pedido de Erdogan é quase irrealizável”, concluiu Gilberto Correia.
Acusações graves e inaceitáveis
“O nosso Governo tem que reagir de uma forma dura e clara, porque esta é uma acusação extremamente grave, de que Moçambique está a acomodar terroristas. A acusação é grave e não se pode admitir que Moçambique seja considerado, de forma leviana, um país acolhedor de terroristas. Nós não somos acolhedores de terroristas. É preciso provas e há tribunais que podem julgar esses casos. Perseguir opositores num outro país, chamando-os terroristas, é extremamente grave. Mandar encerrar escolas e outros interesses de cidadãos turcos no país em troca de investimentos e ofertas do governo de Erdogan é chantagem. Se de facto o governo turco quer apoiar o povo moçambicano, dentro de uma política internacional de solidariedade, que o faça sem chantagem nem contrapartidas desse género,”considerou Daviz Simango, Presidente do Movimento Democrático de Moçambique.
Fonte: O País – 26.01.2017
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