Por GDI – Instituto de Apoio à Governação e Desenvolvimento
Carta ao Presidente da República (*)
Maputo (Canal de Moçambique) – Benjamin Pequenino presidente do «GDI - Instituto de Apoio à Governação e Desenvolvimento», entregou ontem no Gabinete do presidente da República e na sede do partido Frelimo de que é simultaneamente presidente e secretário-geral Armando Emílio Guebuza, um documento intitulado «Carta aos delegados ao IX Congresso do Partido Frelimo». Da referida carta damos hoje à estampa apenas a primeira parte. Na edição de amanhã (n.º 176) concluiremos esta publicação. Eis na integra o que o GDI escreveu:
“Carta aos delegados ao IX Congresso do Partido Frelimo”
Caros congressistas:
Quem somos nós?
Nós somos Instituto de Apoio à Governação e Desenvolvimento, abreviadamente também designado por GDI, uma associação de moçambicanos, sem fins lucrativos, licenciada pelo Governo, cujos despacho e estatutos estão publicados no BR Nr. 12, III série, de 19 de Março de 2003.
São objectivos gerais do GDI: apoiar todas acções, que concorram para a construção de uma boa governação, rumo ao desenvolvimento sustentável do país. Para o alcance destes objectivos, o GDI estruturou-se em seguintes áreas: Governação, Desenvolvimento, e Assuntos Transversais.
Esta carta enquadra-se na área da Governação e num dos objectivos específicos do GDI que visa apoiar os partidos políticos nacionais na construção de políticas públicas que propiciem a criação de um ambiente de boa governação, chave para o alcance do desenvolvimento sustentável no país.
Porque o GDI escreve ao congresso da Frelimo?
Porque é a Frelimo que governa o nosso país, Moçambique. Neste congresso, como sempre, serão tomadas decisões que, gostemos ou não, acabarão afectando as nossas vidas, independentemente de sermos ou não militantes ou simpatizantes deste partido. E porque não sendo membros, não tivemos a oportunidade de debater as suas teses, usamos esta via como alternativa para apresentar as nossas contribuições, ao mesmo tempo que apelamos aos distintos delegados ao congresso para que assumam com a grandeza patriótica que se impõe, os dois pontos que a seguir propomos e que reputamos de vital interesse nacional: o aprofundamento das reformas políticas para emancipação do nosso Estado e o combate à corrupção a partir do interior do próprio partido.
A necessidade do aprofundamento das reformas políticas:
A Constituição de 1990 permitiu que hoje, em liberdade, nós GDI aparecêssemos e vos dirigíssemos por esta via. Congratulamo-nos com este facto, sem nos esquecermos donde viemos e o que aconteceu desde 1975, para que tal direito nos fosse resgatado em 1990. E porque recordar isto? Porque hoje, infelizmente, há sinais que nos indicam que não aprendemos dos próprios erros de ontem. E isto preocupa-nos no GDI.
Com efeito, despontam sinais no sentido do regresso a esses momentos tenebrosos, de desnecessário sofrimento e de luto gratuito, causados por intolerância, gula, avareza e egocentrismo que alimentam o extremismo e o fundamentalismo político, potenciais fermentos destruidores da paz, da coesão nacional, da jovem democracia e do desenvolvimento.
A onda de violência e a exclusão de cidadãos que não pensam de acordo com o Poder agrava-se dia após dia, e relatórios de importantes parceiros do país, já denunciaram estes novos desenvolvimentos, alertando também para o perigo da situação. Mas, mesmo assim, parece que quem de direito para mandar corrigir o cenário não lhe ocorre que é sua responsabilidade repor a lei e a ordem.
Como se pode conceber a viabilidade e sustentabilidade dum Estado com parte de seus cidadãos excluídos e despojados de cidadania? Como construir um Estado de Direito Democrático sem democracia? Sem liberdade e justiça? Martin Luther King, ante a negação de direitos cívicos aos negros americanos, dissera: “a injustiça em qualquer lugar é injustiça em toda parte”. Cedo, o branco americano, percebeu que nunca poderia viver em paz enquanto outro segmento da sociedade continuasse privado de direitos. Amartya Sen, prémio Nobel de ciência económica 1998, questiona aos defensores da ditadura: “quanto tempo durará a ditadura sem provocar revolta das vítimas que destruiria os ganhos até então conseguidos?”. Eis aqui, também, um desafio que se coloca aos delegados: a necessidade de repensar o seu relacionamento com os outros que não são do seu partido.
Mais do que segregar, obstruir, inviabilizar, denegrir, coarctar, ou até aliciar consciências e organizações políticas comprando ou provocando o seu silêncio, ou pondo-as ao serviço do Poder, o que importa é respeitar a Constituição da República e a legislação avulsa quanto aos direitos à liberdade e igualdade dos moçambicanos, e assumir a utilidade das diferenças políticas no processo de construção dum clima de paz e de desenvolvimento nacional.
Compatriotas, permitam-nos lembrar-vos: Até 1990, aqui não havia liberdade de expressão e de imprensa, de associação e de reunião, e de circulação; apesar de independentes, havia 15 anos. Lembrar as guias de marcha para viajar dentro do país, os intermináveis comícios onde as populações eram obrigadas a permanecer debaixo de sol ou chuva, as forçadas aldeias comunais, os campos de concentração e reeducação, a intriga e desconfiança contra todos que não eram militantes do partido e contra todos que tinham trabalhado para o Estado Colonial, os “comprometidos”, como se fosse possível conceber um Estado sem funcionários. Os fuzilamentos de Gulamo Naby por tentar exportar camarão e não haxixe, do regente agrícola Paulo Suéue Manla e de Afonso Kotoi silenciados por terem ousado pensar diferente sobre políticas de desenvolvimento. O fuzilamento dos fundadores e primeiro vice-presidente da Frelimo, Reverendo Urias Simango e esposa, Celina Muchanga, de Paulo Gumane, Lazaro Kavandame, Julio Razão Nlia, da Joana Simeão, e outros que uma vez colocados sob cárcere por crimes que só quem mandava após a independência poderia dizer-nos, nunca mais voltaram ao convívio de suas famílias; as operações “produção”, “tira-camisa”na Beira e “terra queimada” na Zambézia; as atrocidades do SNASP que substituiu a PIDE-DGS portuguesa com métodos ainda mais brutais, como reconheceu à BBC, recentemente, um dos seus ex-ministros; a instrumentalização de crianças contra os pais e esposas contra maridos, são alguns exemplos do sofrimento a que o nosso povo ficou sujeito até 1990.
Compatriotas, foi por tudo isto e mais, que o povo moçambicano cedo se apercebeu então, que tinha, de novo, de pegar em armas e lutar pela conquista da sua liberdade. Éramos país independente, mas não estávamos livres. E como recorda Fernando Lima no jornal Savana de 22.09.2006, “Há uns anos um presidente temerário”, enquanto fuzilava as suas vítimas, “fez o mesmo convite”: “Que Venham!”. Esse presidente temerário era Samora Machel, que então proclamava: “já partimos a espinha dorsal do inimigo”. E prometia: “até fim de1980, liquidaremos o banditismo armado!”. O que aconteceu? “...viu o país praticamente reduzido a escombros”.
Samora cedo partiu. E até a assinatura dos acordos de Roma, todos vimos como o país estava!
Haverá hoje alguém na Frelimo que queira conduzir-nos de novo aqueles momentos de tristeza?
Recordamos os episódios acima porque nos parece que, hoje, alguns dos mesmos camaradas que ajudaram Samora Machel, o arquitecto da nossa independência, a implantar o sofrimento e o luto gratuitos nos moçambicanos, pretendem forçar o Presidente Guebuza a fazer regressar esse passado tenebroso. Será porque estão velhos e acham que podem queimar tudo, nada têm a perder? O GDI, apela à consciência dos delegados ao congresso para que não sejam assumidas posições que levem o Presidente de Moçambique a cometer os excessos da presidência de Samora Machel. Precisamos encontrar, nos nossos corações, a sobriedade, o equilíbrio e pragmatismo e não o fundamentalismo político, para que no meio das diferentes culturas, percepções e crenças, emirja e se cimente o sentido de pertença à grande Nação Moçambicana. A exclusão duns, sob que pretexto seja, é anti-tese a este projecto colectivo, para o qual o GDI tem estado a trabalhar.
Onde nos encontramos hoje?
A Constituição de 1990 veio galvanizar as reformas económicas que já haviam sido iniciadas com a introdução do PRE nos finais de 1986. Desde então, ao nível económico, muitas medidas de liberalização foram postas em prática, em parte, para acomodar as exigências dos doadores. Mas ao nível político, para além de ter-se permitido que outros partidos fossem legalizados e eleições multipartidárias tivessem lugar com regularidade, muito pouco se avançou. Na verdade, uma tentativa de revisão de símbolos nacionais, para reflectirem o momento político-democrático que vivemos, e depois de gastos dinheiros do Estado, resultantes de nossos impostos e de contribuições de doadores que foi abortada a última hora pela Bancada da Frelimo na Assembleia da República, confirma a resistência do Partido Frelimo ao projecto de governação democrática.
O partido Frelimo continua a recusar a emancipação do Estado, mantendo e consolidando as suas estruturas operativas em todas instituições públicas e interferindo no seu funcionamento. Dirigentes do Estado continuam a não conseguir distinguir quando é que estão em missão do partido e quando é que estão em serviço do Estado. Um secretário provincial de mobilização convidado, no ano passado, aos trabalhos do conselho coordenador dum ministério, a que um membro do GDI esteve presente, teve o desplante, o despudor de, levantando o cartão da Frelimo e em tom ameaçador, dizer que se naquela sala se encontrava alguém que não tivesse aquele cartão, essa pessoa não deveria estar ali. Mais e pior ainda, alguns históricos da Frelimo não deixam de manifestar publicamente a sua vontade de liquidar a oposição e forçam os seus camaradas a seguir-lhes caminho, com discursos a favor de partido único.
Por tudo isto, e a bem de todos nós, um dos grandes desafios que se nos coloca, e o GDI roga, apelando pela grandeza patriótica dos delegados, é o da emancipação do Estado Moçambicano, despartidarizando-o, para que ele, com independência e isenção, possa servir a todos os cidadãos e não apenas a membros do partido que esteja no poder.
Porque achamos importante a despartidarização do Estado?
Por imperativo democrático: para o jogo democrático ser competitivamente justo, os seus actores têm que ter tratamento igual, no uso dos recursos do Estado. O partido no poder usa no dia a dia instalações, viaturas, combustível, papel, pessoal e ajudas de custo do Estado para desenvolver o seu trabalho politico e, em contrapartida, os outros partidos não têm essa prerrogativa, pois não têm acesso a esses recursos.
Pela profissionalização da Administração Pública: não poderá haver bons resultados no programa de profissionalização dos funcionários públicos, preconizado pela Reforma do Sector Público, enquanto continuar a privilegiar-se o cartão de membro do partido e não a competência técnico-profissional. Os Estados mais desenvolvidos são aqueles que sabem valorizar o conhecimento que produz resultado e não o contrário. A planificação e execução do desenvolvimento nacional e toda filosofia de combate à pobreza, para produzir resultados palpáveis, vai ter que se apoiar no conhecimento técnico que, muitas vezes, não se compadece com simples critérios de confiança política, como actualmente acontece;
Pelos direitos cívicos: a extorsão da consciência e liberdade dos cidadãos funcionários públicos que são obrigados a ser membros do partido para garantir o seu emprego, representa uma violação ao no.2 do artigo 53 da Constituição. A noção e prática de que o Estado Moçambicano é da Frelimo e é para servir, apenas, seus membros e simpatizantes, é errónea e bastante perigosa porque subverte a nossa Constituição, põem em causa não só a paz, como também atenta contra a harmonia no seio da família moçambicana e a coesão nacional. Como conceber um Estado de Direito Democrático sem aceitação do direito à liberdade de pensamento? Os cidadãos não devem ser coagidos a serem membros da Frelimo só para poderem sobreviver. Este País é de todos nós!
Pelo combate contra corrupção: gestores e agentes públicos corruptos escapam impunemente da Justiça porque são “camaradas”. O cartão do partido Frelimo, que teima a manter-se “força dirigente do Estado e da sociedade”, passou a ser passaporte para a impunidade, válido sobre tudo e todos. O Partido Frelimo não pode permitir-se continuar a ser usado como alcoviteiro por gente ganguesterista que nele entra para delapidar, impunemente, os recursos do nosso Estado, os nossos recursos colectivos! Nós, GDI, advogamos um Estado acima de todos cidadãos e associações políticas, incluindo a Frelimo; um Estado que possa levantar o seu martelo e fazer justiça a todos quantos vivam neste território. E o grande desafio que se vos coloca nesta fase histórica, distintos delegados, principalmente a vós geração de Combatentes pela nossa independência hoje sob a liderança do Presidente Guebuza, é demonstrarem, ao povo e ao mundo, que sois capazes de introduzir, por iniciativa própria, mudanças reais para, finalmente, fazer o tal turnaround que vai permitir o nascimento dum verdadeiro Estado de Direito Democrático capaz de responder, com a necessária eficiência e eficácia, aos anseios do Povo Moçambicano. Há que ter a coragem de operar a mudança, pensa o GDI.
Quanto à corrupção e a teoria da captura do Estado (state capture).
A questão da elite predadora que usurpa ilicitamente a riqueza do país para benefício privado foi bastante referenciada desde o início das privatizações na década de 90, com o jornalista Carlos Cardoso, na vanguarda, a denunciar alguns camaradas. A determinada altura, o nosso Estado que tem sido, desde a independência, governado pela Frelimo que hoje realiza mais um seu congresso, dá indícios de que foi capturado por uma “máfia” que faz e desfaz sem que nada lhe aconteça. Uma máfia que está pronta a repelir todo aquele que se atreva a confrontar-lhe.
Reflectirá esta percepção a realidade? E porque então até aqui, depois de tantos crimes perpetrados contra a propriedade do Estado, ninguém ficou preso? Uma investigação do jornal Canal de Moçambique (nos.124 a 131), fez-nos saber o império económico de alguns “camaradas” e deu para, quem quis, perceber por que, na verdade, a luta contra a corrupção nunca vai passar do simples discurso; - porque uma teia de promiscuidades e cumplicidades envolvendo altas figuras e em todos sectores, incluindo o da Justiça, torna o combate impossível.
É que, se se pretender que nós, cidadãos, depois deste congresso, levemos a sério o discurso de combate à corrupção, ele deve começar a traduzir-se em acções concretas a partir do seio do próprio partido, começando por exemplo com o questionamento de casos, como o dum empresário numa província tão empobrecida como a Zambézia que doa ao partido, num ápice, 4,5 biliões de meticais, sem que o Director Provincial das Finanças proceda no sentido de certificar-se se o mesmo não está em dívida com o Fisco, antes de utilizar-se o dinheiro. Claro que não lhe ocorre tal ideia, porque é camarada e está a financiar “o nosso congresso”.
O combate anti-corrupção deve começar por imporem-se condutas aceitáveis para que um empresário não gaste biliões a comprar um artigo que o candidato/presidente põe em leilão para, a seguir, devolve-lo oferecendo a esposa ou filha do arrematante. Graça Machel, num passado recente teve a singular coragem de denunciar alguns camaradas que compram a entrada nos órgãos do partido. É pois assim que grupos com interesses privados inconfessáveis capturam um Estado que passa a fazer aquilo que lhes convém. Captura do Estado, é parte da grande corrupção, e os grupos responsáveis por tal crime público são muito perigosos para a democracia e desenvolvimento.
Outrossim, relatos que nos chegam de algumas províncias fazem-nos saber que alguns camaradas, por gula e ganância excessiva comportam-se como anti-patriotas, não permitindo que investidores, nas províncias onde eles são considerados generais, sem seu aval, possam levar a cabo projectos, sem que aqueles participem e gratuitamente, como sócios. E enquanto isso, a corrupção sem corruptos continua galopante ante o discurso de seu combate, desprovido de prática e sinceridade. Investidores que passaram por isto, dizem: “se queres investir ali, tens que falar com o general fulano, caso contrário arruma a mala e vai para outras paragens”. Como poderemos assim atrair investimentos, tão necessários para a geração de novos empregos para a juventude?
É pois nossa convicção de que para que o combate contra a corrupção no País seja materializado, ele deverá começar já de dentro das fileiras do próprio partido. É o partido Frelimo que hoje dirige e dirigiu desde a independência o Estado Moçambicano e são os seus membros que ocupam todas posições de chefia nos serviços públicos, pelo que só eles têm acesso aos seus recursos.
Embora custe ao GDI dizê-lo, em nome da verdade, tem que se dizer que todos os crimes públicos que se prendem à corrupção no país são da responsabilidade de membros do Partido Frelimo que no entanto, não são responsabilizados! Pelo que, caros compatriotas, o GDI apela, mais uma vez, para a coragem de começarem por extirpar o cancro da corrupção instalado no vosso seio, porque prejudica o desenvolvimento de Moçambique…
De contrário, as palavras dum escritor ex-ministro desvalorizando o actual discurso de combate ao “deixa-andar”, segundo as quais “discurso é discurso e prática é prática”, assumirão carácter de profecia e, então, o povo e o mundo não mais dar-vos-ão crédito e isto, em prejuízo de Moçambique, de todos nós.
O GDI faz votos que os trabalhos do IX Congresso decorram em ambiente de normalidade e que as deliberações daí resultantes vão ao encontro dos grandes objectivos nacionais de preservação da paz, do aprofundamento da democracia, da boa governação e do desenvolvimento sustentável, isto é, da felicidade do Povo Moçambicano entre o qual destacamos membros e simpatizantes do vosso Partido, sem nos esquecermos de todos outros cidadãos, inclusive os sem partido.
(Benjamin Pequenino/Presidente do GDI).
(*) Título da responsabilidade do «Canal de Moçambique».
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 18.10.2006
Carta ao Presidente da República (*)
Maputo (Canal de Moçambique) – Benjamin Pequenino presidente do «GDI - Instituto de Apoio à Governação e Desenvolvimento», entregou ontem no Gabinete do presidente da República e na sede do partido Frelimo de que é simultaneamente presidente e secretário-geral Armando Emílio Guebuza, um documento intitulado «Carta aos delegados ao IX Congresso do Partido Frelimo». Da referida carta damos hoje à estampa apenas a primeira parte. Na edição de amanhã (n.º 176) concluiremos esta publicação. Eis na integra o que o GDI escreveu:
“Carta aos delegados ao IX Congresso do Partido Frelimo”
Caros congressistas:
Quem somos nós?
Nós somos Instituto de Apoio à Governação e Desenvolvimento, abreviadamente também designado por GDI, uma associação de moçambicanos, sem fins lucrativos, licenciada pelo Governo, cujos despacho e estatutos estão publicados no BR Nr. 12, III série, de 19 de Março de 2003.
São objectivos gerais do GDI: apoiar todas acções, que concorram para a construção de uma boa governação, rumo ao desenvolvimento sustentável do país. Para o alcance destes objectivos, o GDI estruturou-se em seguintes áreas: Governação, Desenvolvimento, e Assuntos Transversais.
Esta carta enquadra-se na área da Governação e num dos objectivos específicos do GDI que visa apoiar os partidos políticos nacionais na construção de políticas públicas que propiciem a criação de um ambiente de boa governação, chave para o alcance do desenvolvimento sustentável no país.
Porque o GDI escreve ao congresso da Frelimo?
Porque é a Frelimo que governa o nosso país, Moçambique. Neste congresso, como sempre, serão tomadas decisões que, gostemos ou não, acabarão afectando as nossas vidas, independentemente de sermos ou não militantes ou simpatizantes deste partido. E porque não sendo membros, não tivemos a oportunidade de debater as suas teses, usamos esta via como alternativa para apresentar as nossas contribuições, ao mesmo tempo que apelamos aos distintos delegados ao congresso para que assumam com a grandeza patriótica que se impõe, os dois pontos que a seguir propomos e que reputamos de vital interesse nacional: o aprofundamento das reformas políticas para emancipação do nosso Estado e o combate à corrupção a partir do interior do próprio partido.
A necessidade do aprofundamento das reformas políticas:
A Constituição de 1990 permitiu que hoje, em liberdade, nós GDI aparecêssemos e vos dirigíssemos por esta via. Congratulamo-nos com este facto, sem nos esquecermos donde viemos e o que aconteceu desde 1975, para que tal direito nos fosse resgatado em 1990. E porque recordar isto? Porque hoje, infelizmente, há sinais que nos indicam que não aprendemos dos próprios erros de ontem. E isto preocupa-nos no GDI.
Com efeito, despontam sinais no sentido do regresso a esses momentos tenebrosos, de desnecessário sofrimento e de luto gratuito, causados por intolerância, gula, avareza e egocentrismo que alimentam o extremismo e o fundamentalismo político, potenciais fermentos destruidores da paz, da coesão nacional, da jovem democracia e do desenvolvimento.
A onda de violência e a exclusão de cidadãos que não pensam de acordo com o Poder agrava-se dia após dia, e relatórios de importantes parceiros do país, já denunciaram estes novos desenvolvimentos, alertando também para o perigo da situação. Mas, mesmo assim, parece que quem de direito para mandar corrigir o cenário não lhe ocorre que é sua responsabilidade repor a lei e a ordem.
Como se pode conceber a viabilidade e sustentabilidade dum Estado com parte de seus cidadãos excluídos e despojados de cidadania? Como construir um Estado de Direito Democrático sem democracia? Sem liberdade e justiça? Martin Luther King, ante a negação de direitos cívicos aos negros americanos, dissera: “a injustiça em qualquer lugar é injustiça em toda parte”. Cedo, o branco americano, percebeu que nunca poderia viver em paz enquanto outro segmento da sociedade continuasse privado de direitos. Amartya Sen, prémio Nobel de ciência económica 1998, questiona aos defensores da ditadura: “quanto tempo durará a ditadura sem provocar revolta das vítimas que destruiria os ganhos até então conseguidos?”. Eis aqui, também, um desafio que se coloca aos delegados: a necessidade de repensar o seu relacionamento com os outros que não são do seu partido.
Mais do que segregar, obstruir, inviabilizar, denegrir, coarctar, ou até aliciar consciências e organizações políticas comprando ou provocando o seu silêncio, ou pondo-as ao serviço do Poder, o que importa é respeitar a Constituição da República e a legislação avulsa quanto aos direitos à liberdade e igualdade dos moçambicanos, e assumir a utilidade das diferenças políticas no processo de construção dum clima de paz e de desenvolvimento nacional.
Compatriotas, permitam-nos lembrar-vos: Até 1990, aqui não havia liberdade de expressão e de imprensa, de associação e de reunião, e de circulação; apesar de independentes, havia 15 anos. Lembrar as guias de marcha para viajar dentro do país, os intermináveis comícios onde as populações eram obrigadas a permanecer debaixo de sol ou chuva, as forçadas aldeias comunais, os campos de concentração e reeducação, a intriga e desconfiança contra todos que não eram militantes do partido e contra todos que tinham trabalhado para o Estado Colonial, os “comprometidos”, como se fosse possível conceber um Estado sem funcionários. Os fuzilamentos de Gulamo Naby por tentar exportar camarão e não haxixe, do regente agrícola Paulo Suéue Manla e de Afonso Kotoi silenciados por terem ousado pensar diferente sobre políticas de desenvolvimento. O fuzilamento dos fundadores e primeiro vice-presidente da Frelimo, Reverendo Urias Simango e esposa, Celina Muchanga, de Paulo Gumane, Lazaro Kavandame, Julio Razão Nlia, da Joana Simeão, e outros que uma vez colocados sob cárcere por crimes que só quem mandava após a independência poderia dizer-nos, nunca mais voltaram ao convívio de suas famílias; as operações “produção”, “tira-camisa”na Beira e “terra queimada” na Zambézia; as atrocidades do SNASP que substituiu a PIDE-DGS portuguesa com métodos ainda mais brutais, como reconheceu à BBC, recentemente, um dos seus ex-ministros; a instrumentalização de crianças contra os pais e esposas contra maridos, são alguns exemplos do sofrimento a que o nosso povo ficou sujeito até 1990.
Compatriotas, foi por tudo isto e mais, que o povo moçambicano cedo se apercebeu então, que tinha, de novo, de pegar em armas e lutar pela conquista da sua liberdade. Éramos país independente, mas não estávamos livres. E como recorda Fernando Lima no jornal Savana de 22.09.2006, “Há uns anos um presidente temerário”, enquanto fuzilava as suas vítimas, “fez o mesmo convite”: “Que Venham!”. Esse presidente temerário era Samora Machel, que então proclamava: “já partimos a espinha dorsal do inimigo”. E prometia: “até fim de1980, liquidaremos o banditismo armado!”. O que aconteceu? “...viu o país praticamente reduzido a escombros”.
Samora cedo partiu. E até a assinatura dos acordos de Roma, todos vimos como o país estava!
Haverá hoje alguém na Frelimo que queira conduzir-nos de novo aqueles momentos de tristeza?
Recordamos os episódios acima porque nos parece que, hoje, alguns dos mesmos camaradas que ajudaram Samora Machel, o arquitecto da nossa independência, a implantar o sofrimento e o luto gratuitos nos moçambicanos, pretendem forçar o Presidente Guebuza a fazer regressar esse passado tenebroso. Será porque estão velhos e acham que podem queimar tudo, nada têm a perder? O GDI, apela à consciência dos delegados ao congresso para que não sejam assumidas posições que levem o Presidente de Moçambique a cometer os excessos da presidência de Samora Machel. Precisamos encontrar, nos nossos corações, a sobriedade, o equilíbrio e pragmatismo e não o fundamentalismo político, para que no meio das diferentes culturas, percepções e crenças, emirja e se cimente o sentido de pertença à grande Nação Moçambicana. A exclusão duns, sob que pretexto seja, é anti-tese a este projecto colectivo, para o qual o GDI tem estado a trabalhar.
Onde nos encontramos hoje?
A Constituição de 1990 veio galvanizar as reformas económicas que já haviam sido iniciadas com a introdução do PRE nos finais de 1986. Desde então, ao nível económico, muitas medidas de liberalização foram postas em prática, em parte, para acomodar as exigências dos doadores. Mas ao nível político, para além de ter-se permitido que outros partidos fossem legalizados e eleições multipartidárias tivessem lugar com regularidade, muito pouco se avançou. Na verdade, uma tentativa de revisão de símbolos nacionais, para reflectirem o momento político-democrático que vivemos, e depois de gastos dinheiros do Estado, resultantes de nossos impostos e de contribuições de doadores que foi abortada a última hora pela Bancada da Frelimo na Assembleia da República, confirma a resistência do Partido Frelimo ao projecto de governação democrática.
O partido Frelimo continua a recusar a emancipação do Estado, mantendo e consolidando as suas estruturas operativas em todas instituições públicas e interferindo no seu funcionamento. Dirigentes do Estado continuam a não conseguir distinguir quando é que estão em missão do partido e quando é que estão em serviço do Estado. Um secretário provincial de mobilização convidado, no ano passado, aos trabalhos do conselho coordenador dum ministério, a que um membro do GDI esteve presente, teve o desplante, o despudor de, levantando o cartão da Frelimo e em tom ameaçador, dizer que se naquela sala se encontrava alguém que não tivesse aquele cartão, essa pessoa não deveria estar ali. Mais e pior ainda, alguns históricos da Frelimo não deixam de manifestar publicamente a sua vontade de liquidar a oposição e forçam os seus camaradas a seguir-lhes caminho, com discursos a favor de partido único.
Por tudo isto, e a bem de todos nós, um dos grandes desafios que se nos coloca, e o GDI roga, apelando pela grandeza patriótica dos delegados, é o da emancipação do Estado Moçambicano, despartidarizando-o, para que ele, com independência e isenção, possa servir a todos os cidadãos e não apenas a membros do partido que esteja no poder.
Porque achamos importante a despartidarização do Estado?
Por imperativo democrático: para o jogo democrático ser competitivamente justo, os seus actores têm que ter tratamento igual, no uso dos recursos do Estado. O partido no poder usa no dia a dia instalações, viaturas, combustível, papel, pessoal e ajudas de custo do Estado para desenvolver o seu trabalho politico e, em contrapartida, os outros partidos não têm essa prerrogativa, pois não têm acesso a esses recursos.
Pela profissionalização da Administração Pública: não poderá haver bons resultados no programa de profissionalização dos funcionários públicos, preconizado pela Reforma do Sector Público, enquanto continuar a privilegiar-se o cartão de membro do partido e não a competência técnico-profissional. Os Estados mais desenvolvidos são aqueles que sabem valorizar o conhecimento que produz resultado e não o contrário. A planificação e execução do desenvolvimento nacional e toda filosofia de combate à pobreza, para produzir resultados palpáveis, vai ter que se apoiar no conhecimento técnico que, muitas vezes, não se compadece com simples critérios de confiança política, como actualmente acontece;
Pelos direitos cívicos: a extorsão da consciência e liberdade dos cidadãos funcionários públicos que são obrigados a ser membros do partido para garantir o seu emprego, representa uma violação ao no.2 do artigo 53 da Constituição. A noção e prática de que o Estado Moçambicano é da Frelimo e é para servir, apenas, seus membros e simpatizantes, é errónea e bastante perigosa porque subverte a nossa Constituição, põem em causa não só a paz, como também atenta contra a harmonia no seio da família moçambicana e a coesão nacional. Como conceber um Estado de Direito Democrático sem aceitação do direito à liberdade de pensamento? Os cidadãos não devem ser coagidos a serem membros da Frelimo só para poderem sobreviver. Este País é de todos nós!
Pelo combate contra corrupção: gestores e agentes públicos corruptos escapam impunemente da Justiça porque são “camaradas”. O cartão do partido Frelimo, que teima a manter-se “força dirigente do Estado e da sociedade”, passou a ser passaporte para a impunidade, válido sobre tudo e todos. O Partido Frelimo não pode permitir-se continuar a ser usado como alcoviteiro por gente ganguesterista que nele entra para delapidar, impunemente, os recursos do nosso Estado, os nossos recursos colectivos! Nós, GDI, advogamos um Estado acima de todos cidadãos e associações políticas, incluindo a Frelimo; um Estado que possa levantar o seu martelo e fazer justiça a todos quantos vivam neste território. E o grande desafio que se vos coloca nesta fase histórica, distintos delegados, principalmente a vós geração de Combatentes pela nossa independência hoje sob a liderança do Presidente Guebuza, é demonstrarem, ao povo e ao mundo, que sois capazes de introduzir, por iniciativa própria, mudanças reais para, finalmente, fazer o tal turnaround que vai permitir o nascimento dum verdadeiro Estado de Direito Democrático capaz de responder, com a necessária eficiência e eficácia, aos anseios do Povo Moçambicano. Há que ter a coragem de operar a mudança, pensa o GDI.
Quanto à corrupção e a teoria da captura do Estado (state capture).
A questão da elite predadora que usurpa ilicitamente a riqueza do país para benefício privado foi bastante referenciada desde o início das privatizações na década de 90, com o jornalista Carlos Cardoso, na vanguarda, a denunciar alguns camaradas. A determinada altura, o nosso Estado que tem sido, desde a independência, governado pela Frelimo que hoje realiza mais um seu congresso, dá indícios de que foi capturado por uma “máfia” que faz e desfaz sem que nada lhe aconteça. Uma máfia que está pronta a repelir todo aquele que se atreva a confrontar-lhe.
Reflectirá esta percepção a realidade? E porque então até aqui, depois de tantos crimes perpetrados contra a propriedade do Estado, ninguém ficou preso? Uma investigação do jornal Canal de Moçambique (nos.124 a 131), fez-nos saber o império económico de alguns “camaradas” e deu para, quem quis, perceber por que, na verdade, a luta contra a corrupção nunca vai passar do simples discurso; - porque uma teia de promiscuidades e cumplicidades envolvendo altas figuras e em todos sectores, incluindo o da Justiça, torna o combate impossível.
É que, se se pretender que nós, cidadãos, depois deste congresso, levemos a sério o discurso de combate à corrupção, ele deve começar a traduzir-se em acções concretas a partir do seio do próprio partido, começando por exemplo com o questionamento de casos, como o dum empresário numa província tão empobrecida como a Zambézia que doa ao partido, num ápice, 4,5 biliões de meticais, sem que o Director Provincial das Finanças proceda no sentido de certificar-se se o mesmo não está em dívida com o Fisco, antes de utilizar-se o dinheiro. Claro que não lhe ocorre tal ideia, porque é camarada e está a financiar “o nosso congresso”.
O combate anti-corrupção deve começar por imporem-se condutas aceitáveis para que um empresário não gaste biliões a comprar um artigo que o candidato/presidente põe em leilão para, a seguir, devolve-lo oferecendo a esposa ou filha do arrematante. Graça Machel, num passado recente teve a singular coragem de denunciar alguns camaradas que compram a entrada nos órgãos do partido. É pois assim que grupos com interesses privados inconfessáveis capturam um Estado que passa a fazer aquilo que lhes convém. Captura do Estado, é parte da grande corrupção, e os grupos responsáveis por tal crime público são muito perigosos para a democracia e desenvolvimento.
Outrossim, relatos que nos chegam de algumas províncias fazem-nos saber que alguns camaradas, por gula e ganância excessiva comportam-se como anti-patriotas, não permitindo que investidores, nas províncias onde eles são considerados generais, sem seu aval, possam levar a cabo projectos, sem que aqueles participem e gratuitamente, como sócios. E enquanto isso, a corrupção sem corruptos continua galopante ante o discurso de seu combate, desprovido de prática e sinceridade. Investidores que passaram por isto, dizem: “se queres investir ali, tens que falar com o general fulano, caso contrário arruma a mala e vai para outras paragens”. Como poderemos assim atrair investimentos, tão necessários para a geração de novos empregos para a juventude?
É pois nossa convicção de que para que o combate contra a corrupção no País seja materializado, ele deverá começar já de dentro das fileiras do próprio partido. É o partido Frelimo que hoje dirige e dirigiu desde a independência o Estado Moçambicano e são os seus membros que ocupam todas posições de chefia nos serviços públicos, pelo que só eles têm acesso aos seus recursos.
Embora custe ao GDI dizê-lo, em nome da verdade, tem que se dizer que todos os crimes públicos que se prendem à corrupção no país são da responsabilidade de membros do Partido Frelimo que no entanto, não são responsabilizados! Pelo que, caros compatriotas, o GDI apela, mais uma vez, para a coragem de começarem por extirpar o cancro da corrupção instalado no vosso seio, porque prejudica o desenvolvimento de Moçambique…
De contrário, as palavras dum escritor ex-ministro desvalorizando o actual discurso de combate ao “deixa-andar”, segundo as quais “discurso é discurso e prática é prática”, assumirão carácter de profecia e, então, o povo e o mundo não mais dar-vos-ão crédito e isto, em prejuízo de Moçambique, de todos nós.
O GDI faz votos que os trabalhos do IX Congresso decorram em ambiente de normalidade e que as deliberações daí resultantes vão ao encontro dos grandes objectivos nacionais de preservação da paz, do aprofundamento da democracia, da boa governação e do desenvolvimento sustentável, isto é, da felicidade do Povo Moçambicano entre o qual destacamos membros e simpatizantes do vosso Partido, sem nos esquecermos de todos outros cidadãos, inclusive os sem partido.
(Benjamin Pequenino/Presidente do GDI).
(*) Título da responsabilidade do «Canal de Moçambique».
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 18.10.2006
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