Por Ricardo Santos
(Leia a parte 1 aqui)
Tudo isto é absolutamente surrealista, mas é o modo de se pensar e viver hoje em Moçambique. Habituou-se neste país a contentar-se sebastianicamente com rótulos. Um consultor de imagem é agora o dono da profissão mais lucrativa do nosso mercado. Há uma profusão de firmas de marketing e de comunicação e imagem. Paga-se para se ter uma imagem limpa e antiséptica, pouco se trabalha para não se emporcalhar a própria imagem. Dane-se o desempenho das instituições e quiçá do próprio país. Não há problema, um pornocrático sistema publicitário, umas t-shirts e uns bonés na dose certa resolvem.
Um enxame de consultoras legais e financeiras nos cerca, com os mais espantosos gurus da gestão e das leis cintilando no seu quadro, especialistas em soluções do tempo da pedra lascada, com o propósito uno de preservar o monopólio e a cartelização de franjas do mercado. Nada de positivo trazem para a economia real de Moçambique, porque não produzem nada, senão relatórios e muito parlatório. Questionam a venda da Riversdale à Rio Tinto por 3800 milhões de dólares norte-americanos, pelo facto do Estado moçambicano não ter encaixado nem sequer um centavo, tendo em conta que as reservas de carvão, o negócio em causa, encontrarem-se em território nacional. Ora, desde os primórdios da Revolução Industrial que é sabido que uma multinacional nunca foi uma instituição de caridade. Inclusive a Banca. E tão surpreendidos ficam com as suas descobertas, que mal se aperceberam que a siderúrgica sul-coreana Posco e a brasileira Vale estão prestes a fazer o mesmo. E que depois delas, muitas outras o farão.
Estuda-se nas nossas universidades contabilidade clássica, para criativamente se maquilhar no dia-a-dia prejuízos financeiros e penalizar-se o fomento da boa gestão com rodriguinhos de burocracia inaudita. Encoraja-se sobretudo a desonestidade intelectual, que vai ao ponto de nos dizer que nos últimos oito anos, o saldo do endividamento externo, excluindo os grandes projectos, foi além do dobro, passando de 377,2 milhões de dólares em 2002 para 907 milhões em 2009. E que a dívida global das empresas privadas, excluindo os mega-projectos, aumentou cerca de 28 porcento do PIB em 2002 para 41, porcento em 2009. Concluindo-se que isto indicia a estabilidade macroeconómica que caracteriza o país. Não sou economista, mas dificilmente perceberei se algum deles me disser que um crescente endividamento externo é economicamente próspero e simpático para os demais moçambicanos.
Todas empresas têm passivos cíclicos ou mesmos permanentes. Perfeitamente natural numa economia de mercado, já Marx o diria. Quantas vezes não ouvimos falar de grandes multinacionais com um enorme passivo? E porventura vão à falência? Não. Vão ao mercado procurar dinheiro. Fazem OPA’s, vendem acções, refazem a sua estrutura accionista, diminuem a força de trabalho, etc. Agora, o que não vivem é de aparências. Porque é preciso apresentar sempre as contas certas para se ter credibilidade. Porque a qualidade do seu trabalho deve justificar socialmente a sua existência. Quando assim não é sucumbe-se na crise que tudo e todos arrasa como um rolo compressor, incluindo os messias novos ou recauchutados, cavalgando em manhãs de nevoeiro...
Ricardo Santos
Fonte: Jornal Notícias - 03.02.2011
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