TEMA: A CONVIVÊNCIA POLÍTICA ENTRE OS HOMENS, UMA
REFLEXÃO SOBRE A PAZ EM MOÇAMBIQUE
0) INTRODUÇÃO
Quando o Excelentíssimo Sr. Director do Instituto
Superior de Gestão, Comércio e Finanças (ISGECOF), Delegação de Lichinga
convidou à Sua Excelência Reverendíssima Sr. Dom Elio Greselin, Bispo de
Lichinga, para apresentar o tema da Convivência
Política entre os homens, uma reflexão sobre a paz em Moçambique no dia 24
de Março do corrente ano em forma de uma oração de sapiência para abertura do
ano lectivo e acadêmico no ISGECOF e, o Sr. Bispo respondeu dizendo que naquela
data não estaria em Lichinga, entretanto ia enviar um sacerdote da Diocese de
Lichinga para ajudar a reflectir sobre o tema e, chamou-me dando esta proposta; a minha sensação foi logo de
responder ao Sr. Bispo, como o profeta Jeremias dizendo: «Ah! Senhor Iaweh, não sou um orador, porque sou ainda muito novo»
(Jr 1,6). Porque para mim, a oração de sapiência num Instituto Superior de
renome como este, devia ser proferida com pessoas com uma experiência acadêmica
comprovada e não um miúdo como eu! Mas também lembrei-me das palavras de Deus
dirigidas ao mesmo profeta: «Não digas:
Sou ainda muito novo porquanto irás aonde eu te enviar, e dirás o que Eu te
mandar. Não temas, porque Eu estarei contigo para te livrar» (Jr 1,7-8). E
assim fiquei animado e aceitei o desafio tendo a total esperança e confiança em
Deus que nos acompanhará ao longo desta nossa reflexão.
O
tema escolhido para esta nossa reflexão é tanto quanto interessante, desafiante
e paradoxal. Requer de todos nós uma análise acadêmica teórica, profunda e
imparcial para podermos colher frutos que possam ajudar-nos a entrar naquela
que é a nossa tarefa como Igreja e como intelectuais para darmos propostas
válidas para uma convivência política entre os homens que possa garantir a paz
entre os homens; de modo particular entre os moçambicanos.
A
nossa reflexão vai seguir o seguinte esquema:
1.
Status
Questionis do tema
2.
A
Convivência Política entre os homens
3.
Os
Caminhos para Paz em Moçambique,
4.
A
Contribuição para paz do Magistério da Igreja Católica,
5.
Situação
actual da Paz em Moçambique
6.
O
que fazer para que haja uma paz efectiva?
7.
Conclusão
Esperamos
que a partir desta análise possamos «provocar»
um debate teórico e intelectual para encontrarmos os « porquês» da convivência política e reflectirmos profundamente
sobre a paz em Moçambique, que é um bem almejado por todos nós.
I)
STATUS QUESTIONIS DO TEMA
A Paz é um bem necessário para os seres humanos. O
continente africano em geral tem vindo a sofrer muitas ameaças à paz, exemplo
disso, são as guerras fratricidas que acontecem na maioria dos países
africanos. E Moçambique é um dos países que, no passado, viveu momentos de
turbulências e de guerra e, já recentemente foram registados casos semelhantes.
Daí que, é necessário reflectir e falar de paz, fruto de uma boa convivência
política, pois é motor para uma sociedade sadia e capaz de garantir o desenvolvimento
econômico para o bem comum de todos os moçambicanos.
I)
A CONVIVÊNCIA POLÍTICA ENTRE OS HOMENS
1.
Convivência
em si
A palavra convivência prove do Latim: «Convivĕre»
que significa «viver com». A convivência é um acto ou efeito de viver em comum,
familiaridade, intimidade, viver com outrem. Portanto a convivência é o modo em
que se pode partilhar; a convivência é o relacionamento estabelecido entre as
pessoas que vivem juntas diariamente[1].
Segundo a Enciclopédia Luso – Brasileira de Cultura, “a consciência humana não se afirma em
insulariedade abstracta, se não que se actualiza pelo encontro com outrem, quer
esse encontro se realize através da relação dialética, da relação objectal
(psicanálise) ou de investimento de papéis sociais ou grupais. E em qualquer
das orientações relacionais referidas, o viver humano é sempre o humano
conviver na medida em que a aprendizagem humana implica a abertura do indivíduo
a um meio interpessoal, em relação ao qual se situa e se adapta. A humanização
do homem e a sua promoção pessoal realiza-se através de uma concreta dialética
caracterial (intrapessoal) e a conformação resultante das suas situações
conviventes interpessoais[2]”.
Assim, a Convivência é a faculdade do ser humano em
viver e compartilhar com outras pessoas diferentes dele. Ela fundamenta-se na
essência do ser humano que é a sociabilidade, isto é, a capacidade de viver em
sociedade. Em um ser humano a convivência e a sociabilidade harmonizam-se,
porque o ser humano por natureza é social. Não se pode pensar um ser humano que
viva isolado dos outros. Desde a nossa concepção, nascimento, peregrinação
sobre a terra até a nossa morte estamos em constante convivência. Na família,
na escola, na universidade, no trabalho e em qualquer ambiente em que nos
encontramos estamos em constante convivência.
E para que a convivência seja harmoniosa, a sociedade
cria normas de convivência como garante de uma convivência pacífica e sadia.
São os casos de empresa, organizações políticas, sociais, civis, os estados, os
governos etc. Por isso todos nós qualquer que seja a nossa condição social,
política, religiosa ou cultural não podemos escapar a convivência.
2.
O
que é a política?
A palavra “política” provém do grego: «poliς» que quer dizer cidade ou comunidade dos cidadãos ou
ainda cidade-estado. A partir da raiz poliς encontramos o adjectivo: politikoς, onde se insere a nossa palavra política. A poliς apareceu por volta do VIII séc. a. C. era verdadeiramente
um centro político, econômico e militar do mundo grego. Cada polis era
organizada automaticamente segundo as próprias leis e as próprias tradições.
Foram os exemplos da polis do regime político democrático a cidade de Atenas e
do regime político oligárquico a cidade de Sparta. E um dos filósofos da
antiguidade grega que se ocupou da política a partir da consideração da polis
foi Aristóteles. Para este filósofo a política significava “administração da «poliς» para o bem de todos”. A política era a determinação de um espaço público
em que todos os cidadãos participavam[3].
Se a política significa a organização da cidade e
implica a participação de todos, nos faz entender que ela envolve todas as
dimensões do agir humano. Todos cidadãos de um determinado estado, sociedade ou
nação são convidados a participarem na gestão da coisa pública. Daí que a
política abrange todos os aspectos do viver humano: a ética, a moral, a
economia, o militar, etc.
Ao longo de toda a história da humanidade, sobretudo
na idade moderna e contemporânea, o interesse pelo estudo da política ia
acentuando-se cada vez mais. Foram aperfeiçoados os mecanismos para uma análise
exaustiva da política. Entre muitos teóricos que estudaram a política
encontramos o exemplo de Max Weber que dizia que “a política não era se não a aspiração ao poder e monopólio legítimo do
uso da força”. David Easton afirmava que “a política era a locação de
valores imperativos, isto é, de decisões no âmbito de uma comunidade”. Para
Giovanni Sartori, “a política era a
esfera das decisões colectivas e soberanas de um estado ou nação”[4].
Para além de todas estas nuances que rapidamente aqui
apresentamos, de um modo geral podemos dizer que a política diz respeito a «todos» os sujeitos que fazem parte de
uma sociedade ou de uma nação e, não exclusivamente quem faz política activa. A
política é ocupar-se de qualquer modo, como vem gerida a coisa pública (res
pubblica), isto é, o estado ou as suas subestruturas territoriais. Numa palavra
a política é ocupar-se do bem comum.
3.
O
homem è um “ser político”
Como já referenciamos acima, que a sociabilidade
implica a convivência, assim também a política é fruto de uma convivência entre
os seres humanos, porque, por natureza, o homem é um ser social e então pode-se
perceber como a política é muito importante para as pessoas. A relação
interpessoal cria condições de pontos de vistas diferentes sobre a visão do
mundo e da realidade.
É desta forma em que a partir dos diferentes pontos de
vistas entre os humanos, surgem concepções diversificadas sobre o estado e a
sociedade. Daí que, o homem por
natureza é um ser político e social, (como afirmaram muitos filósofos). Ele
sempre está envolvido em alguma actividade, relacionada às outras pessoas. Por
essa razão, jamais pode ser comparado a uma ilha. Com os seus direitos e
deveres inalienáveis tem uma vida de alegrias ou dissabores, realizações ou
frustrações, que são frutos do reflexo do seu caráter, pensamentos e atitudes.
Quando ele toma uma
decisão de lidar no âmbito político partidário, obviamente a sua vida
particular vem à tona, pois através dos meios de comunicações sociais, ela
passa a ser propalada aos quatro ventos, independentemente do cargo que passa a
exercer. Também, à sua revelia, se por ventura pratica actos desabonadores, a
imprensa jamais perdoa e o vai divulgar.
Portanto, quando uma
pessoa opta por um cargo político ou uma actividade política assemelha-se a um
escritor que consegue publicar o seu primeiro livro: as críticas construtivas
ou não logo aparecem, automaticamente. Então é sempre bom dominar as irritações
porque elas são os principais ossos do ofício. Não adianta se esquivar ou muito
menos, querer agradar a todos, porque será uma tentativa inútil. A pessoa pode
ser coerente como for, mas esse feito jamais será realizado por nenhum ser
humano.
4. Convivência Política
entre os homens, o caso de Moçambique
Nos primeiros três
pontos reflectimos sobre a convivência em si, o que é a política e o homem como
um ser naturalmente político. No primeiro ponto vimos que tanto o dicionário da
língua portuguesa como a enciclopédia luso-brasileira de cultura, a convivência
é esta capacidade do homem viver em comum. A pessoa humana, não sendo uma ilha
e necessitando das outras pessoas para a sua sobrevivência, não pode e nem deve
viver sozinha. De qualquer forma a pessoa humana há-de precisar das outras
pessoas para a sua sobrevivência. As famílias, as escolas, os amigos, as
universidades, os partidos políticos as comunidades religiosas, as tribos, os
estados, as nações etc. são instituições da sociedade que garantem a
convivência. Daí que num estado de direito ninguém pode pretender viver
sozinho. A sociedade estabelece normas de convivências que devem ser cumpridas
por todos. Quando começa haver uma pessoa ou um grupo de pessoas que devem
cumprir as normas estabelecidas e outros não, mesmo que seja numa família ou em
qualquer grupo, a convivência é posta em causa e assim começam os conflitos. Em
África em geral, e no nosso país em particular, temos conflitos e guerras de
várias ordens porque muitas vezes as normas de convivência não estão a ser
cumpridas cabalmente.
No segundo ponto
reflectimos sobre a política em si como a arte de administrar o bem comum. A
partir da consideração da poliς (cidade-estado)
da antiguidade grega, chegamos analisar que esta palavra, embora tenha sofrida
uma grande evolução ao longo da história, continua a ter aquele valor original
de organização da cidade ou do estado. Portanto, a política é uma forma de
organização de um estado ou de uma nação. A ser assim, ela envolve a todos os
membros desse estado ou nação. Numa sociedade democrática,ninguém pode ser excluído
da política. Ela não é monopólio de um grupo de pessoas; diz respeito a todos!
Quando num país como o nosso, criam-se condições de exclusão política,
automaticamente estamos a privar o direito que os cidadãos têm de contribuir
para o bem comum e a organização da coisa pública. Neste sentido Sua Santidade
o Papa Leão XIII, de feliz memória, na sua Carta Encíclica «Rerum Novarum» (das coisas novas, sobre
a situação dos operários) de 1891, falando da política do bem comum afirma: «O que se pede aos governantes é um
contributo de ordem geral que consiste em toda orientação das leis e das
instituições, de modo que da própria organização e do governo da sociedade
dimane espontaneamente e sem esforço a prosperidade, tanto da comunidade como
dos indivíduos» RN 23.§2.
No terceiro ponto estudando sobre o homem como um ser
político, vimos que a diferença entre as pessoas, fazia com que cada indivíduo
constituinte da sociedade, tivesse o seu ponto de vista. Isto condicionava as
aspirações políticas diferenciadas entre os homens. A partir da diferença dos
pontos de vista entre os homens, fazia com que os homens elaborassem propostas
concretas como pensavam que fosse gerida a coisa pública e isso deu origem a
constituição ou formação dos partidos políticos com orientações diferentes no
concernente à gestão do Estado ou da nação.
E a convivência política entre os partidos de um
estado ou de uma nação, é um dado adquirido que deve ser defendido por todos.
Se uma sociedade democrática e de direito, como é o nosso país, falta garantia
da convivência política e do exercício político livre onde cada partido pode
dar as suas propostas de governação, automaticamente pode criar condições de
conflitos que podem provocar a guerra. Todos nós estamos conscientes que
violência gera violência.
II)
OS CAMINHOS PARA A PAZ EM MOÇAMBIQUE
Moçambique é um país
que passou por muitas provações, na sua história. A primeira grande prova foram
os 500 anos de colonização portuguesa, onde o povo moçambicano passou muita
humilhação, própria de um povo subjugado por uma potência colonial. A segunda
provação foi a luta de libertação colonial. Foram 10 anos de luta contra o jugo
colonial, no qual muitos filhos deste país, sofreram e deram a vida para a sua
libertação política. A terceira grande prova foi a guerra civil dos 16 anos,
nos quais , os irmãos em desavença puseram-se em guerra a procura de um espaço
onde poder manifestar os seus pontos de vista para a gestão desta “Pérola do
Índico”.
A uma certa altura, com
a ajuda e a contribuição de todos os moçambicanos, chegamos a conclusão que a
guerra entre nós, irmãos da mesma nação, o conflito armado, “não nos levaria a
um lado nenhum. Encontramos um lugar neutro (Roma)”, lá sentamos reflectimos
sobre nós mesmos e em 1992, com o diálogo, chegamos à paz. Só que esta paz, que
está a sair da adolescência para juventude (21 anos de idade), precisa de ser
acarinhada e consolidada.
A conjutura política
das nações, a nível do mundo, contribuiu para a paz. Basta pensar na
desintegração da União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS), que
contribuiu significativamente no repensar da guerra em Moçambique. A nova
Constituição da República de Moçambique a de 1990, que abriu o nosso país ao
multipartidarismo. O contributo das instituições religiosas, em particular da
Igreja Católica em Moçambique. Os esforços pessoais dos Senhores Joaquim
Chissano, na altura presidente da República de Moçambique e Afonso Dhlakama,
presidente da Renamo respectivamente; a visita de Sua Santidade o Papa João
Paulo II ao nosso país em Setembro de 1988, foram momentos ímpares para traçar
os caminhos de paz em Moçambique.
Com a paz, Moçambique,
teve no fundo do túnel uma pequena luz de desenvolvimento. E a descoberta de
muitos recurso naturais e minerais em quase todo o país: a descoberta em grande
quantidade do carvão de Moatize, ( e agora fala-se do carvão do Niassa em
Maniamba); as areias pesadas de Moma; o petróleo na bacia do Rovuma em Cabo
Delgado; o gás natural de Panda em Inhambane e outros lugares, são alguns dos
recursos que Moçambique oferece e que precisam ser geridos com muita sabedoria
e prudência. Se não corremos o risco de concordarmos com aquele que dizem que “a
descoberta dos recursos naturais em Moçambique é uma maldição”. Porque mal
geridos e, sobretudo, quando houver disparidade na sua distribuição nasce uma
diferença social muito acentuada, e no futuro poderemos ter conflitos piores do
que os que tivemos no passado.
A respeito disso, o
Sumo Pontífice o Papa Paulo VI, na sua Carta Encíclica «Populorum progressio» (sobre o Desenvolvimento dos Povos) de 1967
afirma: «As excessivas disparidades
econômicas, sociais e culturais, provocam, entre os povos, tensões e
discórdias, e põem em perigo a paz (...). A condição das populações, em fase de
desenvolvimento, deve ser objecto da nossa consideração, ou melhor, a nossa
caridade para com todos os pobres do mundo (...) deve tornar-se mais atenta,
mais activa e mais generosa. Combater a miséria e lutar contra as injustiças é
promover não só o bem-estar, mas também o progresso humano e espiritual de
todos e, portanto, o bem comum da humanidade. A paz não se reduz a uma ausência
de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário das forças. Constrói-se, dia a
dia, na busca de uma ordem querida por Deus, que traz consigo uma justiça mais
perfeita entre os homens» (PP 76).
III)
CONTRIBUIÇÃO DA IGREJA
CATÓLICA PARA A PAZ
1.
A Voz do Magistério da Igreja
A visita de Sua
Santidade, o Papa João Paulo II a Moçambique em Setembro de 1988, deu um grande
impulso na contribuição do Magistério da Igreja católica para a paz e a
reconciliação no nosso país. Já no discurso que o Santo padre fez ,logo à sua
chegada no aeroporto de Maputo no dia 16 de Setembro de 1988, com coragem, confiança e esperança apelou para os protagonistas da
guerra, ao povo moçambicano, e à comunidade internacional e a todos os homens
de boa vontade, para que trabalhassem de modo que em Moçambique se pusesse termo
à guerra e se construísse a Paz na justiça e no amor. Dizia o Sumo Pontífice: «… Muitos milhares de pessoas são forçados a
deslocar-se à procura de segurança e de meios para sobreviver; outras
refugiam-se nos países vizinhos. Face a este lamentável condicionalismo, quando
se apresentou a ocasião, não tenho deixado de repetir: ‘Não à violência e sim a
paz!’ E contaram sempre com o meu apoio as diligências dos meus irmãos Bispos
moçambicanos em favor da Paz»[5].
Pensamos que o apelo veemente do santo Padre à paz em
Moçambique, foi fruto da convicção pessoal e de pastor universal da Igreja, que
a pessoa humana só poderia desenvolver-se cabalmente se estivesse em paz. Já no
ano anterior, em Dezembro de 1987, na sua Carta Encíclica «Sollicitudo Rei Socialis» (sobre a solicitude dos bens sociais),
tinha afirmado que: «A meta da paz, tão
desejada por todos, será certamente alcançada com a realização da justiça
social e internacional; mas contar-se-á também com a prática das virtudes que
favorecem a convivência e nos ensinam a viver unidos, a fim de, unidos,
construamos, dando e recebendo, uma sociedade nova e um mundo melhor»( SRS 39§10.)
A
partir desta Exortação do Papa,
os Bispo Católicos de Moçambique, que desde os primeiros momentos da
independência já tinham começado a falar da necessidade da construção de uma
nova sociedade, fundada na reconciliação e na paz, sentiram-se moralmente
encorajados pelo Santo Padre e, com homilias, cartas pastorais, conferências,
continuaram a convidar os moçambicanos a uma reconciliação e paz efectivas.
2.
Contribuição
do Episcopado Moçambicano
Os pastores da Igreja Católica em Moçambique,
impelidos pelo “múnus” pastoral e zelo apostólico, contra todos os riscos,
foram uma das grandes vozes proféticas no apelo a uma cultura de reconciliação,
de justiça e de paz entre os moçambicanos. Só para ilustrar apresentamos
algumas cartas pastorais dos prelados moçambicanos acerca da reconciliação, da
justiça e da paz nesta “Pérola do Indico”:
● Viver
a Fé no Moçambique de Hoje, Carta Pastoral da CEM -1976
· Caminhos de Paz, Nota Pastoral da CEM – 1979
· Um Apelo à Paz, Exortação Pastoral da CEM – 1983
· Conversão e Reconciliação, Exortação Pastoral da CEM – 1983
· A urgência da Paz, Exortação
Pastoral da CEM – 1984
· Novo Apelo à Paz,
Nota Pastoral da CEM – 1984
· A Paz é Possível, Carta
Pastoral da CEM – 1985
· Cessem a guerra, construamos a Paz, Exortação Pastoral da CEM – 1986
· A Paz que o Povo Quer, Carta Pastoral da CEM – 1987
· Justiça e Paz na África Austral, Carta Pastoral da IMBISA – 1988
· Esperança da Paz, Carta Pastoral da CEM – 1989
· Urgir o Diálogo da Paz, Carta Pastoral da CEM – 1990
· A Paz exige a Reconciliação, Carta Pastoral da
CEM – 1990
· Momento Novo, Carta Pastoral da CEM – 1991
· Quando Virá a Paz?,
Carta Pastoral da CEM – 1991
· Paz,
Nota Pastoral da CEM – 1992
· Construamos a Paz na Justiça e no Amor, Nota
Pastoral da CEM – 1992
· Consolidar a Paz, Carta Pastoral da CEM – 1994
· Solidários para um Moçambique Melhor, Carta Pastoral da CEM – 1994
· Promover a Cultura da Vida e da Paz, Carta Pastoral da CEM – 1996
· Votar é contribuir para o Bem Comum, Exortação
Pastoral da CEM – 1997
· Votar é Servir a Pátria, Carta Pastoral da CEM – 1999
· Governar é Servir a Pátria,
Carta Pastoral da CEM – 2000
· Justiça e Transparência nas
Eleições, Carta Pastoral
da CEM – 2003
· Comprometidos com a Justiça, a Reconciliação e a Paz,
Carta Pastoral da CEM – 2008
· Exigência de Eleições livres, justas e transparentes, Carta Pastoral da CEM – 2008
Se
todos nos recordamos, Moçambique ascendeu a sua independência nacional no dia
25 de Junho de 1975. Assim, o Povo moçambicano, conquistou a sua soberania como
uma nação independente.
A
euforia da Independência fez querer aos moçambicanos um país melhor onde cada
moçambicano poderia ter os mesmos direitos e as mesmas oportunidades. Começa-se
a construir um Moçambique novo, organizam-se as Instituições do Estado. A
Igreja começa a tomar um rosto e uma identidade própria. Mas ao mesmo tempo, em
Fevereiro de 1977, com a realização do seu Terceiro Congresso, a Frelimo mudou
o rumo de Direcção Política e abraçou o marxismo-leninismo como orientação
política, económica e social de Moçambique. Isso influirá profundamente a todo
o processo sociopolítico, económico e religioso do país.
Esta
nova situação vai fazer com que os Bispos católicos de Moçambique, depois de um
ano de profunda reflexão tracem um programa pastoral para responder a este
desafio. A Carta Pastoral Viver a Fé no
Moçambique de Hoje ( 1976 ), é de referência obrigatória para uma profunda compreensão
da linha pastoral da Conferência Episcopal de Moçambique.
Nela
encontramos reflexões sobre alguns factos: Independência Nacional, Liberdade
Religiosa e Laicidade do Estado, Nacionalizações, Saída dos Missionários,
Igreja Local, Missão da Igreja, Formação e Animação das Comunidades, a Família
Cristã, Comunidades e Ministérios, a Comunhão Fraterna e a Eucaristia, etc.
Esta
carta, pensamos que foi a base ou o alicerce da Primeira Assembleia Nacional de
Pastoral, realizada de 08 – 13 de Setembro de 1977 na Beira. Também esta carta
foi a base de todo o pensamento e de todo o ensinamento do episcopado
moçambicano sobre a Reconciliação, a Justiça e a Paz em Moçambique.
A
introdução do marxismo-leninismo em Moçambique, foi uma grande decepção para os
moçambicanos, provocou a fúria de alguns e criou a guerra fratricida que durou
mais de 16 anos.
Neste
contexto sociopolítico de Moçambique, a Igreja na sua hierarquia, foi levada a
concretizar o programa pastoral apresentando documentos, cartas pastorais e
exortações, pastorais para persuadir, reconciliar os irmãos desavidos, propondo
o caminho de diálogo, de reconciliação, de Justiça e de Paz.
Aqui na Nota Pastoral da CEM,” Caminho de Paz 1979”, depois de
apresentar a situação de violência no mundo, dá um informe geral sobre as
causas da violência no mundo, suas consequências na sociedade humana e dá as
orientações pastorais. Dizem os pastores citando o Papa Paulo VI «a Igreja não pode aceitar como princípio a
violência, sobretudo a força das armas de que se perde o domínio, uma vez
desencadeada; não pode aceitar a morte de pessoas sem descriminação como
caminho para a libertação. Ela sabe, com efeito, que a violência provoca sempre
violência e gera irresistivelmente novas formas de opressão e de escravização»[6]
E
um outro documento de destaque é a Carta Pastoral: “A Paz é Possível,” onde os bispos afirmam: «O Povo sofre e o seu sofrimento tornou-se clamor. E ninguém que tenha
ouvidos atentos à Justiça, ao amor, à dignidade e aos direitos de cada ser
humano, poderá deixar de ouvir e de entender este grande clamor dum povo
torturado pela guerra e por tantas outras violências imerecidas e injustas… A
guerra em Moçambique é um facto e a sua violência é, dia a dia, mais cruel e
desumana. Queremos denunciar mais uma vez, esta guerra fratricida e assassina…»[7]
Já o período que vai de
1986 a 1994 traz outros desafios destacamos as três características fundamentais:
“A intensificação da guerra” (1986 –
1991), o “Acordo geral da Paz e os
primeiros momentos da Paz” (1992
– 1996) e as primeiras eleições
realizadas em 1994.
A
nível político: mudança de mentalidade do governo moçambicano e
consequentemente Nova Constituição da República (1990) que
será o veículo mais importante da nova realidade sociopolítico de Moçambique e que
influirá grandemente na Reconciliação dos Moçambicanos.
Entre
os anos 1986 – 1991 intensifica-se a guerra em todo o país. Há mortes, destruição
do tecido humano, destruição de infraestruturas (Pontes, casas etc.). Isto
levou o Episcopado moçambicano a fazer apelos veemente para acabar com a guerra e o conflito armado entre irmãos.
Em Setembro de 1988 a
Visita do Papa João Paulo II a Moçambique, como já dissemos acima, impulsionou
significativamente o apelo ao fim de guerra em Moçambique.
A
nova Constituição da República (1990) os Acordos Gerais da Paz (1992) trouxeram
uma nova era a Moçambique de tal forma que já a preocupação do Episcopado
moçambicano é a reconciliação entre irmãos saídos da guerra e a consolidação da
Paz em Moçambique.
Este
período, com as três características fundamentais já mencionadas, também vai
fazer com que os Bispos respondam neste período com três formas diferentes: Entre
os anos (1986 – 1991) temos a grande mensagem de apelo veemente para que cessem
a guerra que dilacera os moçambicanos para construir a paz verdadeira. E, por
causa do alastramento da guerra, que originou a destruição a todos níveis, já
em 1986 os prelados diziam: «A violência
e a guerra alastraram e agravaram-se assustadoramente em todas as províncias
com frutos amargos de angústia e de morte. A insegurança, o medo, a carência de
géneros de primeira necessidade, a limitação em toda a ordem, atingem toda a
população. Ouvem-se continuamente notícias alarmantes de incêndios, pilhagens de aldeias, deslocações forçadas de povoações
inteiras, raptos, vinganças premeditadas, espetáculos de crueldade, execuções
bárbaras na presença de jovens e crianças, massacres, destruições de casas e
bens de populações indefesas e dos bens da Nação…»[8]
Depois desta constatação do
alastramento da guerra e da violência, os senhores bispos para além de
exortarem os financiadores e apoiantes desta guerra fratricida, fazem apelo
particularmente aos protagonistas da guerra e da violência dizendo: «Apelamos, muito particularmente, aos nossos
governantes para que continuem a envidar todos os esforços no sentido de pôr
termo, quanto antes, a esta guerra, e de alcançarmos a paz que o nosso povo
tanto aspira e deseja (...)Continuamos a pensar que a paz justa e duradoura não
virá pela força das armas, mas através dos meios pacíficos, como são os meios
políticos, o diálogo e a reconciliação (...) Aos responsáveis da guerrilha
queremos dizer, desde já, que os fins não justificam os meios. Por isso
apelamos para que respeitem as populações inocentes e indefesas, a sua vida e
bens, abandonem os meios violentos e enveredem corajosamente pelo caminho do
diálogo e da reconciliação»[9].
Na
Carta Pastoral: “A Paz que o Povo quer
“(1987) , depois de os bispos terem falado do Partido Frelimo, do Governo da
nação e da Renamo, como primeiros responsáveis do conflito e com o poder de
decisão sobre ele, fazem um apelo veemente e directo com estas palavras: «Sendo desejo profundo do povo que a guerra
termine quanto antes, apelamos ao nosso GOVERNO e aos chefes da RENAMO para que
ponham em acção os mecanismos próprios para este efeito. Criem um clima
favorável à reconciliação nacional, como seria o cessar-fogo e o fim da guerra
de palavras»[10].
Uma das Cartas
Pastorais que consideramos de leitura obrigatória é: “Momento Novo”, (1991). Esta Carta faz um resumo de toda a história
de Moçambique desde a independência até ao ano 1990, ano de viragem
sociopolítico, com a nova Constituição (1990) que introduziu o Estado de
Direito Democrático, alicerçado na separação e interdependência dos poderes
(legislativo, executivo e judicial) e no pluralismo político. A nova Constituição,
como já fizemos referência, contribuiu significativamente no processo de
pacificação em Moçambique.
Na Carta Pastoral: “Quando Virá a Paz?” (1991) depois de os
Bispos terem dito que a Paz não se impõe com as forças das armas pois
alcança-se com a força da razão, do diálogo, da confiança mútua e da
reconciliação, pois que a reconciliação é a garantia da Paz, afirmam: « Ora, o povo já está cansado de sofrer
inútil e injustamente; já está farto de palavras e promessas que nunca se
cumprem e parece que já não acredita em ninguém para nada (…) Nós, Bispos
Católicos, clamamos com o povo que sofre e morre; apelamos para que cessem a
violência, o terror, a morte, os raptos, a destruição e toda a loucura feroz da
guerra…»[11].
Os Acordos
Gerais de Paz em Roma a 4 de Outubro de 1992 ,trouxeram muitas alegrias para o
povo moçambicano. O povo flagelado pela guerra injusta viveu momentos novos;
porém, não deixemos de dizer que estes Acordos Gerais de Paz também trouxeram
desafios aos quais os Bispos foram chamados a dar reposta de esperança e de
confiança.
Já antes dos
Acordos Gerais de Paz, em Agosto de 1992, na Nota Pastoral, “a Paz”, os bispos diziam: «Caríssimos irmãos: Moçambique e o Mundo
inteiro tiveram o seu olhar dirigido para Roma, onde do dia 4 – 7 de Agosto do
ano em curso, se iria realizar o suspirado encontro entre o Presidente da
República de Moçambique, Joaquim Alberto Chissano e o Presidente da Renamo,
Afonso Dlakhama. Era um olhar trepidante mas cheio de confiança e de esperança
por ser a concretização ou materialização daquilo que os Bispos Católicos de
Moçambique e o nosso povo sempre preconizaram: que a guerra fratricida no nosso
País só acabaria quando os irmãos beligerantes, sobretudo as cúpulas, tivessem
a coragem de frente a frente se sentarem em diálogo para encontrar caminhos
conducentes à paz com a maior urgência possível»[12]
É uma indicação clara da convicção dos Bispos de
Moçambique da importância e necessidade do diálogo entre os protagonistas da
guerra para encontrarem caminhos que levem à uma paz verdadeira e duradoura.
Após a guerra
civil, e os acordos gerais de Paz, a Igreja, através das suas diferentes Comissões
sociais, sobretudo através da Comissão Episcopal de Justiça e Paz, trabalhou
com toda a sociedade moçambicana para criar e desenvolver a consciência sobre a
importância e a necessidade da reconciliação e perdão aos nacionais e a todos
os níveis (social, político e religioso). Neste âmbito criou, formou e
capacitou os então chamados «Integradores Sociais» que foram
verdadeiros «Animadores da Reconciliação». O trabalho dos integradores
sociais e de todos outros grupos nacionais que se dedicaram à disseminação da
mensagem do perdão e reconciliação nacional, tinha como objectivo principal
que, após a guerra, não houvesse «ajuste
de contas» e que todos os moçambicanos se preocupassem muito mais com o
futuro. Este trabalho culminou com o estabelecimento efectivo de um clima de
busca incessante de paz (Cultura de Paz)
em todas as camadas sociais do país. Com efeito, após a guerra civil, hoje no
nosso país , há uma tendência de retorno à guerra, lançando por terra todo o
esforço dos integradores sociais.
Tendo em conta a alguns desafios trazidos pelos Acordos Gerais da Paz: a
Carta Pastoral Consolidar a Paz, faz uma análise profunda da
situação, depois dos Acordos Gerais de Paz e afirma: «O Processo de Reconciliação Nacional não se limita a sarar as chagas
do ódio e da violência e a reconstruir parte das estruturas dos serviços
sociais. Lança-se sobretudo à recuperação das próprias raízes culturais e da
própria moçambicanidade do povo, por longos anos recalcadas e negadas como
obscurantismo e reacionárias»[13].
IV)
SITUAÇÃO ACTUAL DE
PAZ EM MOÇAMBIQUE
Ao nosso ver, a situação actual é bastante sombria; em
parte é fruto desta caminhada dos últimos 20 anos de paz com todos os seus
desafios que rapidamente acabamos de apresentar. A situação político-militar
que vivemos atualmente, coloca-nos em uma incerteza tremenda. Muitos dos nossos
concidadão estão a morrer. E nós não podemos nem devemos ficar calados. Devemos
gritar com toda a força NÃO A GUERRA. Como disse o Papa Paulo VI, na Carta
encíclica que acima citamos Populorum
Progressio,: «a violência gera
violência». Os Bispos Católicos de Moçambique, vendo o rumo dos
acontecimentos já nos anos 2006-2009 tinham previsto um futuro incerto. Pois
que este período foi caracterizado fundamentalmente pelos conflitos políticos,
motivados pela sensação de voltar para o monopartidarismo que apoia a tendência
acentuada da partidarização do Estado.
Nesses anos
havia indicações que as Instituições do Estado (educação, saúde, defesa e
segurança etc.) estavam ao serviço do Partido Frelimo. Esta constatação geral
fez com que os Bispos Católicos de Moçambique escrevessem duas Cartas Pastorais
para denunciarem esta atitude: Comprometidos
com a Justiça Reconciliação e Paz, Carta Pastoral (2008) e Exigência de Eleições Livres, Justas e Transparentes, Carta
Pastoral (2008) em vista às terceiras eleições autárquicas de 2008.
A Igreja como mãe e
mestra, depois de analisar este fenómeno do saudosismo e regresso ao
monopartidarismo, na carta pastoral, Comprometidos
com a Justiça, Reconciliação e Paz (2008), depois de apresentar e reflectir
sobre as luzes e as sombras desta nova situação com todas as suas consequências
nefastas, chamava atenção a todos os moçambicanos à tolerância política, ao
diálogo, à reconciliação, à justiça e à paz. Afirmavam os pastores: «No que se refere a vida pública do país
notamos com preocupação a partidarização do Estado, das instituições públicas,
de pessoas e do emprego pelo partido no poder. Preocupa-nos igualmente a coação
de cidadãos a pertencer ao partido. Não é menos preocupante a intolerância da
existência de outros partidos nalgumas zonas do país. Tudo isto constitui uma
violação dos direitos humanos e lesa a democracia e a paz…»[14].
No tocante a Carta Pastoral: Exigência de Eleições Livres, Justas e Transparentes (2008), os
pastores da Igreja Católica em Moçambique, faziam uma avaliação rápida de todos
os processos eleitorais passados. Essas eleições deixaram marcas profundas no
processo democrático de Moçambique. Para os pastores, as luzes desses processos
eram exemplos a seguir e as sombras eram lições a aprender para que o processo
eleitoral não fosse manchado pela injustiça, falta de transparência e
liberdade.
Diziam os
Bispos: «Tendo presente os elos
eleitorais que se avizinham, exortamos aos políticos que, nas suas propagandas
e manifestos eleitorais, apresentem alternativas credíveis e realizáveis. Nossa
exortação é que nunca se candidate na única perspectiva de manter o actual
estado de coisas ou, pior ainda, de consolidar a busca do predomínio do bem
individual ou de grupo em detrimento do bem comum»[15].
1.
Moçambique:
Paz ameaçada
Tendo
consciência que a paz em Moçambique está ameaçada, nós todos como actores e
protagonistas desta frágil paz, temos que trabalhar a todos níveis para que os
acordos de paz realizados no dia 4 de Outubro de 1992 sejam vivos nos nossos
corações.
São sinais de
ameaça à paz em Moçambique: o regresso paulatino ao monopartidarismo, a falta
de oportunidades iguais entre os moçambicanos, as assimetrias regionais, a
exclusão social, a falta de diálogo sincero, a intolerância política, falta de
uma reconciliação efectiva, a má distribuição dos rendimentos económicos, etc.
Estes e outros males provocam a instabilidade político e social do nosso país e
põe em causa a vida de muitos moçambicanos irmãos nossos.
As
reevindicações da Renamo ao pacote eleitoral, com os consequentes ataques em
Moçambique com a incidência na zona centro do País concretamente em Muxungue e
Gorongosa são resultados destes sinais que acabamos de mencionar.
Não é sem
razão que os pastores da Igreja católica diziam: «Sentimos, com efeito, que a Paz e a Reconciliação estão cada vez mais
ameaçadas precisamente porque perderam aquele sabor original, aquele entusiasmo
que então vivia, tendo-se transformado num jogo de palavras ou numa ameaça, a
pesar continuamente sobre as nossas cabeças: ameaça do retorno a guerra e da
incapacidade quer da Frelimo, quer da Renamo em se reconciliarem efectivamente…»[16].
V)
O QUE FAZER PARA HAVER UMA PAZ EFECTIVA EM MOÇAMBIQUE
1.
Os
meios indispensáveis de paz
Desde criança ouvimos dizer que o melhor médico não é
aquele que cura uma enfermidade, mas sim aquele que consegue diagonosticá-la,
para depois curá-la. Todos nós como actores da reconciliação, da justiça e da
paz, temos que ter a coragem de dizermos «mea
culpa» assumirmos as nossas responsabilidades e, com sinceridade,
encontrarmos caminhos de uma reconciliação e de uma paz efectivas e duradouras.
Não adiantam discursos vazios para fazermos das contas que estamos a trabalhar
pela reconciliação e pela paz. Temos que dizer: irmãos vamos sentar vermos as
nossas diferenças, deixarmos de lado o que nos divide e valorizarmos o que nos
une. Para pormos fim aos conflitos e à guerra.
Dizia o Papa
Francisco no Angelus do dia 1 de Setembro de 2013: «Mesmo hoje, caros irmão e irmãs, gostaria de fazer-me interprete do
grito que vem de toda parte da terra, de todos os povos, do coração de cada um
de nós, da única e grande família que é a humanidade, com angústia crescente: é
o grito de paz! É o grito que diz com força: queremos um mundo de paz, queremos
ser homens e mulheres de paz, queremos que nesta nossa sociedade, dilacerada de
divisões e de conflitos, surja a paz; nunca mais a guerra! A paz é um dom mais
precioso que deve ser promovido e tutelado...»[17].
Este grito do
Papa Francisco deve ser o grito de todos os moçambicanos. E para tal temos
alguns meios que possam nos ajudar a ter uma paz efectiva e duradoura:
A Convivência
política entre os moçambicanos passa necessariamente pelo reconhecimento de
direitos e deveres iguais. A justiça social deve imperar nos nossos corações
Todos moçambicanos devem sentir-se parte deste país. Fala-se muito da
tolerância política. Embora este termo não seja adequado, porque tolera-se um
que faz algo não muito bom. O que nos parece que a política é uma coisa boa é
uma forma de gestão do bem comum e faz parte da natureza humana, pois que
naturalmente o homem é um ser político. A ser assim, mais que tolerância devia
ser o respeito político. As opiniões dos moçambicanos, desde que não lesem a
constituição da República e outras leis, devem ser respeitadas. Porque todos
temos direitos e deveres iguais.
O diálogo
contínuo entre os moçambicanos deve ser cada vez mais sincero e efectivo. Os
mesmos ideais que fizeram com que os moçambicanos sentassem e assinassem os
acordos gerais de paz em Roma, devem continuar vivos nos corações dos
moçambicanos, a começar pelos governantes, os partidos políticos as
instituições religiosas a sociedade civil e todo o povo moçambicano.
O Estado deve
estar atento para ver e descobrir os anseios dos moçambicanos: a atenção do
Estado deve incidir muito na salvaguarda do bem comum, na justa distribuição
dos rendimentos económicos, na reconciliação efectiva; deve paulatinamente
trabalhar para minimizar as assimetrias regionais, a exclusão social. O Estado
deve trabalhar para que os moçambicanos, sobretudo os jovens tenham oportunidades
iguais, independentemente da sua cor partidária.
O Estado deve
garantir que todo e qualquer processo eleitoral seja livre, justo e
transparente. Porque quando há sempre desconfianças nos processos eleitorais
como estamos a assistir neste últimos dias, significa que alguma coisas está a
falhar. Esperamos que os consensos que foram alcançados sobre o pacote
eleitoral produzam efeitos desejados por todos os actores da política nacional.
A democratização do país, a reconciliação e a consolidação da paz em
Moçambique passam necessariamente pelas eleições livres, justas e
transparentes. A este respeito o episcopado moçambicano afirma: «As Eleições devem ser livres e justas;
devem, além disso construir um momento privilegiado para o aprofundamento da
reconciliação nacional e para o empenhamento conjunto da reconstrução do país.
As eleições devem construir um momento de celebração das liberdades essenciais
de cada cidadão – liberdades consignadas na Constituição e no direito natural -
da reconciliação e do empenhamento solidário na reconstrução nacional»[18].
VI)
CONCLUSÃO
Na introdução à nossa reflexão dizíamos que o tema escolhido para esta análise era tanto quanto
interessante, desafiante e paradoxal. Requeria de todos nós um estudo acadêmico
teórico, profundo e imparcial para podermos colher frutos que possam ajudar-nos
a entrar naquela que é a nossa tarefa como Igreja e como intelectuais para
darmos propostas válidas para uma convivência política entre os homens que
possa garantir a paz entre os homens; de modo particular entre os moçambicanos.
Chegados a este ponto e de acordo com o nosso status questionis desta reflexão:
«A paz é um bem necessário para os seres humanos. O continente africano em
geral tem vindo a sofrer muitas ameaças à paz, exemplo disso, são as guerras
fratricidas que acontecem na maioria dos países africanos. E Moçambique é um
dos países que no passado, viveu momentos de turbulências e de guerra e, já
recentemente foram registados casos semelhantes. Daí que, era necessário reflectir e falar de
paz fruto de uma boa convivência política, pois é motor para uma sociedade
sadia e capaz de garantir o desenvolvimento econômico para o bem comum de todos
os moçambicanos».
O caminho percorrido neste estudo foi um caminho que
pode nos ajudar a entender a importância da convivência política entre os
homens, a aceitar que o homem naturalmente político, faça com que o homem
moçambicano tenha algo a dizer e a dar. Não se pode nem se deve conceber um
homem moçambicano alheio as situações deste país. O homem moçambicano
independentemente da sua cor partidária ou origem étnica ou cultural, se é
moçambicano, não deve estar à margem da situação desta pátria amada. Deve sim
trabalhar para contribuir para o bem comum deste povo. A contribuição da Igreja
e de todos os moçambicanos para a construção deste país é um imperativo
categórico para todos.
As eleições livres, justas e transparentes, o diálogo
sincero e efectivo, o respeito entre todas as forças políticas deste país, a
reconciliação efectiva, a justiça social, a oportunidade para todos, a
distribuição equitativa dos rendimentos econômicos entre os moçambicanos, o
combate às assimetrias regionais e à exclusão social são alguns dos meios que
podem ajudar-nos na consolidação da paz para a construção de um mundo melhor. E
todos nós e sobretudo os acadêmicos, temos esta tarefa de promover a paz e a
reconciliação entre os moçambicanos.
Muito obrigado!!!
VII)
BIBLIOGRAFIA
1
.Cem, Cartas Pastorais e outros Documentos,
1976 – 2008.
2. Biblia Sagrada, Difusora
Bíblica, 14ª Ed., Lisboa 1988.
3.
Enciclopédia Luso – Brasileira
de Cultura, Verbo,
Vol. 5° e 15° Lisboa 1967.
4 João
Paulo II em Moçambique, Homilias –
Discursos – Mensagens, Maputo 1988.
5.
João Paulo II, A Igreja em
África, Exortação Apostólica pós-sinodal,
“Ecclesia in África”, Ed. A.
O. – Braga 1995.
6. Pontifício Conselho, “Justiça e
Paz”, Compêndio da Doutrina Social da Igreja, ed. Paulinas, S. Paulo 2005.
7. Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituições –
Decretos – Declarações Documentos Pontifícios, 11ª ed. A. O., Braga 1987.
8. Caminhos da Justiça e da Paz, Doutrina Social
da Igreja, Documentos de 1891 a 1991, ed. Rei dos Livros, Lisboa 1993.
9.
Dicionário de Língua Portuguesa, Edição/Reempressão Porto Editora, Porto 2013.
Pe. Inácio Manuel MOLE
Vigário Geral da Diocese de Lichinga
[1] Cf. «Convivência» In Dicionário de Língua
Portuguesa,
Edição/Reempressão Porto Editora, Porto 2013.
[2] Cfr «Convivência» In Enciclopédia Luso – Brasileira de
Cultura, Verbo, Vol. 5°, Lisboa 1967, Col. 1637.
[3] Para um estudo detalhado da polis e da política
cfr. Enciclopédia Luso – Brasileira de Cultura, Verbo, Vol.
15°, Lisboa 1967, Col. 437 - 445
[8] Cessem a Guerra e Construamos a Paz, Exortação Pastoral, 1986 nº 3
[17] Cf Il Regno, Revista quindicinale di attualità e
documenti, ottobre 2013, pag. 513.
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