Por Adelino Buque
O Partido Frelimo, herdeiro da Frente de Libertação de Moçambique, que proclamou a independência nacional, depois de dez anos de luta armada, está em fase de teste nacional, teste de capacidade de gestão de conflitos de interesse, entre o bem público e os seus membros, a prisão de Manuel Chang em Johannesburg e seu julgamento e provável extradição para os Estados Unidos da América, constitui um revés à narrativa sobre o interesse público e a segurança do Estado.
A cada dia que passa, parece tornar-se evidente que os altos dirigentes do Governo e seus funcionários colocaram sempre interesses pessoais no lugar do interesse nacional, levou, uma boa parte da sociedade a falar a sua língua, sobre o interesse nacional e defesa de soberania, quando, na verdade, estava em jogo, mais interesses pessoais do que os interesses do Estado e público, as prisões dos executivos da Credit Suisse e da PRINVIST, mostra a ramificação e o grau de associação para delapidar o bem público.
Os números apresentados pelos advogados, para efeitos de caução, são assustadores, no caso do executivo da PRINVIST em Nova Iorque, falava-se de 20 milhões USD, no caso do nosso concidadão Manuel Chang, caso fosse aceite a caução seria de nível 5, segundo alguma imprensa, devido ao risco associado, a tese de que os nossos Governantes trabalham para a satisfação das necessidades da população, cai por terra.
A onda de manifestação dos moçambicanos, sobretudo nas redes sociais, mostra o nível de desgaste da imagem do Governo do partido Frelimo, desengane-se quem pensa que aquilo é assunto de Manuel Chang. Nos primeiros dias, pensei que fosse algo que pudesse passar, mas, com o tempo, adensam-se as manifestações de raiva, sede de vingança por inoperância do sistema judicial e, para piorar as coisas, veio a PGR com um comunicado de imprensa vazio e inócuo!
Manuel Chang, entenda-se, é a ponta do iceberg da saturação da sociedade pela governação do nosso partido Frelimo, que sempre prometeu um futuro melhor, quando, na verdade, alguns dos moçambicanos viviam o presente melhor e, em nome de um povo empobrecido, de uma segurança nacional e do interesse superior do Estado, que até pode existir, no entanto, difícil de ser explicado face aos factos expostos.
A aparente indiferença do partido Frelimo, do Governo, da Assembleia da República, adensa a vontade de vingança popular, que pode manifestar-se de várias formas, desde a manifestação desordenada de rua, com consequências imprevisíveis, boicote aos próximos processos eleitorais, o que seria pior, até à caça ao homem, pouco provável, para já, se tivéssemos sindicatos focados no interesse e na defesa da população, este seria o líder desse processo, uma vez que os partidos políticos mostram-se desorganizados e sem norte.
A Frelimo precisa reinventar-se e dar a cara, não pode continuar a fazer de contas que nada está a acontecer, o Governo precisa de analisar, se calhar, ao nível mais alargado do Conselho de Ministros, com Governadores e outros quadros do Estado para analisar o fenómeno, porque de fenómeno se trata, a reacção nas redes sociais, mais, muitas outras plataformas de diálogo devem ser accionadas para que haja catalisação da presente ebulição social.
Quando cidadãos formados em diferentes especialidades, aparecem em público, através de Televisões e Rádios a exigir que Manuel Chang seja extraditado, não é a falta de consciência de cidadania, não é a falta de sentido patriótico, estas manifestações são contra a inoperância do sistema judicial, contra a impunidade de altos funcionários do Estado que vivem a grande e a francesa, como soi dizer-se, contra a pobreza absoluta da maioria da população, muitos desses funcionários, não têm histórico de acumulação alguma.
São pessoas que, depois de formação, deambulam pelas ruas das cidades e vilas a venderem credito e, cruzam-se com companheiros seus de escola, a viverem de forma ostensiva, com meios que dificilmente podem justificar a sua origem, baseado nos rendimentos que auferem, aliás, todos nós fazemos declaração de rendimento a cada final de ano, um instrumento de medição de acumulação pessoal, se calhar, não é devidamente usado.
Reitero que a prisão de Manuel Chang na África do Sul é a prisão de um Governo, de uma Assembleia e de um partido libertador que, paulatinamente, está a perder prestígio perante os seus congéneres partidos libertadores, o ANC tem-se reinventado de forma cíclica, o MPLA sabemos do que acontece, estejamos de acordo ou não, Zimbabwe colocou um basta ao nosso prestigiado Robert Mugabe, a Namíbia é o exemplo de uma Nação que luta pelo desenvolvimento. E nós?
A história serve para algo, mas não é ela que dita as regras do presente e do futuro. Devemos saber usar a nossa contribuição para a libertação desta zona de África e, não podemos fazê-lo, exigindo dos outros que sejam complacentes com a impunidade, quanto nos custou a libertação da África do Sul, do Zimbabwe, mas isso não tem relevância hoje, muitos críticos da Frelimo são filhos da própria Frelimo que não encontram espaço interno para contribuírem. Eu acredito na Frelimo, a Frelimo tem regras, tem estatutos e em nenhum lugar se pode ler que seja a favor de qualquer forma de corrupção, nepotismo, tráfego de influência, haja acção.
NB: Eu, Adelino Buque, tenho admiração por Manuel Chang e continuarei a admirá-lo, mas Manuel Chang é humano e, como humano, tem as suas virtudes e defeitos, seja feita a justiça e, preferencialmente, em território nacional. Sei que esta opinião não colhe consensos, é minha opinião.
Fonte. O País – 09.01.2019
Sem comentários:
Enviar um comentário