O jurista Vicente Manjate considera que sem uma proposta legal ainda é prematuro fazer uma avaliação detalhada ao acordo sobre a descentralização. Mas não tão prematuro para alertar sobre alguns aspectos, desde logo aqueles cuja revisão pressupõe um referendo.
É disso exemplo a forma de designação dos presidentes das autarquias. O jurista lembra que a alínea e) do número um do artigo 292 da Constituição impõe que as leis de revisão constitucional deverão respeitar o sufrágio directo, pessoal, igual na forma da designação dos órgãos eletivos do poder local. Ora, a ter que se concretizar a proposta de alteração da forma de designação do presidente da autarquia local, “então o número 2 do artigo 292 da Constituição impõe que quando a revisão, ainda que seja pontual, tenha de mexer com esta estrutura fundamental da participação do cidadão no exercício político, tem de se realizar um referendo”. É através do referendo que os cidadãos recenseados poderão se pronunciar a favor ou contra a alteração da forma de designação dos líderes das autarquias.
“É por isso que o referendo é um elemento que é chamado quando existem assuntos de relevante interesse nacional por serem decididos. E a Constituição decidiu que este é um assunto de relevante interesse nacional”, referiu.
Além de propor a revisão constitucional, o Presidente da República pode, porque competente, convocar o referendo. Mas o jurista vê dois desafios. O primeiro tem que ver com o tempo: “Considerando que as eleições autárquicas serão em Outubro, o refendo deve ser realizado até Julho. Não pode ser depois desse mês”.
O segundo tem que ver com os elevados níveis de abstenção que marcam os processos eleitorais.
É que o referendo só válido se tiverem participado mais de metade das pessoas recenseadas. Senão não é válido. “A não ser que o exercício seja rever primeiro a Constituição para eliminar este limite, o que não me parece. Mesmo com essa revisão seria muito difícil de se alcançar sem um referendo”, disse.
Vicente Manjate considera não existir um modelo de descentralização que seja perfeito, as circunstâncias de cada momento é que ditam as soluções. Ainda assim, ele diz que a proposta avançada parece não assentar de forma coerente com o actual quadro legal, pois altera profundamente a forma de organização, nomeação e funcionamento dos órgãos locais do Estado (a nível provincial e distrital) e das autarquias locais (poder local). “Isso pode implicar uma emenda constitucional e a revisão da diversa legislação que regula a organização e funcionamento da administração pública. Mas precisamos de propostas concretas para aferirmos a praticidade deste modelo, o seu grau de funcionamento, os mecanismos de check and balance entre os órgãos que serão criados. Quais serão as competências de uns e de outros órgãos? Como será feita a tutela e a fiscalização?”.
Fonte: O País – 08.02.2018
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