A talhe de Foice
Por Machado da Graça
Nos últimos tempos temos assistido a acusações, por parte da RENAMO, de que o partido no poder está a querer voltar ao sistema de partido único.
Por outro lado, a FRELIMO desdobra-se em declarações afirmando que nada está mais longe do seu ideário do que o regresso a esse sistema. E invoca a Constituição e outra legislação em seu apoio.
O secretário da FRELIMO Edson Macuácua foi mesmo ao ponto de referir que os programas da FRELIMO, desde o primeiríssimo, sempre incluíram a democracia no seu articulado. Esqueceu-se foi de explicar como é que, com a democracia no programa, a FRELIMO instituiu um sistema de partido único no pós-Independência.
Mas, voltando à actualidade, eu creio que quer a RENAMO, quer a FRELIMO têm uma certa razão naquilo que dizem.
É verdade que não acredito que a FRELIMO esteja a pensar em alterar a Constituição para voltar a instituir um sistema de partido único. Em primeiro lugar, a conjuntura internacional não lho iria permitir. Regimes desse tipo têm cada vez menos lugar no mundo globalizado à americana.
Por outro lado, a FRELIMO não o fará porque não tem necessidade disso. De processo eleitoral em processo eleitoral tem ganho maior predominância sobre o principal partido da oposição. E, apesar das trambiquices que permitiram aumentar esta distância, parece claro que, mesmo em eleições rigorosamente
limpas, a FRELIMO teria ganho na mesma, com uma boa margem de diferença. E a tendência parece ser para que, cada vez mais, essa margem cresça.
E aí temos o risco que a RENAMO está a denunciar.
Creio que a RENAMO tem consciência de tudo o que digo acima e percebe que o que se está a passar é que, sem mudança do regime constitucional, cada vez a FRELIMO ocupa uma fatia maior do poder e cada vez a RENAMO e os outros partidos da oposição, comem uma fatia menor.
E à medida que o processo evolui o risco é de a FRELIMO ocupar o poder praticamente todo deixando a oposição praticamente sem nada.
E isto é, na prática, o mesmo que um regime de partido único.
De resto se isto acontecesse não seríamos pioneiros. Ao longo do século 20 o México viveu durante muitas décadas governado pelo mesmo partido, que vencia sistematicamente as eleições e foi criando uma forma de estar no poder em quase nada diferente de um partido único.
Aqui mesmo ao lado o crescimento da votação no ANC da África do Sul está a criar, ou já criou mesmo, uma situação idêntica. Sentindo-se invencível o partido no poder começa a adoptar posições de partido único e quem sofre é a democracia.
Postas as coisas nestes termos, qual é a saída para não se chegar a esse ponto?
Parece claro que o principal aspecto é a oposição ser revitalizada, sair da modorra em que caiu e fazer um esforço real para conquistar a adesão do eleitorado. E, muito mais claro ainda, isso não se faz com ameaças de voltar à luta armada. Ameaças que, de resto, não têm nenhum peso em termos objectivos. Sem fronteiras amigas, sem Rodésia, sem o Malawi de Banda e, principalmente, sem a África do Sul do apartheid os rebeldes armados seriam rapidamente esmagados.
O que tem que acontecer é a oposição deixar de contar exclusivamente com o descontentamento dos moçambicanos em relação à FRELIMO para garantir os votos. À medida que o país vai crescendo economicamente esse descontentamento será cada vez menor e, portanto, o número de votos que
mobiliza será, também, cada vez menor.
E ou a oposição aparece com propostas novas, com ideias concretas para melhor governar o País, ou vai continuar a deslisar para o esquecimento total. Por muita gritaria que faça, de vez em quando.
Deviz Simango, governando competentemente a Beira, sem alaridos, faz mais pela oposição do que todo o resto da direcção da RENAMO aos berros e com ameaças. Terá que ser essa geração jovem, educada e com espírito de serviço público, a fazer a oposição sair da estagnação suicida em que caiu.
Quererá isto dizer que só a oposição é culpada do estado doentio em que está a cair a nossa democracia?
De maneira nenhuma.
A situação de poder total embora num sistema multipartidário é, claramente, uma situação que agrada muito à FRELIMO. E o partido no poder não perde uma ocasião para reforçar essa situação.
Ora isso parece-me errado. E explico porquê.
Ter um adversário muito fraco não é uma coisa boa. É, pelo contrário, uma coisa muito má. Um partido que não tem uma oposição forte vai, ele próprio, enfraquecendo. Não sentindo necessidade de crescer para vencer uma oposição forte, o partido no poder vai deixar de ter estímulo para o crescimento e vai entrando também em decadência.
Ou vai evoluir por um caminho mais perigoso de deixar de ser uma forma de governar o País e passar a ser uma forma de conservar o poder, a todo o custo, para benefício exclusivo dos seus membros, militantes e, principalmente, dirigentes. Caminho por onde, é óbvio, já foram dados largos passos.
Em resumo, creio que seria de todo mais saudável para a nossa democracia que o partido no poder não continuasse no seu esforço de tentar acabar com a oposição e que esta sacudisse a modorra em que caiu, procurando aparecer ao eleitorado como uma alternativa séria ao poder. E isso tem que começar de dentro.
Assim como estamos, os riscos para o sistema democrático são demasiado sérios.
SAVANA – 27.10.2006
Por Machado da Graça
Nos últimos tempos temos assistido a acusações, por parte da RENAMO, de que o partido no poder está a querer voltar ao sistema de partido único.
Por outro lado, a FRELIMO desdobra-se em declarações afirmando que nada está mais longe do seu ideário do que o regresso a esse sistema. E invoca a Constituição e outra legislação em seu apoio.
O secretário da FRELIMO Edson Macuácua foi mesmo ao ponto de referir que os programas da FRELIMO, desde o primeiríssimo, sempre incluíram a democracia no seu articulado. Esqueceu-se foi de explicar como é que, com a democracia no programa, a FRELIMO instituiu um sistema de partido único no pós-Independência.
Mas, voltando à actualidade, eu creio que quer a RENAMO, quer a FRELIMO têm uma certa razão naquilo que dizem.
É verdade que não acredito que a FRELIMO esteja a pensar em alterar a Constituição para voltar a instituir um sistema de partido único. Em primeiro lugar, a conjuntura internacional não lho iria permitir. Regimes desse tipo têm cada vez menos lugar no mundo globalizado à americana.
Por outro lado, a FRELIMO não o fará porque não tem necessidade disso. De processo eleitoral em processo eleitoral tem ganho maior predominância sobre o principal partido da oposição. E, apesar das trambiquices que permitiram aumentar esta distância, parece claro que, mesmo em eleições rigorosamente
limpas, a FRELIMO teria ganho na mesma, com uma boa margem de diferença. E a tendência parece ser para que, cada vez mais, essa margem cresça.
E aí temos o risco que a RENAMO está a denunciar.
Creio que a RENAMO tem consciência de tudo o que digo acima e percebe que o que se está a passar é que, sem mudança do regime constitucional, cada vez a FRELIMO ocupa uma fatia maior do poder e cada vez a RENAMO e os outros partidos da oposição, comem uma fatia menor.
E à medida que o processo evolui o risco é de a FRELIMO ocupar o poder praticamente todo deixando a oposição praticamente sem nada.
E isto é, na prática, o mesmo que um regime de partido único.
De resto se isto acontecesse não seríamos pioneiros. Ao longo do século 20 o México viveu durante muitas décadas governado pelo mesmo partido, que vencia sistematicamente as eleições e foi criando uma forma de estar no poder em quase nada diferente de um partido único.
Aqui mesmo ao lado o crescimento da votação no ANC da África do Sul está a criar, ou já criou mesmo, uma situação idêntica. Sentindo-se invencível o partido no poder começa a adoptar posições de partido único e quem sofre é a democracia.
Postas as coisas nestes termos, qual é a saída para não se chegar a esse ponto?
Parece claro que o principal aspecto é a oposição ser revitalizada, sair da modorra em que caiu e fazer um esforço real para conquistar a adesão do eleitorado. E, muito mais claro ainda, isso não se faz com ameaças de voltar à luta armada. Ameaças que, de resto, não têm nenhum peso em termos objectivos. Sem fronteiras amigas, sem Rodésia, sem o Malawi de Banda e, principalmente, sem a África do Sul do apartheid os rebeldes armados seriam rapidamente esmagados.
O que tem que acontecer é a oposição deixar de contar exclusivamente com o descontentamento dos moçambicanos em relação à FRELIMO para garantir os votos. À medida que o país vai crescendo economicamente esse descontentamento será cada vez menor e, portanto, o número de votos que
mobiliza será, também, cada vez menor.
E ou a oposição aparece com propostas novas, com ideias concretas para melhor governar o País, ou vai continuar a deslisar para o esquecimento total. Por muita gritaria que faça, de vez em quando.
Deviz Simango, governando competentemente a Beira, sem alaridos, faz mais pela oposição do que todo o resto da direcção da RENAMO aos berros e com ameaças. Terá que ser essa geração jovem, educada e com espírito de serviço público, a fazer a oposição sair da estagnação suicida em que caiu.
Quererá isto dizer que só a oposição é culpada do estado doentio em que está a cair a nossa democracia?
De maneira nenhuma.
A situação de poder total embora num sistema multipartidário é, claramente, uma situação que agrada muito à FRELIMO. E o partido no poder não perde uma ocasião para reforçar essa situação.
Ora isso parece-me errado. E explico porquê.
Ter um adversário muito fraco não é uma coisa boa. É, pelo contrário, uma coisa muito má. Um partido que não tem uma oposição forte vai, ele próprio, enfraquecendo. Não sentindo necessidade de crescer para vencer uma oposição forte, o partido no poder vai deixar de ter estímulo para o crescimento e vai entrando também em decadência.
Ou vai evoluir por um caminho mais perigoso de deixar de ser uma forma de governar o País e passar a ser uma forma de conservar o poder, a todo o custo, para benefício exclusivo dos seus membros, militantes e, principalmente, dirigentes. Caminho por onde, é óbvio, já foram dados largos passos.
Em resumo, creio que seria de todo mais saudável para a nossa democracia que o partido no poder não continuasse no seu esforço de tentar acabar com a oposição e que esta sacudisse a modorra em que caiu, procurando aparecer ao eleitorado como uma alternativa séria ao poder. E isso tem que começar de dentro.
Assim como estamos, os riscos para o sistema democrático são demasiado sérios.
SAVANA – 27.10.2006
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