segunda-feira, dezembro 11, 2006

Ex-militar soviético recorda desembarque de tropas em Maputo em 1976

Por José Milhazes

Moscovo - Moçambique não é um dos países de língua oficial portuguesa que esteja no centro das atenções de Moscovo e raramente é motivo de notícia nos órgãos de informação russos, ao contrário de Angola.
Porém, em Moscovo continua a existir a Rua Samora Machel, que conseguiu sobreviver à febre de "rebaptismos" de ruas e estações de metropolitano da capital russa, como foi o caso da estação Karl Marx que passou a chamar-se Okhotni Riad (Linha da Caça).
A breve biografia do antigo Presidente de Moçambique continua a integrar em algumas enciclopédias russas, onde se destaca o facto de Samora Machel ter sido agraciado com o Prémio Internacional Lenine em 1977.
As actividades do político africano são também recordadas em memórias de militares russos que passaram por Moçambique ou de funcionários que receberam Samora Machel na União Soviética.
Recentemente, o militar na reserva e jornalista russo, Alexei Sukonkin, publicou o livro "Campanha para a Pensão", em que descreve a detenção de um grupo de conselheiros militares soviéticos em Moçambique, em 1976, um episódio que perturbou as relações entre Moscovo e Maputo e que obrigou a URSS a ordenar o desembarque de militares no porto da capital moçambicana.
No livro, Alexei Sukonkin, explica que, na altura, a URSS ajudava activamente Moçambique contra as "artimanhas do imperialismo" e que o auxílio era concedido sob a forma de fornecimento de armamento e financiamentos directos à FRELIMO.
O autor refere que "o Governo de Moçambique jurava fidelidade e fornecia à URSS matéria-prima das suas minas de tântalo", um minério utilizado na produção de componentes electrónicos e de ligas metálicas altamente resistentes à corrosão.
Em 1976, de acordo com o livro do ex-militar russo, o Comité Central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) considerou que a construção do socialismo no país era uma missão cumprida e que estava aberto o caminho para que Machel viesse a encarar "um futuro radioso" mas apoiando-se apenas no lucro das vendas de tântalo, já que não era necessário o mesmo tipo de ajuda em dinheiro e armamento.
Em conformidade com as conclusões acerca de Moçambique, comunicadas pela Direcção Central dos Serviços de Reconhecimento Militar Soviético (GRU), o Partido Comunista da União Soviética decidia pelo fim do fornecimento de armas a Maputo.
Habituado à ajuda militar de Moscovo, Samora Machel não gostou da decisão que pôs fim ao fornecimento de armamento e tentou convencer a URSS a rever o programa de envio de armas para Moçambique.
Mas, apesar das considerações optimistas, o Comité Central do Partido Comunista da União Soviética deu a entender a Machel que era preciso trabalhar mais e pedir menos ajuda.
Segundo o relato de Alexei Sukonkin, o presidente Samora Machel, "para justificar a continuação do financiamento soviético organizou o rapto de cinco oficiais soviéticos da GRU, conselheiros junto do Estado-Maior das Forças Armadas de Moçambique, para fazer crer à União Soviética que no país operavam forças antigovernamentais que constituíam uma séria ameaça ao regime e aos seus aliados." Tudo parecia real. O plano de Machel previa fazer com que a URSS acreditasse na existência de grupos da oposição ou destacamentos especiais de vanguarda da República da África do Sul, com o apoio de espiões que se movimentavam por todo o território e que tinham como missão raptar representantes da URSS em Moçambique.
A GRU não acreditou e suspeitou dos verdadeiros objectivos de Machel, e decidiu realizar uma operação militar para intimidar o presidente moçambicano.
"O Ministério dos Negócios Estrangeiros da URSS propôs a Moçambique que organizasse, o mais rapidamente possível, a busca e libertação dos oficiais desaparecidos mas Machel não acedeu aos pedidos de Moscovo." Um mês depois, entraram dois navios de guerra da Armada do Índico da URSS no porto do Maputo.
A bordo de um dos navios encontrava-se o 263º batalhão de fuzileiros, constituído por 300 militares.
Foi o que bastou para solucionar a questão.
O batalhão desembarcou e manteve-se na zona do porto. Duas horas mais tarde, os serviços secretos moçambicanos "descobriram e libertaram" os cinco reféns soviéticos.
Machel tirou as devidas conclusões e passado um mês assinou com a URSS o Tratado de Amizade e Cooperação.
Na altura, o desembarque de centenas de fuzileiros soviéticos, acabou por restabelecer as relações entre os dois países.
No fundo, a ameaça provocada pela presença do batalhão da Armada soviética do Índico fez chegar à consciência dos políticos de Moçambique a política do Partido Comunista da União Soviética e a firmeza das decisões do Comité Central.
Para o autor do livro "Campanha para a Pensão" tratou-se de um caso em que "a palavra foi apoiada pela pistola".
O ex-militar soviético Alexei Sukonkin concluiu que "o Presidente da República Popular de Moçambique, camarada Machel, compreendeu que, se Moscovo quisesse podia desembarcar a 55ª divisão de fuzileiros navais da Frota Militar da URRS". A demonstração da força militar soviética foi bem sucedida mas a "causa do desembarque do batalhão de fuzileiros navais não foram os cinco oficiais soviéticos raptados por Machel", explica Alexei Sukonkin. "A União Soviética estava interessada nas minas de tântalo de Moçambique. Mas a verdadeira causa ficou nos bastidores: O episódio provocado por Samora Machel serviu para demonstrar a força dos soviéticos não só ao desobediente presidente moçambicano mas também a outros dirigentes dos países do Terceiro Mundo que se encontravam debaixo da asa da URSS."
Lusa – 13.11.2006

NOTA: Dá para avaliar a “independência” que a FRELIMO, que não o povo moçambicano, ganhou em 25 de Junho de 1975.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE

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