Muitos daqueles que se manifestam horrorizados sempre que surge alguma opinião que advoga o monopartidarismo, e que não perdem uma oportunidade para fazerem ferozes ataques ao período em que esse sistema vigorou no país, não perdem agora uma oportunidade de se manifestarem encantados com o sistema monopartidário de novo tipo, que está efectivamente implantado no país, nos dias de hoje, e que consiste num sistema multipartidário unanimista e monolítico.
Por Afonso dos Santos(*)
Mas esta incoerência é própria daqueles que praticam um espectaculoso contorcionismo demagógico e hipócrita, que consiste em lançarem louvores e participarem em actos de homenagem àquele que foi o líder do partido e do Estado durante esse período que eles abominam.
A democracia dos ricos
As potências capitalistas e imperialistas, vulgarmente designadas como “o Ocidente” ou, mais engenhosamente, “a comunidade internacional”, disseminam a ideia de que a democracia consiste na existência de alguns partidos políticos e na realização de eleições multipartidárias de cinco em cinco anos.
Para disseminar essa ideia, usam a sua poderosa máquina de propaganda constituída pelos seus jornais, rádios e televisões.
Em alguns países de África, levantam-se vozes que reclamam contra aquilo que chamam “o modelo ocidental”, declarando que esse modelo é estranho à sociedade africana.
Mas, ao mesmo tempo, recusam-se a conceber e aplicar um modelo diverso. Esta é apenas mais uma incoerência.
Sim, aquele é o modelo da democracia capitalista, que favorece os ricos e que continua a gerar cada vez mais exclusão social e o aumento da fome no mundo. Mas uma democracia real não consiste simplesmente na existência de partidos políticos e na realização de eleições.
A classe dos partidos
Geralmente qualquer partido que esteja no poder procura convencer os cidadãos que a sua política é a única que é viável, ou, pelo menos, é a melhor. Por outro lado, todos os partidos falam sempre em nome de toda a sociedade e em nome do povo. Mas isso esconde uma distorção acerca da essência dum partido. Um partido define-se como “a fracção mais activa e mais bem organizada de uma classe ou de uma das camadas que a compõem”. Um partido é “a forma superior de organização de classe”, tendo em vista conquistar e exercer o poder político.
Portanto um partido tem sempre uma natureza de classe. Por isso um único partido não representa a sociedade; representa unicamente os interesses dos seus membros e da classe social a que pertence a maioria dos seus dirigentes.
A sociedade só pode ser representada no seu todo quando existem vários partidos que representam os interesses de classes sociais diferentes, porque os interesses das diversas classes sociais existentes não são iguais. Se os vários partidos existentes tiverem, todos eles, a mesma política, então estamos perante um sistema que, no fim de contas, acaba sendo monopartidário.
Por outro lado, só quem tenha um grande espírito de humor – humor maligno, com certeza –, é que pode acreditar que a classe social dos “fôr-bai-fôr” vai praticar uma política que sirva os interesses dos camponeses, dos operários e das outras classes trabalhadores.
A posição da oposição
Ser oposição ao Governo consiste em ter uma política bem delineada, que é divergente da política do Partido No Poder (PNP) e que se apresenta como uma alternativa para essa política, ou seja, consiste em ter uma política que representa os interesses de classes sociais diferentes da classe social que, através do seu partido, é detentora do poder político.
Acontece que aquele que é o Segundo Partido Mais Votado (SPMV) não tem nenhuma política diferente da política do PNP e não representa os interesses de outras classes sociais diferentes daquelas que o PNP representa.
Esta afirmação baseia-se em três aspectos: primeiro, porque os dirigentes do SPMV revelam o mesmo tipo de actuação política que os do PNP (ganância e ambição do poder); segundo, no parlamento votam sempre em unanimidade com o PNP, quando se trata de aprovar maiores privilégios para os deputados; terceiro, o SPMV é incapaz de elaborar propostas políticas que demonstrem que há soluções diferentes daquilo que são as opções políticas do PNP. É por causa disso que o SPMV passa o tempo a fazer acusações ao PNP: é porque o SPMV não tem nenhuma política própria, que seja diferente da política do PNP. De resto, se por qualquer bem-aventurança o PNP se dissolvesse, o mesmo aconteceria inevitavelmente ao SPMV, uma vez que a política deste consiste apenas em atacar o outro e, por isso, sem o outro não sabe existir.
Se o SPMV tem vindo a perder expressão eleitoral, isso deve-se ao facto de que, sendo ele um partido de direita, o seu espaço político já está ocupado pelo PNP, que é, ele próprio, um partido de direita, isto é, um partido dos ricos e que dá prioridade aos interesses dos ricos.
E se o SPMV continua a declarar que o PNP é marxista e comunista é somente para tentar fazer crer que a política do PNP é diferente da política do SPMV, enquanto que o inverso é que é verdadeiro: como já se disse, o SPMV é que não tem nenhuma política diferente da política do PNP. Entretanto, com essa “acusação” de que o PNP é marxista, o SPMV não faz mais do que ostentar o seu analfabetismo político.
Há um outro factor que indica não haver diferenças entre a política do SPMV e a do PNP: é o caso dos trânsfugas, quer dizer, aqueles indivíduos que abandonam o SPMV e correm a filiar-se no PNP. É que, geralmente, quando alguém decide abandonar um partido, não vai logo a correr filiar-se no partido supostamente oposto.
Se os trânsfugas se transferem directamente duma sede para a outra, é porque não encontram grandes diferenças políticas. Serão talvez indivíduos que aderiram ao SPMV com muitas expectativas de ascenderem rapidamente dentro do aparelho partidário, ou principalmente no aparelho de Estado, porque sonhavam que o SPMV (Segundo Partido Mais Votado) poderia chegar a ser PMV (Partido Mais Votado). Como o sonho não passou disso, transferem-se para o vencedor, em busca de algum benefício, nem que seja um boné e uma camisete (ou capulana) de melhor qualidade, e portanto mais caros.
Existe ainda um aspecto que é importante sublinhar: provavelmente alguns desses casos nem são novas “aquisições”, mas sim regressos. Não ascendiam no PNP, tentaram no SPMV, não conseguiram, voltaram a juntar-se àquele que, apesar de tudo, dá mais qualquer coisa.
Ora, tudo isto testemunha bem a qualidade dessas novas “aquisições”. Mas, no fundo, talvez estejam em boa consonância com o espírito reinante no PNP.
Note-se que este comentário sobre expectativas de ascensão e sobre regressos tem em conta não só o momento actual, mas também outras fases anteriores, e não só o nível dos órgãos centrais, mas também aquilo que se pode estar a passar ao nível das localidades, dos distritos e das províncias.
Entretanto, é preciso realçar que o PNP (Partido No Poder) e o SPMV (Segundo Partido Mais Votado) são os únicos dois partidos existentes, pois estão estruturados, têm vários órgãos, e têm vários membros seus que aparecem a pronunciar-se em nome dos respectivos partidos, e em todas as regiões do país. Das restantes minúsculas organizações só o líder é conhecido (e de algumas delas, nem isso). Aparentemente essas organizações não têm outros dirigentes e militantes, ou então só chefe é que está autorizado a pronunciar-se ou só ele é que tem capacidades para isso.
O caso da OC
Pode haver quem pergunte: E então o que dizer sobre a restante oposição, para além do SPMV? Sobre isso é inevitável responder com outras perguntas: Qual restante oposição? A Oposição Colaboracionista (OC)? Aquela que oferece uma contribuição financeira para o reforço do PNP? Aquela que desempenhou o papel de delegada à Grande Reunião do PNP? Aquela que se tornou uma subserviente colaboradora do PNP?
Sabe-se que o Verão é uma época de espectáculos. Também se sabe que o preço dos bilhetes pode variar muito. Agora ficou-se a saber que o preço dum bilhete pode ir até dezassete mil MTn. Mas é compreensível que o preço do bilhete seja tão elevado, porque dá direito a também apresentar a sua actuação no palco. E a ser aplaudido entusiasticamente. Mas isso tem a sua lógica porque o PNP arranjou quem lhe faça o serviço de atacar e denegrir o seu único concorrente, e que o que interessa são os interesses envolvidos na jogada. É a lógica elementar de quem faz da política um negócio.
A falsificação da linguagem
Há uns dias, num programa de rádio, o locutor anunciava que, a seguir, iria entrevistar um projecto. Então, agora um projecto já fala? Este é o caso dessa moda idiota de chamar “projecto” a um “grupo musical”. Um outro caso muito expandido, em vários países, é o de ter substituído a palavra “derrota” (eleitoral) pela palavra “fraude”. Nesses países deixou de haver derrotas eleitorais: sempre que um partido perde as eleições, não houve “derrota”, houve “fraude”. Agora surgiu uma novidade que consiste em utilizar a palavra “oposição” para designar uma “aliança”. É o caso da tal OC (Oposição Colaboracionista). Aliás, se houvesse um mínimo de honestidade, certamente que a tal OC optaria por passar a designar-se Aliança Construtiva. E, neste caso, até poderia merecer aplausos.
O magno conclave
“Na capital da bicicleta, o congresso do ‘combate à pobreza absoluta’ foi um obsceno desfile de viaturas 4x4, provenientes de todas as províncias, muitas das quais ‘emprestadas’ por organismos do Estado, com os respectivos motoristas.” (“Savana”, 671, 17.11.2006).
Como síntese do magno conclave do PNP, talvez não se pudesse ser mais elucidativo. Só não vê quem faz de conta que é míope. E fazer propaganda política para tentar pintar de cor-de-rosa esta realidade, é o mesmo que tentar tapar o Sol com a peneira.
Há um indicador crucial, sobre o magno conclave, que a generalidade dos órgãos de comunicação achou por bem ignorar: qual a composição social do magno conclave. Mas, como nem tudo está perdido, porque ainda nem todos entraram no buraco, foi possível encontrar esses números em pelo menos um jornal. E os números são gritantes: a percentagem de operários foi de 0,6% (menos de 1%); a de camponeses foi de 7% (arredondado); a percentagem de funcionários do Estado e funcionários do PNP foi de 56% (e não será arriscado supor que não seriam funcionários dos escalões de base e intermédio). Para iludir isto, muitos dos órgãos de comunicação social fizeram grande clamor sobre os números de mulheres e de jovens, e dos que entraram e dos que saíram e outras coisas dessas. Rebuçados para entreter crianças!
E que tal se fosse possível conhecer as percentagens relativas à composição do próprio Comité Central do PNP? Assim como as percentagens relativas ao seu local de residência. Quantos membros do CC do PNP residem em aldeias e localidades e em sedes de distrito?
Mas o que é que interessa saber essas tais percentagens, se um dos principais critérios para ser eleito parece centrar-se sobre quem é recordista no número de vezes que pronuncia as palavras da moda, o tal lema: “Combate à Pobreza”.
Um outro critério que parece ter sido de peso foi o da hereditariedade. Há quem tenha manifestado alguma estranheza pelo facto de alguns herdeiros consanguíneos de antigos dirigentes ou antigos combatentes terem sido designados para o CC. No entanto, ninguém de fora do PNP pode ter algum motivo para reclamar, porque um partido político não tem que representar os interesses de toda a sociedade; e, por isso, pode à vontade constituir-se como um património privado e familiar, e com carácter monárquico.
Os tipos de análise
Sobre as decisões políticas tomadas no magno conclave pouco ou nada se disse. A maior parte das análises que foram propagadas pode ser categorizada em quatro tipos: religioso, a) futebolístico, b) religioso; c) musical e d) telenovelesco.
A análise futebolística é aquela que concentra a sua atenção sobre os jogadores que entram e os que saem da equipa e sobre quem é o novo treinador principal, como se, com tudo isso a equipa deixasse de ser o mesmo clube, e em vez de ser Costa do Sol passasse a ser Ferroviário.
A análise religiosa é aquela em que o líder é infinitamente bom e é sempre inocente em relação a qualquer mal, mas está rodeado de alguns anjos que são venais. Alguns analistas deste tipo assumem o papel de clérigos e reverendos e põem-se a interpretar o pensamento e os embaraços do Senhor.
A análise musical é aquela que toma como base o som. Neste caso o som dos nomes. São as análises que giram em torno dos “nomes sonantes”. O que será isso, um “nome sonante”? Será um nome que soa bem? Ou um nome que soa alto? Ou um nome que soa muitas vezes? Em todo o caso, sendo uma questão de nomes quer dizer que tem tudo a ver com os padrinhos.
A análise telenovelesca é aquela que se inspira nos enredos televisivos e vem falar de oposição “ciumenta” e de “ciúmes” políticos.
Enfim, estes quatro tipos de análise são bem o espelho do nível de cultura política desta sociedade multipartidária unanimista e elitista.
O lema autocolante
Segundo parece, as grandes decisões políticas do magno conclave do PNP assentam na estratégia que pode ser designada como “Viródisco e tócòmesmo”. E o “mesmo” é aquele estafado e fastidioso refrão: o “combate à pobreza”.
Tanto dentro do país, como também por esse mundo fora, são cada vez em maior número as opiniões segundo as quais tem havido uma tremenda confusão entre responder à pobreza ou responder ao desafio muito maior do desenvolvimento.
Há uma opinião que foi emitida por um cidadão, nestes dias mais recentes, que resume tudo: “Nós não podemos ostentar riqueza e dizer que combatemos a pobreza”. Aliás, se não foram os próprios pobres a declararem esse combate à pobreza, a que propósito é que os ricos estão tão interessados em combatê-la? E sobretudo quando se trate do caso em que acumularam a sua riqueza utilizando o poder partidário e governamental que possuem.
A expressão “combate à pobreza” não tem qualquer significado, porque ela tem sido usada como se fosse um autocolante que se coloca em tudo quanto é sítio, é uma expressão que é colada indiscriminadamente em qualquer discursata, a propósito de tudo e de nada.
Um dos exemplos mais vivos disto mesmo esteve bem à vista muito recentemente (25.Novembro.2006). Numa cerimónia de graduação de professores, uma governante proclamava enfaticamente que, se o professor for um exemplo no combate à pobreza, se o professor tomar o combate à pobreza como sua prioridade número um, então a pobreza poderá ser erradicada. Em escassas dezenas de segundos pronunciou a palavra “pobreza” três vezes. Sobre educação... não se ouviu nada! Pergunta-se: qual é, em concreto, a redução do número de pobres e qual é número do aumento dos seus rendimentos que poderá resultar directamente das acções de cada professor? E qual é o tipo de acções que o professor deve realizar para reduzir o número de pobres e aumentar os rendimentos destes? Entretanto, enquanto os professores vão andando entretidos com o “combate à pobreza”, a qualidade do ensino vai deslizando como chuva na montanha. O mesmo tem acontecido também em cerimónias de graduação de polícias: proclama-se que a prioridade número um dos polícias é o “combate à pobreza”. Aplicam-se aqui as mesmas perguntas que atrás foram feitas a propósito dos professores. E também se pode concluir que, enquanto os polícias andarem entretidos com o “combate à pobreza”, a segurança dos cidadãos vai definhando como flor num deserto, enquanto a criminalidade vai robustecendo.
É exactamente o mesmo que acontece com o “combate à sida”: uma vez que este também é um lema autocolante usado em qualquer tipo de eventos que nada contribuem para o combate à doença, é inevitável que esta, em vez de reduzir, continue a aumentar.
Quando o lema autocolante “Combate à Pobreza” é associado a tipos de acções que sempre foram realizadas desde muito antes desta tal “agenda”, isso significa que esse lema é só lábia para adormecer o povo.
O resultado do uso indiscriminado desse lema é a descaracterização das acções específicas que reduzam a pobreza... dos pobres. Só é uma acção de combate à pobreza aquela cujos resultados possam ser apresentados com os números seguintes: quantos pobres foram abrangidos, e qual foi o volume do aumento dos seus rendimentos. Mas não é por acaso que sempre que se repete o refrão “Combate à Pobreza”, nunca se fala de resultados, fala-se sempre de objectivos situados eternamente no futuro.
Esta descaracterização, que consiste em aplicar este lema autocolante a tudo, serve, todavia, para produzir um resultado bem definido: serve para que não se consiga verificar que é ínfimo o número de acções que, de facto, contribuem directamente para o aumento do rendimento dos pobres e para a redução do número dos mesmos.
Mas toda a gente sabe que o lema autocolante “Combate à Pobreza” não tem nada a ver com a redução do número de pobres e com o aumento dos seus rendimentos. Este é apenas mais um caso de falsificação da linguagem: nesta linguagem de novo tipo, “combate à pobreza” quer dizer “aumento da riqueza” dos sócios do PNP.
O esvaziamento do significado do lema “Combate à Pobreza” pode comparar-se ao exemplo que se segue. Suponha-se que a “agenda nacional”, em vez de ser o “combate à pobreza”, era o “combate ao analfabetismo”. Então, inaugura-se uma estrada para uma aldeia, e proclama-se que isso faz parte do “combate ao analfabetismo”; é que por essa estrada já será mais fácil enviar os materiais de estudo para os alfabetizandos, mas, no entanto, naquela aldeia não existe, nem está para ser criado, nenhum Centro de Alfabetização. Inaugura-se um hospital, e isso também faz parte do “combate ao analfabetismo”; é que, se as pessoas estão doentes, não podem ir às aulas de alfabetização; no entanto, mesmo quando estão de perfeita saúde, também não vão a essas aulas, visto que não existe nenhuma actividade de alfabetização no seu local de residência. Inaugura-se uma fábrica de papel higiénico, e isso também faz parte do “combate ao analfabetismo”; porque os alfabetizandos também precisam de se limpar; e, principalmente, também poderão utilizar esse papel para escrever nele.
Assim se vai combatendo o analfabetismo. Assim se vai combatendo a pobreza...
O monojornalismo
“Há que agir rápido para pôr a máquina governativa sob o comando da Frelimo.” – quem leia isto poderá pensar, com toda a lógica, que esta é uma proclamação de algum membro do CC do PNP. Seria difícil imaginar que este decreto saiu da pena dum jornalista! Mas esta é a realidade nua e crua (Ver “Zambeze”, 218, 23.11.2006, p.5).
Um dos componentes do sistema monopartidário de novo tipo, no qual o país está mergulhado, é o monojornalismo. Este jornalismo de novo tipo apresenta duas características principais: uma consiste no facto de que a generalidade das análises produzidas sobre o magno conclave foram quase unânimes e centradas nos quatro tipos de análise que atrás foram referidos; a outra consiste em funcionar como caixa de ressonância das análises que o próprio PNP emitiu sobre o seu conclave.
Mas é natural que assim seja, visto que muitos dos analistas, comem e bebem à mesma mesa com os “nomes sonantes” do PNP, todos juntos, conforme pode ser observado com excessiva frequência nas fotografias dos magazines de exibição dessa tal gente e nas reportagens televisivas de propaganda dos eventos em que participam tais figuras.
Expressando o espírito do monojornalismo, foi levantado na imprensa o problema de que alguns ministros foram “derrotados”, pois não foram eleitos para o Comité Central, “pondo o seu ministério fora do controlo da Frelimo”. Com base neste raciocínio, o mínimo que se pode pensar é que, ser simplesmente membro do partido, é igual a zero, e que essa tal Frelimo, afinal, é apenas o Comité Central.
A ideia de que todos os ministros devem ser membros do CC é a expressão perfeita dessa mentalidade elitista e monopartidária. Em alguns países, há partidos no poder que incluem nos seus Governos alguns ministros que nem sequer são membros desse partido. Noutros casos, incluem mesmo membros de outros partidos que não ganharam as eleições, mas com os quais formam coligações, por terem linhas políticas aproximadas.
A ideia de que todos os ministros devem ser membros do Comité Central também exprime muito bem essa concepção de um partido de dirigentes governamentais. E os deputados do PNP não precisam também de serem todos eles membros do CC?
Por outro lado, afirmar que um militante que recebe 400 ou 500 votos foi “derrotado” e não tem prestígio dentro do partido, constitui uma declaração de profundo desprezo por todos aqueles 400 ou 500 delegados que votaram nele. É o mesmo que considerá-los uns zeros.
Mas este assunto não pára aqui. Talvez até se desconheça o significado da palavra delegado e em que consiste a sua função. Um delegado é “aquele que é autorizado por outrém a representá-lo”; é “uma pessoa que representa outra”; e neste caso representa várias outras pessoas, muitas. Cada delegado representa todos aqueles militantes que estiveram envolvidos no processo da sua eleição e que o enviou até ali. A não ser que aqueles participantes no magno conclave não fossem verdadeiros delegados e estivessem apenas a representar a sua própria pessoa e um pouco mais, isto é, a sua família e alguns amigos íntimos.
Como é que se pode afirmar que os chamados “derrotados” “sentiram na pele a sua rejeição no aparelho partidário” (“Zambeze”, 218), quando eles receberam o apoio de vários milhares de militantes representados por esses 400 ou 500 delegados que votaram nos “derrotados”? Mas que grande confusionismo reina neste monojornalismo!
O monojornalismo também gosta muito de usar adjectivos para qualificar pessoas: o “estiloso” Fulano de Tal, a “barulhenta” Senhora Agá... É esta a objectividade do monojornalismo.
O monojornalismo apresenta-se também como um jornalismo com vocação de ser caçador. Gosta de definir alvos a abater e de lançar uma verdadeira caça ao homem (e à mulher). Mas, curiosamente, só são citados os nomes de alguns ministros e vice-ministros que não foram eleitos. Seria interessante verificar quantos ministros e vice-ministros não pertencem ao CC, e tentar compreender porque é que só foram citados os nomes daqueles que foram tomados como alvo. Será o caso de algum ajuste de contas, resultante do facto de que este ou aquele ministro não tenha satisfeito os apetites deste ou daquele jornalista ou de pessoas da sua família?
Amanhã há-de ser outro dia
“Apesar de você / amanhã há-de ser outro dia...” – estes são versos duma canção de Chico Buarque. Mas não é certamente pelo facto de ele cantar isso que o amanhã será diferente.
Importa tentar compreender de que modo e porquê o “amanhã há-de ser outro dia”. Um amanhã que não consiste em tentar voltar ao dia de ontem, porque a roda da História não gira para trás, mas um amanhã que seja a continuidade de ontem, após esta passageira noite que ensombra e assombra a Nação. E um amanhã que será mais luminoso do que ontem, porque o tempo é outro e o Sol de cada dia é sempre novo.
Seja qual for a política de qualquer Governo, qualquer país tem sempre algum progresso que é inevitável. Como poderia algum país, seja ele qual for, estar igual ao que era há 30 anos atrás? O simples aumento da população e o surgimento duma nova geração, principalmente uma nova geração de trabalhadores obrigam a que surjam novos empreendimentos, seja qual for a política do Governo. E esse desenvolvimento inevitável cria novas forças. Também não são vãos os efeitos do aumento do número de técnicos médios e superiores.
Será a partir de outras classes sociais que surgirá a verdadeira oposição. Ela nascerá a partir dos sindicatos de operários, das associações de camponeses e dos grandes grupos profissionais tais como os professores, os enfermeiros, os técnicos agrários, de construção civil, de electricidade, os empregados administrativos, os vendedores.
Essa será uma oposição que abolirá do seu discurso o lema autocolante do “Combate à Pobreza”, e que determinará como seu objectivo político supremo o desenvolvimento humano e a prosperidade da Nação, em vez da bastarda opulência dum punhado de nacionais.
É lógico que o conteúdo deste texto seja repudiado por todos aqueles que têm interesses opostos ao que aqui vem expresso. Mas isso não é de admirar, porque, no fundo é tudo uma questão de oposição...
Uma pergunta terminal
Será que os arautos do “combate à pobreza” têm alguma noção do que é a angústia, o poder moral e a força de vontade duma família que às 4h50m duma manhã de Domingo está a mudar de casa, caminhando pela rua, transportando à cabeça e nos ombros e nas mãos os seus parcos haveres, incluindo o colchão onde dormem, e tendo que parar de vez em quando, para descansar, porque o esforço é demasiado? Mas isto não interessa. Vamos lá falar de sida e de pobreza absoluta!
(*)Savana
Por Afonso dos Santos(*)
Mas esta incoerência é própria daqueles que praticam um espectaculoso contorcionismo demagógico e hipócrita, que consiste em lançarem louvores e participarem em actos de homenagem àquele que foi o líder do partido e do Estado durante esse período que eles abominam.
A democracia dos ricos
As potências capitalistas e imperialistas, vulgarmente designadas como “o Ocidente” ou, mais engenhosamente, “a comunidade internacional”, disseminam a ideia de que a democracia consiste na existência de alguns partidos políticos e na realização de eleições multipartidárias de cinco em cinco anos.
Para disseminar essa ideia, usam a sua poderosa máquina de propaganda constituída pelos seus jornais, rádios e televisões.
Em alguns países de África, levantam-se vozes que reclamam contra aquilo que chamam “o modelo ocidental”, declarando que esse modelo é estranho à sociedade africana.
Mas, ao mesmo tempo, recusam-se a conceber e aplicar um modelo diverso. Esta é apenas mais uma incoerência.
Sim, aquele é o modelo da democracia capitalista, que favorece os ricos e que continua a gerar cada vez mais exclusão social e o aumento da fome no mundo. Mas uma democracia real não consiste simplesmente na existência de partidos políticos e na realização de eleições.
A classe dos partidos
Geralmente qualquer partido que esteja no poder procura convencer os cidadãos que a sua política é a única que é viável, ou, pelo menos, é a melhor. Por outro lado, todos os partidos falam sempre em nome de toda a sociedade e em nome do povo. Mas isso esconde uma distorção acerca da essência dum partido. Um partido define-se como “a fracção mais activa e mais bem organizada de uma classe ou de uma das camadas que a compõem”. Um partido é “a forma superior de organização de classe”, tendo em vista conquistar e exercer o poder político.
Portanto um partido tem sempre uma natureza de classe. Por isso um único partido não representa a sociedade; representa unicamente os interesses dos seus membros e da classe social a que pertence a maioria dos seus dirigentes.
A sociedade só pode ser representada no seu todo quando existem vários partidos que representam os interesses de classes sociais diferentes, porque os interesses das diversas classes sociais existentes não são iguais. Se os vários partidos existentes tiverem, todos eles, a mesma política, então estamos perante um sistema que, no fim de contas, acaba sendo monopartidário.
Por outro lado, só quem tenha um grande espírito de humor – humor maligno, com certeza –, é que pode acreditar que a classe social dos “fôr-bai-fôr” vai praticar uma política que sirva os interesses dos camponeses, dos operários e das outras classes trabalhadores.
A posição da oposição
Ser oposição ao Governo consiste em ter uma política bem delineada, que é divergente da política do Partido No Poder (PNP) e que se apresenta como uma alternativa para essa política, ou seja, consiste em ter uma política que representa os interesses de classes sociais diferentes da classe social que, através do seu partido, é detentora do poder político.
Acontece que aquele que é o Segundo Partido Mais Votado (SPMV) não tem nenhuma política diferente da política do PNP e não representa os interesses de outras classes sociais diferentes daquelas que o PNP representa.
Esta afirmação baseia-se em três aspectos: primeiro, porque os dirigentes do SPMV revelam o mesmo tipo de actuação política que os do PNP (ganância e ambição do poder); segundo, no parlamento votam sempre em unanimidade com o PNP, quando se trata de aprovar maiores privilégios para os deputados; terceiro, o SPMV é incapaz de elaborar propostas políticas que demonstrem que há soluções diferentes daquilo que são as opções políticas do PNP. É por causa disso que o SPMV passa o tempo a fazer acusações ao PNP: é porque o SPMV não tem nenhuma política própria, que seja diferente da política do PNP. De resto, se por qualquer bem-aventurança o PNP se dissolvesse, o mesmo aconteceria inevitavelmente ao SPMV, uma vez que a política deste consiste apenas em atacar o outro e, por isso, sem o outro não sabe existir.
Se o SPMV tem vindo a perder expressão eleitoral, isso deve-se ao facto de que, sendo ele um partido de direita, o seu espaço político já está ocupado pelo PNP, que é, ele próprio, um partido de direita, isto é, um partido dos ricos e que dá prioridade aos interesses dos ricos.
E se o SPMV continua a declarar que o PNP é marxista e comunista é somente para tentar fazer crer que a política do PNP é diferente da política do SPMV, enquanto que o inverso é que é verdadeiro: como já se disse, o SPMV é que não tem nenhuma política diferente da política do PNP. Entretanto, com essa “acusação” de que o PNP é marxista, o SPMV não faz mais do que ostentar o seu analfabetismo político.
Há um outro factor que indica não haver diferenças entre a política do SPMV e a do PNP: é o caso dos trânsfugas, quer dizer, aqueles indivíduos que abandonam o SPMV e correm a filiar-se no PNP. É que, geralmente, quando alguém decide abandonar um partido, não vai logo a correr filiar-se no partido supostamente oposto.
Se os trânsfugas se transferem directamente duma sede para a outra, é porque não encontram grandes diferenças políticas. Serão talvez indivíduos que aderiram ao SPMV com muitas expectativas de ascenderem rapidamente dentro do aparelho partidário, ou principalmente no aparelho de Estado, porque sonhavam que o SPMV (Segundo Partido Mais Votado) poderia chegar a ser PMV (Partido Mais Votado). Como o sonho não passou disso, transferem-se para o vencedor, em busca de algum benefício, nem que seja um boné e uma camisete (ou capulana) de melhor qualidade, e portanto mais caros.
Existe ainda um aspecto que é importante sublinhar: provavelmente alguns desses casos nem são novas “aquisições”, mas sim regressos. Não ascendiam no PNP, tentaram no SPMV, não conseguiram, voltaram a juntar-se àquele que, apesar de tudo, dá mais qualquer coisa.
Ora, tudo isto testemunha bem a qualidade dessas novas “aquisições”. Mas, no fundo, talvez estejam em boa consonância com o espírito reinante no PNP.
Note-se que este comentário sobre expectativas de ascensão e sobre regressos tem em conta não só o momento actual, mas também outras fases anteriores, e não só o nível dos órgãos centrais, mas também aquilo que se pode estar a passar ao nível das localidades, dos distritos e das províncias.
Entretanto, é preciso realçar que o PNP (Partido No Poder) e o SPMV (Segundo Partido Mais Votado) são os únicos dois partidos existentes, pois estão estruturados, têm vários órgãos, e têm vários membros seus que aparecem a pronunciar-se em nome dos respectivos partidos, e em todas as regiões do país. Das restantes minúsculas organizações só o líder é conhecido (e de algumas delas, nem isso). Aparentemente essas organizações não têm outros dirigentes e militantes, ou então só chefe é que está autorizado a pronunciar-se ou só ele é que tem capacidades para isso.
O caso da OC
Pode haver quem pergunte: E então o que dizer sobre a restante oposição, para além do SPMV? Sobre isso é inevitável responder com outras perguntas: Qual restante oposição? A Oposição Colaboracionista (OC)? Aquela que oferece uma contribuição financeira para o reforço do PNP? Aquela que desempenhou o papel de delegada à Grande Reunião do PNP? Aquela que se tornou uma subserviente colaboradora do PNP?
Sabe-se que o Verão é uma época de espectáculos. Também se sabe que o preço dos bilhetes pode variar muito. Agora ficou-se a saber que o preço dum bilhete pode ir até dezassete mil MTn. Mas é compreensível que o preço do bilhete seja tão elevado, porque dá direito a também apresentar a sua actuação no palco. E a ser aplaudido entusiasticamente. Mas isso tem a sua lógica porque o PNP arranjou quem lhe faça o serviço de atacar e denegrir o seu único concorrente, e que o que interessa são os interesses envolvidos na jogada. É a lógica elementar de quem faz da política um negócio.
A falsificação da linguagem
Há uns dias, num programa de rádio, o locutor anunciava que, a seguir, iria entrevistar um projecto. Então, agora um projecto já fala? Este é o caso dessa moda idiota de chamar “projecto” a um “grupo musical”. Um outro caso muito expandido, em vários países, é o de ter substituído a palavra “derrota” (eleitoral) pela palavra “fraude”. Nesses países deixou de haver derrotas eleitorais: sempre que um partido perde as eleições, não houve “derrota”, houve “fraude”. Agora surgiu uma novidade que consiste em utilizar a palavra “oposição” para designar uma “aliança”. É o caso da tal OC (Oposição Colaboracionista). Aliás, se houvesse um mínimo de honestidade, certamente que a tal OC optaria por passar a designar-se Aliança Construtiva. E, neste caso, até poderia merecer aplausos.
O magno conclave
“Na capital da bicicleta, o congresso do ‘combate à pobreza absoluta’ foi um obsceno desfile de viaturas 4x4, provenientes de todas as províncias, muitas das quais ‘emprestadas’ por organismos do Estado, com os respectivos motoristas.” (“Savana”, 671, 17.11.2006).
Como síntese do magno conclave do PNP, talvez não se pudesse ser mais elucidativo. Só não vê quem faz de conta que é míope. E fazer propaganda política para tentar pintar de cor-de-rosa esta realidade, é o mesmo que tentar tapar o Sol com a peneira.
Há um indicador crucial, sobre o magno conclave, que a generalidade dos órgãos de comunicação achou por bem ignorar: qual a composição social do magno conclave. Mas, como nem tudo está perdido, porque ainda nem todos entraram no buraco, foi possível encontrar esses números em pelo menos um jornal. E os números são gritantes: a percentagem de operários foi de 0,6% (menos de 1%); a de camponeses foi de 7% (arredondado); a percentagem de funcionários do Estado e funcionários do PNP foi de 56% (e não será arriscado supor que não seriam funcionários dos escalões de base e intermédio). Para iludir isto, muitos dos órgãos de comunicação social fizeram grande clamor sobre os números de mulheres e de jovens, e dos que entraram e dos que saíram e outras coisas dessas. Rebuçados para entreter crianças!
E que tal se fosse possível conhecer as percentagens relativas à composição do próprio Comité Central do PNP? Assim como as percentagens relativas ao seu local de residência. Quantos membros do CC do PNP residem em aldeias e localidades e em sedes de distrito?
Mas o que é que interessa saber essas tais percentagens, se um dos principais critérios para ser eleito parece centrar-se sobre quem é recordista no número de vezes que pronuncia as palavras da moda, o tal lema: “Combate à Pobreza”.
Um outro critério que parece ter sido de peso foi o da hereditariedade. Há quem tenha manifestado alguma estranheza pelo facto de alguns herdeiros consanguíneos de antigos dirigentes ou antigos combatentes terem sido designados para o CC. No entanto, ninguém de fora do PNP pode ter algum motivo para reclamar, porque um partido político não tem que representar os interesses de toda a sociedade; e, por isso, pode à vontade constituir-se como um património privado e familiar, e com carácter monárquico.
Os tipos de análise
Sobre as decisões políticas tomadas no magno conclave pouco ou nada se disse. A maior parte das análises que foram propagadas pode ser categorizada em quatro tipos: religioso, a) futebolístico, b) religioso; c) musical e d) telenovelesco.
A análise futebolística é aquela que concentra a sua atenção sobre os jogadores que entram e os que saem da equipa e sobre quem é o novo treinador principal, como se, com tudo isso a equipa deixasse de ser o mesmo clube, e em vez de ser Costa do Sol passasse a ser Ferroviário.
A análise religiosa é aquela em que o líder é infinitamente bom e é sempre inocente em relação a qualquer mal, mas está rodeado de alguns anjos que são venais. Alguns analistas deste tipo assumem o papel de clérigos e reverendos e põem-se a interpretar o pensamento e os embaraços do Senhor.
A análise musical é aquela que toma como base o som. Neste caso o som dos nomes. São as análises que giram em torno dos “nomes sonantes”. O que será isso, um “nome sonante”? Será um nome que soa bem? Ou um nome que soa alto? Ou um nome que soa muitas vezes? Em todo o caso, sendo uma questão de nomes quer dizer que tem tudo a ver com os padrinhos.
A análise telenovelesca é aquela que se inspira nos enredos televisivos e vem falar de oposição “ciumenta” e de “ciúmes” políticos.
Enfim, estes quatro tipos de análise são bem o espelho do nível de cultura política desta sociedade multipartidária unanimista e elitista.
O lema autocolante
Segundo parece, as grandes decisões políticas do magno conclave do PNP assentam na estratégia que pode ser designada como “Viródisco e tócòmesmo”. E o “mesmo” é aquele estafado e fastidioso refrão: o “combate à pobreza”.
Tanto dentro do país, como também por esse mundo fora, são cada vez em maior número as opiniões segundo as quais tem havido uma tremenda confusão entre responder à pobreza ou responder ao desafio muito maior do desenvolvimento.
Há uma opinião que foi emitida por um cidadão, nestes dias mais recentes, que resume tudo: “Nós não podemos ostentar riqueza e dizer que combatemos a pobreza”. Aliás, se não foram os próprios pobres a declararem esse combate à pobreza, a que propósito é que os ricos estão tão interessados em combatê-la? E sobretudo quando se trate do caso em que acumularam a sua riqueza utilizando o poder partidário e governamental que possuem.
A expressão “combate à pobreza” não tem qualquer significado, porque ela tem sido usada como se fosse um autocolante que se coloca em tudo quanto é sítio, é uma expressão que é colada indiscriminadamente em qualquer discursata, a propósito de tudo e de nada.
Um dos exemplos mais vivos disto mesmo esteve bem à vista muito recentemente (25.Novembro.2006). Numa cerimónia de graduação de professores, uma governante proclamava enfaticamente que, se o professor for um exemplo no combate à pobreza, se o professor tomar o combate à pobreza como sua prioridade número um, então a pobreza poderá ser erradicada. Em escassas dezenas de segundos pronunciou a palavra “pobreza” três vezes. Sobre educação... não se ouviu nada! Pergunta-se: qual é, em concreto, a redução do número de pobres e qual é número do aumento dos seus rendimentos que poderá resultar directamente das acções de cada professor? E qual é o tipo de acções que o professor deve realizar para reduzir o número de pobres e aumentar os rendimentos destes? Entretanto, enquanto os professores vão andando entretidos com o “combate à pobreza”, a qualidade do ensino vai deslizando como chuva na montanha. O mesmo tem acontecido também em cerimónias de graduação de polícias: proclama-se que a prioridade número um dos polícias é o “combate à pobreza”. Aplicam-se aqui as mesmas perguntas que atrás foram feitas a propósito dos professores. E também se pode concluir que, enquanto os polícias andarem entretidos com o “combate à pobreza”, a segurança dos cidadãos vai definhando como flor num deserto, enquanto a criminalidade vai robustecendo.
É exactamente o mesmo que acontece com o “combate à sida”: uma vez que este também é um lema autocolante usado em qualquer tipo de eventos que nada contribuem para o combate à doença, é inevitável que esta, em vez de reduzir, continue a aumentar.
Quando o lema autocolante “Combate à Pobreza” é associado a tipos de acções que sempre foram realizadas desde muito antes desta tal “agenda”, isso significa que esse lema é só lábia para adormecer o povo.
O resultado do uso indiscriminado desse lema é a descaracterização das acções específicas que reduzam a pobreza... dos pobres. Só é uma acção de combate à pobreza aquela cujos resultados possam ser apresentados com os números seguintes: quantos pobres foram abrangidos, e qual foi o volume do aumento dos seus rendimentos. Mas não é por acaso que sempre que se repete o refrão “Combate à Pobreza”, nunca se fala de resultados, fala-se sempre de objectivos situados eternamente no futuro.
Esta descaracterização, que consiste em aplicar este lema autocolante a tudo, serve, todavia, para produzir um resultado bem definido: serve para que não se consiga verificar que é ínfimo o número de acções que, de facto, contribuem directamente para o aumento do rendimento dos pobres e para a redução do número dos mesmos.
Mas toda a gente sabe que o lema autocolante “Combate à Pobreza” não tem nada a ver com a redução do número de pobres e com o aumento dos seus rendimentos. Este é apenas mais um caso de falsificação da linguagem: nesta linguagem de novo tipo, “combate à pobreza” quer dizer “aumento da riqueza” dos sócios do PNP.
O esvaziamento do significado do lema “Combate à Pobreza” pode comparar-se ao exemplo que se segue. Suponha-se que a “agenda nacional”, em vez de ser o “combate à pobreza”, era o “combate ao analfabetismo”. Então, inaugura-se uma estrada para uma aldeia, e proclama-se que isso faz parte do “combate ao analfabetismo”; é que por essa estrada já será mais fácil enviar os materiais de estudo para os alfabetizandos, mas, no entanto, naquela aldeia não existe, nem está para ser criado, nenhum Centro de Alfabetização. Inaugura-se um hospital, e isso também faz parte do “combate ao analfabetismo”; é que, se as pessoas estão doentes, não podem ir às aulas de alfabetização; no entanto, mesmo quando estão de perfeita saúde, também não vão a essas aulas, visto que não existe nenhuma actividade de alfabetização no seu local de residência. Inaugura-se uma fábrica de papel higiénico, e isso também faz parte do “combate ao analfabetismo”; porque os alfabetizandos também precisam de se limpar; e, principalmente, também poderão utilizar esse papel para escrever nele.
Assim se vai combatendo o analfabetismo. Assim se vai combatendo a pobreza...
O monojornalismo
“Há que agir rápido para pôr a máquina governativa sob o comando da Frelimo.” – quem leia isto poderá pensar, com toda a lógica, que esta é uma proclamação de algum membro do CC do PNP. Seria difícil imaginar que este decreto saiu da pena dum jornalista! Mas esta é a realidade nua e crua (Ver “Zambeze”, 218, 23.11.2006, p.5).
Um dos componentes do sistema monopartidário de novo tipo, no qual o país está mergulhado, é o monojornalismo. Este jornalismo de novo tipo apresenta duas características principais: uma consiste no facto de que a generalidade das análises produzidas sobre o magno conclave foram quase unânimes e centradas nos quatro tipos de análise que atrás foram referidos; a outra consiste em funcionar como caixa de ressonância das análises que o próprio PNP emitiu sobre o seu conclave.
Mas é natural que assim seja, visto que muitos dos analistas, comem e bebem à mesma mesa com os “nomes sonantes” do PNP, todos juntos, conforme pode ser observado com excessiva frequência nas fotografias dos magazines de exibição dessa tal gente e nas reportagens televisivas de propaganda dos eventos em que participam tais figuras.
Expressando o espírito do monojornalismo, foi levantado na imprensa o problema de que alguns ministros foram “derrotados”, pois não foram eleitos para o Comité Central, “pondo o seu ministério fora do controlo da Frelimo”. Com base neste raciocínio, o mínimo que se pode pensar é que, ser simplesmente membro do partido, é igual a zero, e que essa tal Frelimo, afinal, é apenas o Comité Central.
A ideia de que todos os ministros devem ser membros do CC é a expressão perfeita dessa mentalidade elitista e monopartidária. Em alguns países, há partidos no poder que incluem nos seus Governos alguns ministros que nem sequer são membros desse partido. Noutros casos, incluem mesmo membros de outros partidos que não ganharam as eleições, mas com os quais formam coligações, por terem linhas políticas aproximadas.
A ideia de que todos os ministros devem ser membros do Comité Central também exprime muito bem essa concepção de um partido de dirigentes governamentais. E os deputados do PNP não precisam também de serem todos eles membros do CC?
Por outro lado, afirmar que um militante que recebe 400 ou 500 votos foi “derrotado” e não tem prestígio dentro do partido, constitui uma declaração de profundo desprezo por todos aqueles 400 ou 500 delegados que votaram nele. É o mesmo que considerá-los uns zeros.
Mas este assunto não pára aqui. Talvez até se desconheça o significado da palavra delegado e em que consiste a sua função. Um delegado é “aquele que é autorizado por outrém a representá-lo”; é “uma pessoa que representa outra”; e neste caso representa várias outras pessoas, muitas. Cada delegado representa todos aqueles militantes que estiveram envolvidos no processo da sua eleição e que o enviou até ali. A não ser que aqueles participantes no magno conclave não fossem verdadeiros delegados e estivessem apenas a representar a sua própria pessoa e um pouco mais, isto é, a sua família e alguns amigos íntimos.
Como é que se pode afirmar que os chamados “derrotados” “sentiram na pele a sua rejeição no aparelho partidário” (“Zambeze”, 218), quando eles receberam o apoio de vários milhares de militantes representados por esses 400 ou 500 delegados que votaram nos “derrotados”? Mas que grande confusionismo reina neste monojornalismo!
O monojornalismo também gosta muito de usar adjectivos para qualificar pessoas: o “estiloso” Fulano de Tal, a “barulhenta” Senhora Agá... É esta a objectividade do monojornalismo.
O monojornalismo apresenta-se também como um jornalismo com vocação de ser caçador. Gosta de definir alvos a abater e de lançar uma verdadeira caça ao homem (e à mulher). Mas, curiosamente, só são citados os nomes de alguns ministros e vice-ministros que não foram eleitos. Seria interessante verificar quantos ministros e vice-ministros não pertencem ao CC, e tentar compreender porque é que só foram citados os nomes daqueles que foram tomados como alvo. Será o caso de algum ajuste de contas, resultante do facto de que este ou aquele ministro não tenha satisfeito os apetites deste ou daquele jornalista ou de pessoas da sua família?
Amanhã há-de ser outro dia
“Apesar de você / amanhã há-de ser outro dia...” – estes são versos duma canção de Chico Buarque. Mas não é certamente pelo facto de ele cantar isso que o amanhã será diferente.
Importa tentar compreender de que modo e porquê o “amanhã há-de ser outro dia”. Um amanhã que não consiste em tentar voltar ao dia de ontem, porque a roda da História não gira para trás, mas um amanhã que seja a continuidade de ontem, após esta passageira noite que ensombra e assombra a Nação. E um amanhã que será mais luminoso do que ontem, porque o tempo é outro e o Sol de cada dia é sempre novo.
Seja qual for a política de qualquer Governo, qualquer país tem sempre algum progresso que é inevitável. Como poderia algum país, seja ele qual for, estar igual ao que era há 30 anos atrás? O simples aumento da população e o surgimento duma nova geração, principalmente uma nova geração de trabalhadores obrigam a que surjam novos empreendimentos, seja qual for a política do Governo. E esse desenvolvimento inevitável cria novas forças. Também não são vãos os efeitos do aumento do número de técnicos médios e superiores.
Será a partir de outras classes sociais que surgirá a verdadeira oposição. Ela nascerá a partir dos sindicatos de operários, das associações de camponeses e dos grandes grupos profissionais tais como os professores, os enfermeiros, os técnicos agrários, de construção civil, de electricidade, os empregados administrativos, os vendedores.
Essa será uma oposição que abolirá do seu discurso o lema autocolante do “Combate à Pobreza”, e que determinará como seu objectivo político supremo o desenvolvimento humano e a prosperidade da Nação, em vez da bastarda opulência dum punhado de nacionais.
É lógico que o conteúdo deste texto seja repudiado por todos aqueles que têm interesses opostos ao que aqui vem expresso. Mas isso não é de admirar, porque, no fundo é tudo uma questão de oposição...
Uma pergunta terminal
Será que os arautos do “combate à pobreza” têm alguma noção do que é a angústia, o poder moral e a força de vontade duma família que às 4h50m duma manhã de Domingo está a mudar de casa, caminhando pela rua, transportando à cabeça e nos ombros e nas mãos os seus parcos haveres, incluindo o colchão onde dormem, e tendo que parar de vez em quando, para descansar, porque o esforço é demasiado? Mas isto não interessa. Vamos lá falar de sida e de pobreza absoluta!
(*)Savana
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