E ali estava ele diante de mim. Largo, imponente, rápido. Esverdeado ainda, porque as chuvas tardam.
Fernando Lima(*)
Há uns meses tinha ficado impressionado com a saga de um dos grandes rios do sul de África e de como o seu quase colapso afectou as comunidades que dele viviam.
Luís Bernardo Honwana falava do Incomáti. Mas já vi o mesmo fenómeno acontecer ao Limpopo e ao Save. O rio que eu contemplava agora era o Zambeze. Que já vi espreguiçar-se no Chinde, caindo desamparadamente em Victoria Falls, ou mais modesto, contornando os efeitos da guerra, por entre os escombros de uma ponte dinamitada no Kazombo, em Angola. Não sei se foi isto que impressionou David Livingtone, o famoso explorador missionário que calcorreou montanhas e vales por toda a África Austral.
É uma referência olhar para o rio explorado por Livingstone. O rio explorado por mercadores árabes, mesmo antes da chegada dos portugueses. O rio das aringas guerreiras e dos sachicundas contrabandeando influências, ao sabor das correntes. O rio do ouro, das tilápias e dos kapentas. Ou o rio sulcado por vapores de pás, como se o Zambeze desaguasse no Mississipi, tomando de empréstimo o belo poema de Ruy Guerra, musicado por Chico Buarque. O rio que prolongou para a modernidade a história trágico-marítima, afogando dezenas de soldados portugueses em Mopeia, em trânsito para a guerra mais a Norte.
E a sra. Mary Livingtone, esposa do explorador, sepultada em Chupanga, depois de ter sucumbido a um ataque de malária.Dizem mesmo que foi o Zambeze que inspirou o Nobel V. S. Naipul a escrever “A Curva do Rio”. São muitas coisas que vêm à memória quando se olha para o rio, para além dos chilreios das crianças que se divertem na água e nunca leram nos jornais o tal conflito homem-animal, que vai do crocodilo ao elefante. O rio não é apenas um rio, um curso de água.
Como a Ilha de Moçambique não é apenas a maior latrina do país, ladeada de macúti e casario arruinado de calcário corialino. Penso nisso quando vejo os jovens “backpackers”(mochileiros), das mais incríveis paragens, de guia turístico alternativo (rough guide), no não menos turístico comboio Cuamba-Nampula, à procura da Ilha. O rio da modernidade, alimenta os canaviais de Marromeu e do Luabo. O rio na modernidade foi domado em Kariba e Cahora Bassa, fazendo desaparecer Chicoa e os rápidos onde soçobrou Livingstone. O rio dos nossos dias, para além do ferro debitado por Eifel para que Sena abraçasse Mutarara, é um enorme estaleiro em Caia, para uma nova travessia suspensa, deixando para as memórias o último batelão da unidade nacional, agora que esta se apressa em vertical tapete betuminoso.
Há umas semanas, o estaleiro mandou vir, rio acima, a partir do Chinde, como no tempo dos vapores, alguns equipamentos náuticos para apoiar a construção da nova ponte. Um telefonema para os engenheiros da barragem, mais uns tantos milhões de metros cúbicos de água, para assegurar a navegabilidade do rio. Os barcos chegaram. Os engenheiros da ponte agradeceram. Os camponeses viram num ápice as suas machambas arrazadas por água sem chuva.
João Gilberto compôs “O samba de uma nota só” como o nosso escritor não nos vai deixar apenas com a prosa dos caninos lazarentos. Como o atestam as reflexões sobre a Moamba. Mas essas, essas são outras estórias, do Zambeze também, mesmo que não escrevam ao herói figurado de Garcia Marquez.
(*)Espinhos da Micaia
Fernando Lima(*)
Há uns meses tinha ficado impressionado com a saga de um dos grandes rios do sul de África e de como o seu quase colapso afectou as comunidades que dele viviam.
Luís Bernardo Honwana falava do Incomáti. Mas já vi o mesmo fenómeno acontecer ao Limpopo e ao Save. O rio que eu contemplava agora era o Zambeze. Que já vi espreguiçar-se no Chinde, caindo desamparadamente em Victoria Falls, ou mais modesto, contornando os efeitos da guerra, por entre os escombros de uma ponte dinamitada no Kazombo, em Angola. Não sei se foi isto que impressionou David Livingtone, o famoso explorador missionário que calcorreou montanhas e vales por toda a África Austral.
É uma referência olhar para o rio explorado por Livingstone. O rio explorado por mercadores árabes, mesmo antes da chegada dos portugueses. O rio das aringas guerreiras e dos sachicundas contrabandeando influências, ao sabor das correntes. O rio do ouro, das tilápias e dos kapentas. Ou o rio sulcado por vapores de pás, como se o Zambeze desaguasse no Mississipi, tomando de empréstimo o belo poema de Ruy Guerra, musicado por Chico Buarque. O rio que prolongou para a modernidade a história trágico-marítima, afogando dezenas de soldados portugueses em Mopeia, em trânsito para a guerra mais a Norte.
E a sra. Mary Livingtone, esposa do explorador, sepultada em Chupanga, depois de ter sucumbido a um ataque de malária.Dizem mesmo que foi o Zambeze que inspirou o Nobel V. S. Naipul a escrever “A Curva do Rio”. São muitas coisas que vêm à memória quando se olha para o rio, para além dos chilreios das crianças que se divertem na água e nunca leram nos jornais o tal conflito homem-animal, que vai do crocodilo ao elefante. O rio não é apenas um rio, um curso de água.
Como a Ilha de Moçambique não é apenas a maior latrina do país, ladeada de macúti e casario arruinado de calcário corialino. Penso nisso quando vejo os jovens “backpackers”(mochileiros), das mais incríveis paragens, de guia turístico alternativo (rough guide), no não menos turístico comboio Cuamba-Nampula, à procura da Ilha. O rio da modernidade, alimenta os canaviais de Marromeu e do Luabo. O rio na modernidade foi domado em Kariba e Cahora Bassa, fazendo desaparecer Chicoa e os rápidos onde soçobrou Livingstone. O rio dos nossos dias, para além do ferro debitado por Eifel para que Sena abraçasse Mutarara, é um enorme estaleiro em Caia, para uma nova travessia suspensa, deixando para as memórias o último batelão da unidade nacional, agora que esta se apressa em vertical tapete betuminoso.
Há umas semanas, o estaleiro mandou vir, rio acima, a partir do Chinde, como no tempo dos vapores, alguns equipamentos náuticos para apoiar a construção da nova ponte. Um telefonema para os engenheiros da barragem, mais uns tantos milhões de metros cúbicos de água, para assegurar a navegabilidade do rio. Os barcos chegaram. Os engenheiros da ponte agradeceram. Os camponeses viram num ápice as suas machambas arrazadas por água sem chuva.
João Gilberto compôs “O samba de uma nota só” como o nosso escritor não nos vai deixar apenas com a prosa dos caninos lazarentos. Como o atestam as reflexões sobre a Moamba. Mas essas, essas são outras estórias, do Zambeze também, mesmo que não escrevam ao herói figurado de Garcia Marquez.
(*)Espinhos da Micaia
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