Por Egídio Vaz Raposo
- Reflexões sobre a dupla orfandade do cidadão Moçambicano
O presente esboço argumenta que os partidos políticos da oposição em Moçambique são das instituições que menos acompanham o dia-a-dia da governação nacional depois da comunicação social e da comunidade doadora, faltando assim ao cumprimento de uma das suas atribuições básicas. Isto acontece mais por incompetência ou ignorância do que por dificuldades no acesso a informação.
Aqui, o termo incompetência é usado para significar o desajustamento ou ausência da institucionalização de estruturas com mandato e missão concretos bem como capacidade em acompanhar o dia-a-dia da governação moçambicana e daí fazer-se a oposição que ser quer producente e conducente a vitórias eleitorais.
O esboço do artigo avança que mesmo com as imperfeições da lei da imprensa, a inexistência de uma lei de acesso a fontes de informação, os partidos políticos da oposição estão enfrentando dificuldades sérias em maximizar as oportunidades que a prática do jornalismo e a própria constituição da República oferecem para materializar o dia-a-dia das suas atividades oposicionistas.
Muitos têm sido os motivos avançados para justificar a não expressão dos partidos políticos da oposição em Moçambique: a partidarização do Estado; corrupção, perseguição, falta de “verbas ou pobreza” enfim vários: inveja, controlo do SISE, maldade da FRELIMO, chamem-nos. Porém, poucos se questionaram – e aposto que os próprios partidos – se eles estão fazendo o suficiente e à medida das suas capacidades para cumprir com as três principais funções de um partido político num regime democrático como o nosso.
Natureza dos partidos políticos
Um partido político é uma associação de pessoas organizadas, tendo em vista participar, de modo permanente, do funcionamento das instituições e buscar acesso ao Poder, ou ao menos influenciar no seu exercício, para fazer prevalecer as ideias e os interesses de seus membros. Estas ideias e estes interesses, reputados como os mais convenientes para a comunidade se pretendem sejam convertidos em lei ou em linhas de ação política do Governo.
No regime democrático como o nosso, são essencialmente três as finalidades básicas do partido político:
a) Servir de agente catalisador de uma determinada corrente de opinião: Geralmente, há um grande grupo de pessoas que pensa da mesma maneira sobre certo número de assuntos. No entanto, essas pessoas estão separadas, esse pensamento uniforme, não pode se transformar em ação, especialmente em ação política, que é capaz de fazer com que a orientação desejada termine sendo adotada como lei, como norma obrigatória para todos. É imperioso que haja um grupo mais nítido de pessoas, habilitado a orientar a todos os que pensam da mesma maneira, a fim de reunir suas opiniões e buscar expressá-las em votos, suficientes para levar seus representantes às atividades governamentais.
b) Selecionar e enquadrar os eleitos. A seleção inicial é feita quando são escolhidos os nomes dos candidatos aos postos eletivos e que é procedida dentro do Partido, seja pelos seus membros de todas matizes, seja apenas pelos seus líderes. Depois do resultado das eleições em que os candidatos de um partido normalmente disputam os lugares com os candidatos de outro ou outros partidos - os eleitos deverão estar orientados para seguir e fazer transformar em leis as linhas mestras do programa que representa a orientação do partido. A maneira como o partido exige o comportamento daquele que foi eleito, em termos de disciplina e obediência às diretrizes programáticas, vai definir o aspeto da fidelidade partidária.
c) Educar e informar o eleitor. O partido tem como uma das suas finalidades maiores a de preparar o eleitor para a vida política, a fim de que este esteja sempre suficientemente informado sobre os problemas nacionais, para poder votar conscientemente e, por outro lado, poder exigir dos seus representantes eleitos uma ação firme de acordo com a orientação do próprio partido, em princípio fixada no seu programa. Cabe ao partido mostrar ao eleitor o que é relevante e o que não é o que é prioritário ou não, nas ideias e ações políticas.
É sobre este último ponto que o presente texto irá concentrar-se para questionar até que ponto os partidos políticos da oposição estão organizados e preparados para dar conta do recado.
Poderia começar de forma mais trágica, dizendo que à exceção de alguns, a maioria dos partidos políticos da oposição não é séria. Aliás, são brincalhões muito dedicados à encenações e ao improviso; audazes aproveitadores do sofrimento geral do povo em benefício próprio.
Mas dizer assim seria fácil de mais e incorria no mesmo erro por muitos cometido quando analisam fenómenos tão delicados como o dos partidos políticos da oposição.
Retomando à pergunta inicial, constatei que em todos os partidos da oposição, o departamento de Mobilização e propaganda – levam diversos nomes, sendo uns os da Organização, são os mais fracos de toda a estrutura partidária, quase sem fundos. Em, compensação, todas as tarefas relacionadas com a comunicação política diária são confiadas a uma única pessoa, normalmente um porta-voz, ou a um grupo de pessoas, que agem em regime ad-hoc, sempre para comunicar ou reagir a um acontecimento.
Na Renamo por exemplo, por razões que não conheço, vigorou por um determinado tempo um governo-sombra. Boa ideia, aplaudida na altura mas que simplesmente não avançou. Na verdade, um governo-sombra levado a sério pelos seus mentores constituiria a expressão mais clara de organização política para interagir na base diária com o governo do dia com objetivo último de satisfazer a função mencionada na alínea c do presente texto. Ademais, facilitaria o trabalho com os jornalistas e promoveria o partido político, projetando-o como de facto estando a altura dos desafios da governação. Dhlakama entendeu que o governo-sombra estava a promover os seus componentes. E como isto tirava-o o sono, desbaratou-o retomando então à monarquia de sempre.
A curta passagem do Ismael Mussa e seu grupo pelo MDM, devolveu esperanças de termos em Moçambique um movimento que fizesse oposição de facto, devido as intervenções oportunas, pontuais e sensatas que se faziam, passo-a-passo e à medida das atividades do governo. Ao longo do último semestre, a figura do SG do MDM quase que se vai esquecendo; Geraldo Carvalho é quase o único que dá a cara, principalmente voltado a assuntos internos do Partido e o governo vai livre e sem obstáculos, governando a seu bel-prazer em total prejuízo do cidadão. Porque a este interessa-o saber as opções de governação disponível para cada ação do governo no dia-a-dia.
Na verdade fazer oposição é um trabalho árduo. É trabalhar na mesma proporção dos que governam sem esperar salário ou dividendos idênticos. É procurar informar-se melhor sobre as atividades do governo, sociedade civil, comunidade doadora, grupos de interesse e daí avançar propostas alternativas não só ao nível destes mas também e sobretudo aos cidadãos; para que eles saibam da existência da alternativa forte e viável à atual governação. É articular os interesses de grupos específicos com a visão de sociedade deste mesmo partido. É, em última instancia, projetar-se como o salvador “a distância de uma mão” do cidadão. É dizer sempre: “as eleições serão amanhã. Lembra-te do que estamos te dizendo. Nós faríamos melhor se fossemos nos com o poder HOJE”.
Fazer oposição é saber estabelecer boas relações com a imprensa, “viciando-a”, garantindo que a voz do seu partido seja sempre ouvida em assuntos do Estado. É trabalhar para trazer vozes alternativas que demonstram a perniciosidade causadas pelas opções políticas do governo do dia. E isto exige no mínimo seriedade, serenidade e acima de tudo cálculos acertados. Fazer oposição não deve ser tarefa de desocupados que procuram algum enquadramento social imediato na esfera económica e social deste país. Deve ser tarefa de laboriosos e com imaginação suficiente de reinventar-se a cada dia, influenciando os que procuram novos horizontes da vida.
Para terminar, deverão notar que generalizei na abordagem. Deixei propositadamente de mencionar o desempenho dos nossos parlamentares; de resto já se sabe que 80% do seu trabalho vem do governo. Vão também notar que não fui específico em avançar atividades concretas ou exemplos que os partidos deveriam realizar. Na verdade, não sou consultor deles. Apenas coube-me o dever de partilhar com os meus amigos do Facebook, algumas ideias e demonstrar que existe um amplo campo de manobra para que os partidos de posição floresçam e brilhem no atual xadrez político.
…e tirar o cidadão da dupla orfandade.
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