O PDD não sumiu - garante Raul Domingos
RAUL Manuel Domingos, presidente do Partido para a Paz, Democracia e Desenvolvimento (PDD) ainda pensa que as eleições de 28 de Outubro de 2009 foram fraudulentas. Em entrevista ao “Notícias”, disse, entre outras coisas, que militantes do partido no poder foram treinados e ensaiados para intimidar, espancar e impedir que outras forcas políticas fizessem a sua campanha eleitoral. Na mesma entrevista, Raul Domingos analisa vários aspectos da vida política do país, manifesta-se “disponível” para um eventual convite para o regresso às hostes da Renamo, não quis comentar sobre a ideia da oposição construtiva e admite que o partido teve uma má participação nas eleições gerais de 2009.
Notícias (N) – Tem andado ausente do cenário político do país. O que se passa?
Raul Domingos (RD) – Quando a gente não aparece na Imprensa a imagem que fica é a de que andamos ausentes (risos). Acredito que tenha aparecido pouco, mas esta conversa vai ser o quebrar do silêncio e tenhamos aqui e acolá uma rotina que permite que estejamos mais atentos. Na verdade, o nosso povo precisa de ouvir dos seus dirigentes qual é o pensamento político em cada momento. E é mau estar ausente.
N - Que avaliação faz o partido sobre a sua participação nas eleições gerais de 2009?
RD – Bom, tivemos uma má participação em termos de resultados. Mas, podemos dizer que do ponto de vista político estivemos presentes. Fomos uma das forcas políticas que
esteve em sete províncias. Fizemos uma campanha visível, mas os resultados não foram os desejáveis. Daí que diria: participação boa mas um mau desempenho.
N - A que se deveu o mau desempenho?
RD – Há muitos factores. A fraca presença no terreno, a baixa visibilidade nos últimos cinco anos ditou esta resposta do eleitor.
N - Qual, então, vai ser a sorte do PDD?
RD - Naturalmente que vai continuar no cenário político. Não pode desaparecer, porque tem políticos que estão filiados por convicções e acreditam que é através do partido que podem realizar os seus sonhos de ter um Moçambique de paz, de democracia e de desenvolvimento.
N - O senhor não se sente sozinho no partido?
RD - Pelos votos, acreditamos que há pessoas que nos seguem. E um dos sinais evidentes disso é o aparecimento do símbolo do PDD nos boletins de voto para as assembleias provinciais em Mocuba. Sem termos feito campanha, conseguimos um assento em Mocuba. Significa que as pessoas conhecem o símbolo do PDD, conhecem o seu líder e acreditam no partido.
N - Sente-se confortável nestes termos?
RD - Naturalmente que não. Gostaria de ter um assento na Assembleia da República. Podermos usar do pódio da Assembleia da República para dizermos o que pensamos sobre o país. Neste desconforto o desafio é trabalhar para conseguirmos esses objectivos.
N - O senhor já foi deputado. Já esteve numa situação em que lhe davam um minuto para falar. Foi confrangedor não foi?
RD- Bom, foi uma fase. A História deste país tem muitos episódios, um dos quais e triste foi estar na Assembleia da República, confiado pelo povo, mas pelo Regimento Interno ser coarctado do direito de falar e ter um minuto para exprimir um pensamento. Mas não desperdicei minuto que me foram dados. Disse o que tinha a dizer, em cada momento do debate de questões de interesse nacional e acredito que por causa disso politicamente estou vivo e as pessoas continuam a acreditar e a alimentar esperanças de que Raul Domingos e o PDD um dia poderão dar uma contribuição muito positiva para o país.
PAZES COM RENAMO
N - Disse um dia que ainda se sentia da Renamo, apesar de ter sido expulso do partido. Hoje reafirma isso? Pode voltar á Renamo se for convidado a regressar?
RD - Na minha história de vida política completo 30 anos em 2010, dos quais 20 foram vividos na Renamo. A Renamo foi praticamente a minha rampa de lançamento para a vida política. E é preciso recordar que eu não abandonei a Renamo. A Renamo é que me abandonou.
N - Nesta perspectiva poderia aceitar?
RD - Bom, aí está. Como dizia, dos 30 anos da vida política 20 foram vividos na Renamo. A Renamo foi a minha escola e, por causa disso, hoje estou onde estou. O abandono não foi pacífico. Foi, enfim, conflituoso. Se há intenções de se fazer as pazes a paz é boa para todos.
N - Aliás, o senhor é embaixador da paz. Acha que a paz está no bom caminho em Moçambique?
RD - A paz é algo que deve começar de dentro de cada um de nós. A paz deve ser vivida na mente das pessoas, estendendo-se pelas famílias, pelas comunidades, crescendo pelo país e pelas nações. A paz tem uma semente e essa semente é a mente do Homem. Felizmente, a paz em Moçambique ainda temo-la no discurso dos nossos dirigentes. Já é um bom passo. Mas a paz não é apenas o discurso, mas também acções. A paz é o bem-estar. A paz é saúde, é emprego, é transporte, é alimentação. Quando nos escasseiam estes bens materiais a paz também fica afectada. A paz tem a componente espiritual e material. A nossa paz ainda tem muito que andar. A nossa paz serve de alicerce para a democracia e a democracia serve de pilar para o desenvolvimento. É uma paz que deve ser combinada com a democracia e desenvolvimento. Quando não há democracia, a paz fica ameaçada. Neste momento vejo que a nossa democracia é uma democracia que apesar de ter sido conquistada através do Acordo Geral de Paz é ainda ténue. Ainda precisa de muito trabalho para a sua consolidação e mostra sinais de retrocesso. No passado, sempre o disse e reitero que há esforços de retorno ao monopartidarismo e isso ameaça a democracia e, consequentemente, a paz e o desenvolvimento.
N - Mas isso não será resultado dos próprios resultados eleitorais?
RD - É uma questão de perspectiva. É uma questão do ovo e a galinha. Os partidos aparentemente são fracos, mas é importante verificar a que se deve essa fraqueza. São fracos ou são fragilizados? É uma perspectiva que se pode explorar. Convido os académicos e os intelectuais deste país para fazerem esta reflexão. Por outro lado, é preciso ver se não há o esforço de empoderamento de um partido em detrimento doutros. Também é uma outra perspectiva. Quando aparece o partido no poder a criar as suas células em instituições do Estado o que é isso?
N - Os outros partidos foram impedidos de criar as suas células nas instituições?
RD - Não há lei que impede, nem há lei que autoriza. Qual deve ser a reflexão? É ver se isso é ou não viável. Se isso é ou não democrático. Vamos pegar, por exemplo, o Ministério do Interior. Cria-se uma célula do partido nesse ministério. O que se pretende com isso? Num ministério em que o pessoal é maioritariamente polícia e estes são agentes do Estado que devem ser apartidários, mas temos lá uma célula do partido. Se nós quisermos instalar as nossas células lá vamos dividir a Polícia em grupos de vários partidos. O mesmo se pode dizer em relação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, da Defesa e inclusive outras repartições do Estado. O que é que nós pretendemos com isso? É viável para a democracia? Está claro que estamos a partidarizar. Não é viável porque as instituições do Estado não estão em condições de albergar 40 partidos. Portanto, é anti-democrático. Nós ficamos mais preocupados quando isso vem da boca dum secretário-geral do partido, que diz que é uma recomendação do congresso. A pergunta que se coloca aqui é: esse congresso em que medida vincula o Estado? As decisões do congresso são vinculativas ao Estado moçambicano? As repartições do Estado são obrigadas a albergar células do partido porque o congresso decidiu? Eu chamo a isto o cair da máscara. Durante cinco anos dissemos: estamos a dar passos em direcção ao monopartidarismo. Mas foram dizendo que não, não, não! Portanto, é isto que fragiliza uns a favor doutros. Maioritariamente, os quadros deste país se não estão nas organizações não-governamentais estão no Aparelho do Estado. Então, se são vigiados por uma célula do partido, os outros partidos ficam desprovidos de quadros que podiam fazer oposição responsável e séria.
N - O líder do PIMO, Yá-Qub Sibindy, adoptou uma linha de oposição construtiva. O PDD também pode?
RD - Não quero falar de Yá-Qub Sibindy. Quero falar daquilo que eu penso que devia ser feito mas que não é feito. Eu acho que os outros tem um grande fiscal que e o povo.
PARTICIPAÇÃO NAS ELEIÇÕES DE 2009
N - O que aconteceu em 2009? O senhor não conseguiu candidatar-se. O que se passou?
RD - É natural que me sinta injustiçado. Mas também percebo a agonia em que se encontra o partido no poder, que encontrou a forma de organizar as eleições para garantir a chamada vitória retumbante. Essa vitória retumbante é resultado de muitas operações anti-emocráticas, desde o Conselho Constitucional até às comissões distritais de eleições. Toda uma operação bem orquestrada e com um grande maestro que está de parabéns porque foi bem sucedido. Mas isso não vai continuar assim. O povo não vai permitir e nós como partidos políticos apreendemos a lição. Refiro-me às exclusões que aconteceram, a amputação de partidos, a eliminação de alguns candidatos presidenciais, tudo isso sem fundamentos legais aceitáveis. Viu-se aqui um esforço titânico dos órgãos eleitorais e de Justiça deste país a prepararem uma vitória que se pretendia esmagadora, tal como veio a acontecer. Nós vimos também, mesmo no terreno, os militantes do partido no poder treinados e ensaiados para intimidar, espancar e impedir que os outros fizessem as suas campanhas eleitorais. Eu fui vítima disso.
N - Tem conversado com o Presidente da República?
RD - Converso com ele. Eu sei que ele é aberto ao diálogo. Mas acredito que não é pelo diálogo que ele muda a sua maneira de pensar. Com relação à democracia e à forma como faz essa mesma democracia eu tenho algumas críticas a fazer. Algumas já as fiz pessoal e directamente. Falámos, por exemplo, sobre os administradores distritais, que eu penso que deviam ser cargos a serem ascendidos por concurso público e não por nomeação. Falamos de secretários permanentes e chegámos a um consenso de que de facto devia ser por concurso público e fiquei feliz em saber que esse cargo passa a ser por concurso público. Mas aí está. Parece-me que no que diz respeito à maneira de fazer a democracia ou de agir em democracia ainda estamos muito distantes. Eu estive em Gorongosa e conheci o secretário permanente local, que é ao mesmo tempo o primeiro- secretário do partido Frelimo. Para mim, esta combinação não é democracia. Se nós não chamamos atenção sobre isto vamos seguramente voltar para o monopartidarismo.
N - Está ou não o PDD fragilizado neste momento?
RD - O PDD tem uma boa base de apoio. A fraqueza do PDD que nós temos estado a constatar é a sua ligação do topo À base. Isto é, a sua comunicação..A comunicação com a base requer meios. Por falta de meios e toda uma logística necessária para a comunicação isso cria uma fraqueza. Não diria fragilizado, mas sim fraqueza. Mas estamos a trabalhar no sentido de encontrar formas de ultrapassá-la.
N - É ou não é uma ameaça ao PDD o MDM?
RD - Não é. Nós não somos adversários do MDM. O adversário do MDM acredito que seja o partido no poder. O PDD não olha para nenhum partido da oposição como adversário.